Bola cheia: Tese de doutorado de professora paraense sobre expressões do futebol é inédita no Brasil

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“Bola na gaveta”; “carimbar o travessão”; “gol chorado”; “pimba na gorduchinha”; “bola murcha”. É comum jogadores, técnicos e até repórteres esportivos repetirem essas frases nas coberturas dos campeonatos pelo Brasil. E o torcedor acaba agregando para si, essa “linguagem futebolística”. Foi pensando nisso que a professora da Universidade Federal do Pará, Carlene Ferreira Nunes Salvador, depois de uma conversa com o seu orientador em sociolinguística, compôs a interessante tese de doutorado, intitulada “Fraseologismos do futebol brasileiro: proposta de um dicionário eletrônico”.

A professora conta que apesar de ser um tema que já foi exaustivamente tratado por outras áreas de conhecimento, como Antropologia e Sociologia, ela percebeu que o trabalho em Linguística, sobre fraseologia do futebol, ainda não havia sido feito. “Eu decidi elaborar um dicionário cujo público-alvo seria tanto o acadêmico quanto o público em geral, utilizando métodos e critérios sistemáticos para a catalogação dessas expressões que estão na boca do povo”, enfatizou.

Foram quatro anos de pesquisa usando como fonte as notícias de campeonatos brasileiros das séries B, C e D, publicadas em cadernos de esportes de jornais populares de cinco estados, entre os anos de 2008 e 2015. Meia Hora – Rio de Janeiro, O Massa – Bahia, Diário Gaúcho – Rio Grande do Sul, Daqui – Goiás e Amazônia – Pará. A teste de doutorado é um trabalho de base linguística, inédito no Brasil, e foi defendido por ela, em abril deste ano.

A pesquisa de 2.674 textos jornalísticos gerou mais de um milhão de palavras. O resultado foi a listagem de 1.316 fraseologismos que agora fazem parte de um dicionário eletrônico semi-ilustrado, que deve ser disponibilizado ao público em breve.

Carlene conta que identificou a troca contínua de expressões entre o domínio do futebol e a língua comum. “Fraseologismos como: dar bola/dar atenção, pisar na bola/cometer um erro, tirar o time de campo/desistir de algo, são próprias do futebol e que devido a sua cristalização são utilizadas nas diversas esferas sociais com sentido alterado”. E o processo inverso também ocorre com as expressões da língua comum absorvidas pelo futebol, tais como: bater o martelo/contratar um jogador, rifar a bola/referente a leilão, batalha campal/campo bélico.

A lista traz ainda expressões curiosas como ‘bola pro mato que o jogo é de campeonato’, ‘romper o véu da noiva’, ‘bota água no chopp’, ‘ir para o chuveiro mais cedo’, entre outros.

Carlene também conseguiu identificar fraseologismos diferentes para um mesmo tema, de acordo com a região. É o caso das definições para árbitro. No jornal Amazônia (Belém), por exemplo, a expressão muito usada foi “homem do apito”, já no Diário Gaúcho (Porto Alegre) é comum usar ‘homem de preto’ e nos outros jornais aparecem muito ‘árbitro central’ e ‘árbitro principal’.

A professora conta que o próximo passo é dar prosseguimento a pesquisa e ampliar o dicionário eletrônico com Pós-Doutorado. Natural de Jacundá, no sudeste do Pará, Carlene Salvador estudou no Núcleo Urbano de Carajás, em Parauapebas, e há 20 anos mora em Belém. Ela é professora da Secretaria Estadual de Educação e atua como professora colaboradora no Programa de Formação de Professores-Parfor da Universidade Rural da Amazônia-Ufra e pesquisadora-integrante dos projetos GeoLinTerm e AliB.

A pesquisa foi financiada com apoio da agência de fomento da Fapespa/Pa.

17 comentários em “Bola cheia: Tese de doutorado de professora paraense sobre expressões do futebol é inédita no Brasil

  1. FABIANO RODRIGUES Responder

    Parabéns menina aplicada e disciplinada pelo trabalho. Como tem dito pensadores como Castells de que vivemos na “ERA E NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO” mas em contrapartida parece que a ignorância se intensifica a cada dia com pessoas que infelizmente se utilizam da estupidez e arrogância para dizer bobagens, se sentem seguras ao utilizar os meios tecnológicos pra expressar esses sentimentos tão rudes e bárbaros. Infelizmente a informação tem sido disponibilizada a todos, entretanto transformar essas informações em conhecimento tem sido tarefa de poucos. E quem um dia já tentou fazer isso sabe o quão é importante para uma nação, para uma nação séria, conhecer todas as práticas sociais do seu povo e até de outros povos. Os americanos, os ingleses, os franceses ao longo de toda a era moderna têm feito isso de maneira ampla e irrestrita, e aqui infelizmente talvez por falta de conhecimento pessoas desdenham de um trabalho tão importante como o seu. Desconhecem que por exemplo a indústria cinematográfica americana consome muito esse tipo de trabalho para fazer seus filmes, que consomem muito esse tipo de trabalho para a indústria bélica, para a indústria farmacêutica, para a indústria da moda, para a indústria do entretenimento em geral. Mas aqui infelizmente a ciência ainda é entendida tanto por especialista quanto por essa massa ignorante de que ela é uma atividade apenas restrita a laboratórios com um monte de gente de jaleco branco manuseando tubos de ensaio. Essa concepção de ciência é tão arcaica e ultrapassada que quando leio esse tipo de comentário ignorante, como os acima, tenho a leve impressão de que não estamos vivendo na era moderna, mas talvez ainda na Idade Média. Infelizmente a nível estrutural os governos não tratam educação, ciência e tecnologia como prioridades e consequentemente produz uma massa ignorante, massa essa que até considero também vítimas desse processo e que sua agência opera por um desconhecimento pleno. Por fim parabéns pelo trabalho quero uma hora ter a oportunidade de ler.

