Artigo: Vamos falar de depressão?

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Por Edna Moia ( * )

Há sessenta e nove anos a OMS (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu o dia 07/04 como Dia Mundial da Saúde, convidando todo o planeta a refletir sobre determinados temas que possam fortalecer a compreensão ampla e necessária sobre o que é saúde para o ser humano, postulando-a como “(…) estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (Trecho da Carta da OMS resultada em assembleia). Sob esta definição de saúde há implicação direta da valorização da qualidade de vida, assim sendo, abre-se um leque de preocupações com os veículos que nos protejam desde as mazelas físicas até as injustiças sociais, estas atualmente imperiosas e contrárias aos direitos fundamentais do cidadão.

Este ano o tema escolhido para se debater em campanha é a Depressão, Transtorno de Humor que é descrito em seus aspectos principais e variações no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), produção construída e constantemente revisada pela própria OMS.

Considerada por muitos estudiosos da área científica como mau do século 21, a Depressão mostra-se como um adoecimento humano que o acompanha desde quando o mundo é mundo, registrando-se descrições e episódios em literaturas antigas e destacadas na história como a bíblia e escritos filosóficos. Obviamente a Depressão tem em seu núcleo o sentimento de tristeza que é própria da existência, como então não poderia ser tão antiga? Ocorre, porém, que as estatísticas hoje apontam para um quadro preocupante (3 a 11% diagnosticados por ano e até 30%, em média, suspeitos), crescente e ao mesmo tempo carente de pesquisas mais detalhadas sobre a Depressão como fenômeno patológico, além dos elementos associados e desencadeadores.

A Depressão é um adoecimento que não escolhe idade, sexo, raça, condição econômica ou qualquer outro critério que delimite sua demanda. Trata-se de um distúrbio emocional podendo traduzir-se num estado de abatimento e infelicidade, o qual pode ser transitório ou permanente. Na medicina e na psicologia a constatação ou diagnostico de uma Depressão depende de uma avaliação clínica que levantará indicativos necessários para configurar um quadro patológico, precisamente se dará pelo registro de sinais sob a tônica de um grande sofrimento afetivo. Os sintomas mais conhecidos referem-se a tristeza, em primeiro lugar, sentimento de incapacidade e menos valia, desânimo ou desmotivação, alterações de humor e irritabilidade pontual, queda de rendimento, distúrbio de apetite e sono, alterações psicomotoras, desprazer, alteração nas funções cognitivas, domínio de pensamentos negativos, tendência ao isolamento social, entre outros.

A ciência busca tracejar parâmetros para seu diagnóstico e volta seus esforços para obter respostas na hereditariedade ou na genética ou, mais recentemente, nos neurotransmissores que justifiquem biologicamente a sua ocorrência e se direcione para uma cura medicamentosa. Contudo, o que temos em mãos é um fenômeno, por muitos tratados metaforicamente como um adoecimento da alma. Tendo em vista que a alma não pode ser visível, muito menos o sofrimento emocional, não há como capturar e mensurar sua imagem em qualquer tipo de exame laboratorial. Convenhamos que tudo aquilo que não pode ser palpável ou medido pela ciência fica à mercê das leituras subjetivas dos olhares que a permeiam. Aqui me refiro especialmente ao olhar de uma sociedade ou cultura.

Os desencadeadores da Depressão são diversos e se associam desde alterações neurológicas promovidas por patologias físicas, pelo uso abusivo de álcool e outras drogas, até por diversos acontecimentos negativos na vida de um indivíduo, tais como perdas, conflitos, violência, traumas, problemas financeiros, stress ou sobrecarga de trabalho, injustiça e outros fenômenos sociais causadores de sofrimento psíquico. Mesmo assim, considero que o pior inimigo da pessoa que sofre de Depressão ainda é o estigma social que abre espaço para a discriminação e o preconceito.

