2023: o ano brilhante do escritor marabaense Airton Souza

Blog do Zé Dudu conversa com um dos mais aclamados escritores do sul e sudeste do Pará, que este ano ganhou 14 prêmios literários Brasil afora
O escritor Airton Souza teve um ano incrível e comemora os 14 prêmios que recebeu em 2023

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O ano de 2023 foi o mais especial para o marabaense Airton Souza. Se ele já era aclamado na poesia, este ano se consolidou na prosa, com a publicação do romance “Outono de Carne Estranha”, que ganhou notoriedade nacional depois que ele venceu o Prêmio Sesc de Literatura e foi lançado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que acontece anualmente no Rio de Janeiro.

Licenciado em História pela Uniasselvi, Souza é mestre em Letras pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e doutorando em Comunicação, Cultura e Amazônia na Universidade Federal do Pará (UFPA).

Atualmente, é o autor mais aclamado de Marabá e possui mais de 45 livros publicados, muitos dos quais para o público infantil. Tem percorrido escolas, municípios, divulgado seus livros, influenciando novas gerações e fortalecendo o gosto pela literatura. 

Leia a entrevista concedida por ele ao Blog do Zé Dudu.

Blog do Zé Dudu: O adolescente que começou a produzir poemas lá atrás ficaria surpreso com o sucesso que ele alcançou nacionalmente em 2023?

Airton Souza: Nós, seres humanos, somos movidos por muitas coisas, e pelo menos duas delas são preponderantes, que abarcam os nossos sonhos e as nossas esperanças, mas confesso que nem no mais remoto dos sonhos que eu tinha imaginei tudo isso acontecer. Por isso, o adolescente que começou a produzir poemas lá atrás ficaria muito espantado em ver seu nome publicado nos maiores jornais do país, na capa de um livro publicado pela grande Editora Record. 

O grande sonho daquele Airton adolescente, que há época, nem direito a ser chamado pelo próprio nome tinha, já que no bairro que morei por quase 20 anos ninguém me chamava por esse nome de Airton, e praticamente não me reconheciam por esse nome. Eu nutria o desejo apenas de ser reconhecido como escritor, um dia, em Marabá. 

O que já estaria de bom tamanho, para usarmos aqui uma expressão que aprendi com minha mãe para expressar feitos grandiosos. Estou praticamente no lugar que jamais imaginei estar, porque eu já tinha consciência que tinha ido longe demais com a literatura. Com pouco mais de 40 anos de idade já tinha publicado mais de 40 livros, vencido mais de 120 prêmios literários, ter chegado ao doutorado, em uma importante universidade pública na Amazônia, para mim já era praticamente o ápice, mas veio o Prêmio Sesc de Literatura para proporcionar em minha vida uma nova experiência com livro, a leitura e as literaturas. 

Uma experiência renovadora, que nem eu mesmo sei ainda aonde vai chegar toda essa experiência, porque o processo que abarca o Prêmio Sesc de Literatura só está começando. O circuito que o Sesc promove com os vencedores e vencedoras do prêmio é uma das maiores experiências de circulação literária desse país, porque os autores vencedores circulam por boa parte do Brasil para falar de suas experiências com a escrita, com a leitura, com os livros e as literaturas. E o circuito da edição dos 20 anos do Prêmio Sesc de Literatura ainda vai começar.

Qual foi seu primeiro livro e que repercussão ele teve à época?

Airton Souza: O primeiro livro na verdade foi um pequeno livreto grampeado, de poemas, impresso em um cyber, com 65 unidades, intitulado proposital rsrsrs. Esse livro é provavelmente um pastiche de muitas leituras que eu vinha fazendo de poetas que passei a admirar pela vida inteira, incluindo Drummond, Castro Alves e Manuel Bandeira, e dos primeiros espantos que fui tendo com a escrita. O livro teve esse título pelo simples motivo de que na época eu só podia escrever os poemas à noite, já que eu trabalhava o dia inteiro. Ele não teve praticamente nenhuma repercussão, assim como não teve quase nenhuma repercussão a maioria dos meus quase 50 livros publicados, uma boa parte publicado e lançado em pequenas tiragens, de no máximo 100 exemplares.

