MP quer frear aquisição de complexo de fazendas vizinhas à Rebio Tapirapé

Proposta de compra por R$ 47 milhões veio de Brasília em ano eleitoral. Entidades ambientais temem risco à Reserva Biológica com implantação de projeto de assentamento.

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O sinal vermelho foi acesso para o Ministério Público Estadual em Marabá por meio da 8ª Promotoria de Justiça, que cuida de questões ligadas ao meio ambiente. Na última segunda-feira, 16, a promotora Josélia Leontina de Barros reuniu representantes de órgãos ambientais para discutir medidas que sensibilizem o Incra a não realizar a aquisição de um complexo de quatro fazendas da Família Miranda: Renascença, São José, São Pedro e Monte Belo. Elas ficam no chamado “quintal” de Marabá, a cerca de 90 km de Parauapebas.

Participaram da primeira reunião para discutir a temática, além do MPE, a procuradora da República Marília Melo de Figueirêdo; o chefe da Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, André Luís Macedo Vieira; supervisor do escritório local da Embrappa, Daniel Mangas; e Fernando Pacheco, representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Reunião-no-MP-sobre-risco-de-afetação-à-Flona-Tapirapé-Aquiri

A promotora Josélia disse que foi informada de que, estranhamente, o processo para aquisição das referidas fazendas veio do Incra, em Brasília, e transcorreu com muita celeridade, dando a entender que pode haver interesse político por trás, uma vez que 2018 é ano eleitoral.

O grande dilema, segundo ela, é que o complexo de fazendas da família Miranda possui grande cobertura florestal e alta relevância ecológica, por permitir a conexão com o Rio Itacaiunas e a Rebio Tapirapé, além de ser provavelmente um dos maiores remanescentes florestais em áreas privadas que ainda estão conservados no município de Marabá.

A pretensão do Incra é transformar o complexo dos Miranda em um assentamento para 166 famílias, mas há o temor que ocorra o que, em geral, acontece em outras áreas: a madeira é vendida por preço irrisório para empresas madeireiras, depois os assentados vendem a propriedade e vão embora, deixando para trás um passivo ambiental lamentável.

Os dois ministérios públicos (MPE e MPF) já solicitaram informações sobre a aquisição da área à Superintendência do Incra em Marabá e pretendem realizar nova reunião na segunda-feira da próxima semana envolvendo mais entidades (inclusive o próprio Incra) para continuar a discussão sobre o assunto.

Também ficou definido que os órgãos de proteção ambiental vão emitir parecer técnico mostrando os riscos de transformar as quatro fazendas em assentamentos rurais, exercendo grande pressão sobre o pouco de floresta que ainda resta no município de Marabá.

Segundo cronograma do Incra, as ofertas dos imóveis foram feitas pelos proprietários em outubro de 2016; os laudos de avaliação foram concluídos em 7 fevereiro de 2017; a mesa técnica foi realizada em 10 do mesmo mês e ano; e o Termo de Concordância dos proprietários em 5 de dezembro do ano passado.

O Incra pretende pagar pelas quatro fazendas o valor de R$ 47.123.215,80, sendo R$ 3.714.620,77 por benfeitorias e R$ 43.408.595,03 pela terra nua. Mas a promotora achou muito alto o valor a ser pago, principalmente levando-se em consideração que o valor por hectare chega a R$ 6.002,10, enquanto a média regional é de R$ 4.000,00. Com isso, o custo por família a ser assentada é de R$ 283.874.79. Cada uma delas ficaria assentada numa área de 12 hectares.

Segundo levantou a reportagem do blog, técnicos da própria Superintendência do Incra estão incomodados com o valor total a ser pago e não concordam que a área (com 70% de cobertura florestal) seja transformada em assentamento. Mas o Incra mantém o discurso de que a recomendação seria para atividades econômicas sustentáveis, compatíveis com a conservação do meio ambiente e dos recursos naturais nos moldes dos sistemas agroflorestais.

“Convém ressaltar a importância de a administração avaliar cuidadosamente a proposta de aquisição, considerando as restrições impostas pela legislação ambiental em relação às formas de exploração do imóvel, o que exigiria um alto rigor quanto ao perfil dos beneficiários que viriam a ser selecionados”.

A promotora Josélia Leontina de Barros observa que há outras fazendas da própria família Miranda naquela região que foram transformadas em área de pastagens e que não representam risco para a Rebio Tapirapé. “O Incra poderia adquirir essas propriedades e criar o Assentamento que está planejando, sem colocar em risco uma área ambiental tão relevante”, sustenta a representante do MP.

A reportagem do Blog enviou cinco perguntas sobre esse processo de aquisição à Superintendência Regional do Incra em Marabá, que respondeu por meio de sua Assessoria de Imprensa:

 

Blog do Zé Dudu – A criação do projeto de assentamento é um risco à Rebio Tapirapé Aquiri?

INCRA – Isso depende da modalidade na qual o projeto seria criado. O Incra estuda junto com o ICMBio a possibilidade de realizar dupla afetação no imóvel. Desta forma, seria criado simultaneamente um Projeto de Assentamento (PA) e uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), onde o Incra seria responsável pela gestão do PA e o ICMBio faria a gestão do RDS. Isso reduziria os riscos de impactos ambientais sobre os referidos imóveis, que são considerados “área tampão” da Reserva Biológica Tapirapé.

 

Blog – Por que o processo para aquisição da área começou no Incra, em Brasília, e não na SR 27, em Marabá?
INCRA – Porque foi pauta nacional da Frente Nacional de Lutas (FNL).

 

Blog – O valor total do complexo de fazendas (R$ 47 milhões) estaria muito acima do mercado, uma vez que o valor por hectare é de R$ 6.002,10, enquanto na região o valor seria de R$ 4.000,00.

INCRA – Foi realizado trabalho de avaliação por equipe técnica do Incra e os valores estão dentro dos limites aceitáveis das planilhas de preços do Incra e das normas técnicas de avaliação de imóveis da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Além disso, o processo de aquisição ainda será apreciado pela Procuradoria Federal Especializada (PFE), pelo Conselho de Decisão Regional (CDR) e pelo Conselho Diretor (CD), em Brasília.

 

Blog – Na avaliação dos representantes dos referidos órgãos, o Incra poderia adquirir outras áreas do mesmo grupo empresarial na região (já degradadas), sem oferecer risco à floresta. Isso é possível?

INCRA – A concepção superficial de adquirir área degradada não é boa. Área degradada é para ser recuperada e não para servir à reforma agrária. Além disso, quando se adquire área degradada para a reforma agrária, todo o passivo ambiental é descontado dos valores de avaliação.

 

Blog – Estes imóveis estão tendo preferência e urgência para aquisição, em relação a outros na região?

INCRA – Não. O que ocorre é que, como os proprietários têm apresentado toda a documentação e requisitos legais, o processo naturalmente tende a correr de forma mais rápida. Além disso, não há problemas na Justiça, o que faz os processos avançarem bem mais rápido. Ainda assim, o processo destas áreas está protocolado desde 2016.

Ulisses Pompeu