Renovação de concessão de ferrovias é mal negociada, diz especialista

Bernardo Figueiredo critica os valores negociados pelo governo como contrapartida e a falta de soluções para problemas históricos das ferrovias.

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O governo está subestimando as exigências de investimentos das concessionárias de ferrovias para a prorrogação antecipada de seus contratos e jogando fora uma oportunidade única de modernização do setor, argumenta o economista Bernardo Figueiredo, ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

Idealizador do plano de concessões lançado na administração da petista Dilma Rousseff em 2012, ele não se opõe ao modelo em si de renovação dos contratos, mas critica os valores negociados pelo governo como contrapartida e a falta de soluções para problemas históricos das ferrovias.

“A prorrogação das concessões é o único instrumento que se tem hoje para alavancar investimentos em ferrovias. Então, precisamos fazer isso com o máximo de cuidado. Não podemos dar mais 40 anos de contrato para um sistema ficar no padrão do século XIX. Se essas questões não forem resolvidas agora, só poderão ser atacadas novamente em 2057.”

Os contratos atuais expiram entre 2026 e 2028. Para renová-los, o governo obrigará as concessionárias a construir por sua conta e risco duas grandes obras: um trecho de 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico) em Mato Grosso e o Ferroanel de São Paulo. São exigências feitas à prorrogação antecipada das concessões da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Estrada de Ferro Vitória-Minas, pertencentes à Vale, e da MRS Logística.

Para o especialista, é muito pouco. De acordo com ele, seria possível arrancar até quatro ou cinco vezes mais investimentos, chegar potencialmente a algo próximo de R$ 30 bilhões em contrapartidas. Com isso, Figueiredo sustenta que uma lista mais ampla de obras poderia estar sendo contemplada: não apenas o contorno da região metropolitana de São Paulo, mas também o projeto completo da Fico (que tem 880 quilômetros de extensão), a conclusão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), a construção de uma ferrovia no Pará e a reativação da linha São Paulo-Porto Alegre – que hoje está praticamente abandonada.

“Não discuto o mérito da proposta [do governo], mas como estão chegando a esses valores”, diz o ex-presidente da EPL. Ele pretende participar da audiência pública a ser aberta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para discutir o assunto. “A Norte-Sul, por exemplo, foi precificada em R$ 1 bilhão no leilão e tem 1% da carga de Carajás.”

A EFC foi recentemente duplicada pela Vale e a União teria inclusive que indenizá-la por investimentos não amortizados caso pegasse de volta o ativo ao final do contrato. No entanto, segundo o especialista, bastam quatro a cinco anos de cobrança de frete com a movimentação atual de carga pela ferrovia para deixar o negócio com valor presente líquido positivo. Ou seja, ela estaria sendo avaliada incorretamente.

Figueiredo ressalta que a questão não gira em torno simplesmente de obras, mas de soluções logísticas. Sem a criação de alternativas para escoar minérios e grãos até os portos, não se tem queda do frete. A Fico, segundo ele, deverá levar mais trens para os mesmos caminhos de hoje: a EFC (em direção ao porto maranhense de Itaqui) e a Rumo Malha Paulista (caminho de Santos).

“Não se constrói ferrovia como um fim em si mesmo. O objetivo final é baixar custo de frete, custo logístico, mas isso não acontece se são as próprias operadoras ferroviárias que se apropriam dos ganhos”, afirma. Hoje, por falta de opções logísticas, as donas dos trilhos são acusadas de praticar tarifas muito próximas ao frete cobrado pelos caminhoneiros. “O risco é gastar bilhões de reais numa obra e não ter frete mais barato porque são as mesmas duas ou três empresas que detêm o acesso aos portos.”

Figueiredo aponta ainda três questões aparentemente ausentes dos novos contratos e que poderiam aumentar a concorrência no setor: definição mais clara sobre direito de passagem (quando o trem de uma operadora pode passar pela malha de outra), fortalecimento da figura do operador ferroviário independente (que não é dono dos trilhos e oferece o serviço de transporte de carga por vagões próprios) e cláusulas para forçar a reativação de trechos inativos das malhas já concedidas.

Fonte: Valor Econômico