Sem terra versus sem terra: 58 famílias despejadas na beira da estrada em Marabá

Invasores dizem que não têm para onde ir e avisam que aguardam apenas a retirada do CME da região para voltar a ocupar a área que pertence ao MST

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“O feitiço virou-se contra o feiticeiro”. Um dos provérbios populares mais conhecidos assentou-se perfeitamente sob a sigla do MST (Movimento dos Sem Terra) em Marabá. Há quase dois anos, um grupo de 58 famílias dissidentes de uma ocupação na Fazenda Santa Tereza deixou o local e invadiu uma área de 10 hectares (2 alqueires) na zona urbana de Marabá, que pertence ao MST.

A área em questão é denominada de Centro de Formação, Produção e Artes da Amazônia (Conduru), que segundo o próprio juiz da Vara Agrária de Marabá, Amarildo José Mazutti, pertence ao MST. Ela fica localizada na chamada vicinal Florestan Fernandes, Km 01, Bairro São Félix, como está na ação judicial proposta pelo próprio Conduru.

Para os invasores, se reconhece que é bairro, então o Conduru confirma que a propriedade está dentro da área urbana e desconfiguraria a competência da Vara Agrária para julgar o feito.

A entidade alegou na Justiça que a Conduru é uma área destinada à prática de atividade rural e ensino da educação no campo há cerca de 14 anos. A ocupação da propriedade ocorreu em 12 de abril de 2017. No depoimento dos responsáveis pelo projeto, a invasão ocasionou diversos prejuízos, tais como derrubada de árvores, danos a experimentos com milho e construção de barracos no local.

Outra alegação é de que na área do projeto foram feitas diversas benfeitorias e que a entidade já exercia atividades da educação no campo, prejudicando o desenvolvimento das mesmas.

Elinaldo da Conceição Silva, 36 anos, um dos líderes da ocupação do Conduru, alega que todas as famílias faziam parte do MST, que estava acampado na Fazenda Santa Tereza, onde passaram três anos, alegando que as pessoas que conduziram a invasão daquela propriedade não agiam de boa fé. Lembraram-se de que havia a área do Conduru na região do bairro São Félix, que estaria desocupada e sem utilização. “Viemos para cá porque sabíamos que seríamos despejados lá, como de fato as famílias que persistiram ali tiveram de sair”, relembra.

Em 2017, eles entraram na área do centro de formação, construíram casas, fizeram plantações e passaram a criar galinhas e peixes para comercialização. Na reforma agrária que promoveram entre si, cada família, segundo Elinaldo, ficou com uma área de 25 metros de frente por 50 metros de fundo. “Ali a gente morava, mas também produzia algumas culturas para nosso sustento”, alega.

O líder do movimento lamenta que a CPT (Comissão Pastoral da Terra) os tenha abandonado, assim como a Igreja Católica, que lavou a mão em relação a eles. Elinaldo questiona também a alegação dos responsáveis pelo Conduru de que o local funcionava como centro de formação para agricultores, uma vez que a sede que seria utilizada para essa finalidade teve as obras abandonadas há vários anos. “Lá só tem as paredes e nada mais. Quando chegamos ao local só havia mato da altura de uma pessoa”, diz.

Nesta terça-feira, a Reportagem do blog acompanhou o dilema das famílias despejadas. Na beira da estrada que dá acesso a vários balneários – como as praias do Espírito Santo, Sossego e do Amor – crianças jogavam futebol, outras corriam de uma barraca para outra, mulheres fritavam piabas para o almoço, num cardápio que incluía também arroz e cozidão para dar sustança para o povo.

“VAMOS VOLTAR”

Informalmente, Elinaldo afirma que o movimento vai voltar para o mesmo local, porque eles não têm para onde ir e deixaram para trás plantações que querem colher. “Vamos aguardar apenas a retirada do CME (Comando de Missões Especiais) da Polícia Militar esta semana. Vamos voltar e continuar nossa vida. Nossos filhos estudam aqui no São Félix e o acesso à escola é muito bom”, diz.

CPT FORA DO PROCESSO

Procurado pela Reportagem do blog, o advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Afonso, disse que estava em deslocamento entre cidades e explicou o seguinte por meio de rede social: “O MST, anos atrás, adquiriu um terreno no bairro São Félix. No local iniciou a construção de um centro de formação onde utilizava para reuniões com lideranças dos acampamentos e ocupações do movimento.

Por falta de recursos, o centro não foi concluído. No ano passado, um grupo de sem teto de São Félix ocupou a área. O MST solicitou que advogados da CPT entrassem com uma ação de reintegração de posse para o Movimento recuperar a propriedade. A intenção da CPT era mediar um acordo entre as famílias que estavam ocupando a área e o MST. Na audiência que o juiz da Vara Agraria marcou semanas atrás para discutir a situação.

Nesta audiência, a posição da CPT foi: Não fazer despejo, mas promover um acordo onde uma parte da área ficaria com as famílias que realmente tinham moradia no local e a outra parte com o MST para manter o centro de formação. A CPT deixou claro na audiência que se não tivesse acordo seus advogados sairiam do processo. Como não houve acordo entre o MST e os ocupantes, a CPT saiu do processo e quem assumiu sua responsabilidade foi outro advogado que não conheço”.

A Reportagem do blog também entrou em contato com o bispo da Diocese de Marabá, Dom Vital Corbellini, mas ele não respondeu as mensagens e nem atendeu a ligação telefônica.

Ulisses Pompeu – de Marabá