Artigo: Sobre homens calados e imensas tristezas.

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Por Wagner Dias Caldeira ( * )

O esforço coletivo dos psicólogos de Parauapebas para construir uma compreensão local sobre a depressão nos vários segmentos humanos foi motivado pela acertada escolha da OMS quanto ao tema do Dia Mundial da Saúde deste ano e pela costumeira gentileza do Zé Dudu em hospedar nossas reflexões em seu blog. No cerne desses textos reside a forte intenção de dar voz a corpos silenciados pela tristeza, pelo isolamento e pela vergonha. Eles comparecem aos consultórios de serviços de saúde falando de uma constelação de dores e sofrimentos que amiúde servem de esconderijo onde a depressão arma nas sombras as suas tocaias.

Mas e aqueles cuja presença nos consultórios se faz muito menos de corpo presente que através de tristes relatos de violências e obstinadas recusas em fazer coro a dores familiares e até mesmo de autoria de agressões infligidas a si e aos outros? Estes são os homens com depressão. Do mal-estar deles só se tem notícias pelos números: Vivem em média 4 anos a menos que as mulheres, no Brasil essa diferença se amplia para 7 anos; representam 92% dos óbitos por agressão e quase 85% dos óbitos por acidentes de transporte; 93,6% da população carcerária é constituída por homens, e finalmente eles são 78,5% dos suicídios. Os dados são alarmantes e as explicações não são simples. Entender a escandalosa incoerência de presenciar a morte dos seus semelhantes e, mesmo assim, não cuidar de si passa pela compreensão da construção da masculinidade.

Homens são seres forjados por uma poderosa utopia: a de que nasceram para a invulnerabilidade e por isso não precisam prevenir os riscos e sim enfrentá-los dia após dia, num acúmulo de cicatrizes e conquistas que precisam ser permanentemente expostas aos seus pares, pois, sem o reconhecimento do outro, as batalhas vencidas perdem o encanto. A masculinidade é um troféu reservados aos que dirigem perigosamente, aos que abusam de álcool e outras drogas, aos que entram em brigas sem o titubeio dos indecisos, aos que aceitam o trabalho sob quaisquer condições, aos que defendem sua honra com violência, se necessário. A masculinidade é avessa à exposição de fraquezas, é inimiga dos que falam do próprio sofrimento. Por isso, homens frequentam muito mais as UTIs e os cemitérios que os consultórios de postos de saúde.

Masculinidade é uma alucinação coletiva, já diria o canadense Michael Kaufman. Discordo em parte. Muitas alucinações sobrevivem ao teste de realidade. Já a masculinidade, do jeito que a conhecemos, desbota diante da cor rosa, vacila à frente da troca de afetos entre semelhantes e só sobrevive em posições de domínio. Falar de sentimentos não está no campo do masculino, por isso mulheres sofrem mais de depressão que homens, e homens se matam mais que mulheres.

Antes dessa partida para o ato final, o homem tenta amortecer as angustias com a bebida e as drogas ilícitas, ou mergulhando inconsequentemente numa rotina estafante e muitas vezes improdutiva no trabalho, ou fechando-se num mau humor que só admite a companhia de horas eternas de tv ou de pornografia virtual, ou, a pior válvula, na tentativa de eliminar as suas fraquezas, passa a agredir as fraquezas dos outros. Ao fim e ao cabo, o machismo que violenta as mulheres é também o maior carrasco do homem.

A política brasileira de saúde do homem é muito recente. Nasceu em 2008 com a intenção quase exclusiva de alcançar melhores resultados para a saúde da mulher e das crianças. Apenas recentemente começou a se debruçar sobre a questão do gênero como fator de adoecimento da população masculina. Hoje aponta para a desconstrução e reconstrução dos pilares da masculinidade e do questionamento sobre o machismo.

Num tempo já marcado pela crise do patriarcado, pela conquista de novos espaços pela mulher e pelas profundas mudanças na educação dos filhos, há de se superar a masculinidade assentada em feudos e relações servis mantidas frequentemente pela violência. Precisamos entender que o homem nasce primeiro, a masculinidade depois; e que ela é fruto das interações sociais e não um destino dado pela anatomia ou pela biologia. Ou seja, a masculinidade pode ser plural. Masculinidades. Olhar para dentro de si e (re)inventar seu lugar no mundo é a missão do homem daqui para diante, se quiser viver mais plena e menos melancólica.

Wagner-Dias-Caldeira

( * ) – Wagner Dias Caldeira é psicólogo. Atualmente responde pela coordenação municipal de saúde mental e é Referência Técnica em Saúde Mental do 11º Centro Regional de Saúde/SESPA.

Leia também :

Vamos falar de depressão?

Vamos falar de depressão infantil? 

7 comentários em “Artigo: Sobre homens calados e imensas tristezas.

  1. Renato Vieira Responder

    Textinho fofinho que serve para absolutamente nada além de marcar pontinhos virtuais com os amiginhxs, Nada disso é novo esses dados são os mesmos de 100 anos atrás, desconstruição de masculinidade, medo do novo, incapacidade de se comunicar, pff me poupe, tudo isso é conhecido desde a grécia antiga, a verdade é que o homem é mais descartável que a mulher que apesar de objetificada, é um objeto de valor, já o homem não vale nada além do que ele conquista na unha.

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