Vivemos numa era em que a busca imediata do prazer nos faz abominar qualquer tipo de dor ou sofrimento. O lema é: felicidade plena e sempre! Para nos sentirmos parte dessa sociedade e bem-sucedidos precisamos ser produtivos, belos e felizes. Assim, não nos cabe a tristeza, a impotência, má aparência, muito menos a dor. Por isso lemos livros de autoajuda, queremos ser fitness, tomamos medicamentos como antidepressivos e analgésicos em demasia.

Mas não seria a tristeza ou a dor parte de uma defesa ou resposta natural humana diante de ameaças como desapontamentos ou frustrações? Afinal sob uma perspectiva evolutiva todos os sentimentos têm sua função para o indivíduo seguir avançando vívido, mesmo com as adversidades. A tristeza, a raiva, o medo, entre outros sentimentos ou emoções desprazerosas tem seu propósito na medida adequada. Promovem alerta ou atenção a algo errado, defesas, reavaliações, redirecionamentos, economia de energia ou despejo dessas.

Em um mundo onde não se tolera a infelicidade ou tristeza, as quais tem sido dignas de pena, enquanto a intolerância (“rabugice”) ou apatia que imobiliza as pessoas são dignas de críticas, julgamentos ou indiferença o resultado é anular os espaços para falar e daí por diante tratar deste assunto. Neste cenário sem diálogo fica muito mais difícil o enfrentamento da Depressão que na maioria das vezes tem como primeiro desafio a batalha que se trava dentro do próprio adoecido quando investido de culpa se vê no desespero da autocondenação, do isolamento, do silêncio e, em última consequência, do próprio aniquilamento.

Para a Psicanálise a depressão é o avesso do desejo. Traduzindo de maneira mais simplista podemos aqui associar a primeira a morte e o segundo a vida. O desejo determina o sujeito vivo e a depressão nasce do abando deste desejo. O desejo também se veicula, se expressa e ao mesmo tempo se constrói na linguagem, ou seja, encontramos e evoluímos nossos desejos quando temos espaços para falar dele, ao mesmo tempo, para pensar sobre ele.

Não por um acaso a OMS em sua proposta temática deste ano definiu como lema “Let’s talk” (“Vamos conversar”). Entende-se que este é um convite para além do oferecimento de conhecimentos ou fomentação de debates diversos, mas também é um convite à palavra, ao dizer de um sofrimento que ainda muito precisa ser compreendido.

Em Parauapebas profissionais ligados ao serviço público de saúde tem se empenhado em seus espaços de atuação para dialogar com a comunidade local atendida sobre o tema Depressão. A iniciativa parte de psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, entre outros que entendem a importância de ouvir, oferecer esclarecimentos e trocar informações sobre os sofrimentos diretamente ou indiretamente associados aos estados depressivos. A exemplo foi promovida uma roda de conversa no Posto de Saúde do bairro Liberdade 1 sobre o Tema Depressão e Fibromialgia, no Centro de Atenção Psicossocial aproveitou-se a atividade de acolhimento diária para tratar sobre a Depressão e em outras unidades os profissionais de saúde estiveram atentos ao assunto.

Estas experiências, somadas ao que vem sendo observado nas frentes de atendimentos a saúde, é uma realidade repetida de carência a atenção aos sofrimentos emocionais de uma população que, especialmente neste momento, pedem ainda mais compreensão e tratamento diante de um contexto social e econômico que a fragiliza pelo desemprego, abalo financeiro, violência e enfraquecimento moral. São tantas as matizes que interferem na saúde e que a princípio precisamos escutar para cuidar.

Então…. Vamos conversar?

( * ) – Edna Moia é psicóloga do Posto Liberdade I, da Policlínica e, na rede particular, da Clínica ISEP, em Parauapebas.

2 comentários em “Artigo: Vamos falar de depressão?

  1. Edson Responder

    Parabéns Dra Edna, sinto na pele como é conviver com um depressivo. De grande importância esse tema!

  2. Gabriel Moia Responder

    Edna, maravilhoso o seu ponto de vista sobre o assunto, continue com as suas contribuições para o elavamento do pensamento de cada leitor.

    Um parabéns de sua família orgulhosa.

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