  2. Rafael Machado Responder

    Parabéns, estou muito orgulhoso de você , acompanhei uma pequena parte bem de perto o quanto se dedicou e se sacrificou para realizar o seu sonho do Doutorado. Orgulhoso de ser seu amigo ainda mais sabendo que és uma educadora…

  3. Olga Responder

    Parabéns professora, ser a primeira a fazer uma tese destas a nível nacional não é para qualquer um, com certeza seu empenho foi reconhecido e está aí o resultado.

    • Carlene Responder

      Querida Olga,muito obrigada pelo apoio e as palavras de incentivo. Fazer ciência neste país é uma tarefa muito difícil. Vamos em frente!

    • Carlene Responder

      Prezado Lima LIma, agradeço a palavras de apoio. A jornada é longa, mas o resultado é gratificante.

  4. pedro Responder

    essa aí nunca contribuíra pra humanidade com essa baboseira, até as aqueles maconheiro do vila rica contribui mais que ela

    • Carlene Responder

      Caro Pedro, “essa aí” é uma acepção demasiadamente depreciativa, categoria em que eu, professora, mãe e esposa não me encaixo e por esse motivo requer respeito. Segundo ponto, a contribuição dos “maconheiro” não está contemplada em minha tese, o que muito me impressiona é o nível da comparação realizada. Terceiro ponto, o tema que você considera ‘baboseira’ vem sendo estudado, em nível acadêmico, nas diversas áreas de conhecimento há bastante tempo, porém, não sob esse viés fraseológico. Não é necessário você gostar, mas o grau de polidez utilizado para efetuar o comentário precisa ser revisto, assim como uma boa revisão ortográfica.

  5. Geraldo Biason Gomes Responder

    Carlene, parabéns pelo trabalho. Uma bela contribuição para construção de nossa identidade nacional.

  6. Suzano Responder

    Na minha tese farei uma análise do tema de abertura dos Simpsons então, acredito que contribuirá para a humanidade tanto quanto essa tese aí

    • Olga Responder

      Inveja é fogo né? Um Zé bosta igual você que com certeza nem o MOBRAL deve ter, vindo criticar uma tese inédita no Brasil, com certeza vai ser de muito proveito para entendedores de futebol, não para um Zé ninguém igual você.
      Não esqueça meu nome, no dia em que você fizer algo assim a nível nacional e de serventia, me marca que eu faço questão de ler.

      • Suzano Responder

        Ok, o farei dona Olga 😉 Gostei do termo científico “Zé bosta” a propósito. E realmente acredito que será de grande ajuda mesmo um “dicionário” para caso algum entender de futebol não souber o significado que alguma expressão ele puder pesquisar, tipo “gol”.

        • Carlene Responder

          Caro Suzano, tudo bem que essa seja a sua opinião, porém, você deve fazer uma leitura mais criteriosa antes de emitir qualquer comentário. Neste caso, não deveria, mas vou lhe explicar que o objetivo do dicionário é catalogar, descrever e analisar essas expressões fixas do ponto de vista linguístico, utilizando para isso critérios metodológicos consistentes amparados por uma teoria fraseológica, a qual explica que as expressões repetidas no cotidiano, e é por isso que o dicionário apresenta um número relativo delas e para você elas são tão comuns que não precisam de definição, estão cristalizadas na língua, ou seja, faz parte do discurso do dia a dia. Para você, um falante nativo, que deve apresentar um conhecimento mínimo que seja sobre futebol, talvez seja claro uma expressão do tipo “gol de letra”…em tempo: não tratei de termos simples como você relatou ‘gol’…no entanto, um estrangeiro ou alguém leigo sobre o assunto dificilmente saberá que um “gol de letra” é um gol em que o jogador cruza a perna ao realizar o feito e nesse movimento forma-se uma letra, no caso, a letra X, assim como em “abrir o placar” significa que ninguém foi lá e “abriu” o placar, como em “virada de mesa” não há mesa e sim uma jogada administrativa realizada pelos clubes. Meu trabalho não revolucionará o mundo, nem o esporte, nem os estudos linguísticos, mas um dicionário com definição, ilustração e vídeo se constitui sim como um registro, descrição da nossa língua, mesmo que você, não reconheça isso, o que é uma pena, pois fiz o dicionário também pensando no público em geral.

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