Cite todos os prêmios que você ganhou em 2023 e por que o Sesc é o de maior relevância.

Esse ano venci 14 prêmios literários, inclusive alguns deles em duas categorias diferentes. Em sequência foram estes os prêmios:

  • Prêmio Ecos de literatura em duas categorias, Melhor livro infantil e Melhor título, com o livro Receita para fabricar abraços;
  • 37° Prêmio Yoshio Takemoto na categoria poesia; 
  • Prêmio 50 + 50 Transamazônica e BR 163, com a novela juvenil Os dias dentro da saudade;
  • Prêmio Sesc de Literatura, com o romance Outono de carne estranha;
  • Prêmio Destaque Literário, Primeiro lugar com o livro Horóscopo de batizar brumas contra a solidão das asas, que venceu o Prêmio Cidade de Manaus 2022, e Terceiro lugar com o livro infantil Quem guarda as chuvas?; 
  • Prêmio Off Flip, terceiro lugar na categoria Poesia; 
  • Edital Paulo Gustavo, com o livro infantil Piracema; 
  • 5° Prêmio Afeigraf; 
  • 58° Femup; 
  • Prêmio VIP de Literatura 
  • Prêmio FCP de Ficção, com o romance O cheiro da carne de deus; 
  • Prêmio Fernando José karl;
  • 16° Concurso de Poesia de Ourinhos 
  • 6° Concurso de Contos de Ourinhos

Por vários motivos o Prêmio Sesc de Literatura é o de maior relevância, mas principalmente porque é a possibilidade de ter acesso e ser publicado por uma das maiores editoras do país, a Record. Ver o livro sendo distribuído nacionalmente, em quase todas as grandes livrarias e plataformas de vendas do país. Não é à toa que esse prêmio está entre os mais importantes do Brasil. 

Como escritor premiado, você viajou para várias cidades e estados este ano. Acredita que recebe a mesma valorização em sua cidade, Marabá?

Airton Souza: Aos poucos eu vou percebendo uma mudança nesse sentido da valorização local. Mas, é assim mesmo, tudo o que acontece na área do livro e da leitura é lento. Soma-se a isso muitos fatores, inclusive o de ser lido, para que as pessoas possam atribuir valores ao que você escreve. Sem isso, como ganhar reconhecimento? É difícil. Mas, de vez em quando eu sou reconhecido em supermercados, nas ruas, nas praças, isso é parte desse reconhecimento.

Acredito que com a criação de uma política pública mais efetiva esse cenário mudaria ainda mais, e para melhor. Veja por exemplo, venci esse ano um dos prêmios mais importantes do país, não recebi por isso nenhum tipo de reconhecimento público dos órgãos públicos da cidade, da Câmara, da Secult, da Prefeitura, da Biblioteca Municipal, e isso não é uma reclamação, porque eu não preciso disso, mas é só para constatar o quanto ainda parece muito pouco o que a gente vem fazendo para mostrar o quanto Marabá é uma cidade de artistas bons. O quanto a cidade tem manifestações artísticas potentes. 

Mas, eu torço agora para que pelo menos as prefeituras de Marabá, Eldorado dos Carajás e a de Curionópolis possam minimamente comprar pelo menos uns mil exemplares cada de Outono de Carne Estranha para disponibilizá-lo em suas bibliotecas e escolas públicas, para que um pouco da história de nossa região possa ser lida. Apesar de ter pouca ou quase nenhuma esperança que isso de fato aconteça. O que seria um sonho.

Você já era aclamado pela poesia que produzia, mas a prosa acabou lhe dando a notoriedade que não imaginava. Quanto Outono de Carne Estranha é responsável por esse novo status?

Airton Souza: O romance Outono de Carne Estranha é, antes de tudo, um livro corajoso, por vários aspectos, principalmente pelo aspecto que envolve a denúncia sobre uma pequena parte das atrocidades que aconteceram na região sudeste do Pará. Atrocidades que envolvem o Estado brasileiro, como parte de um aporte que cometeu crimes horrendos, e que ninguém foi punido por isso até hoje. Mas, para além disso, esse livro vem abrindo portas que eu já imaginava estarem fechadas para mim. 

O exemplo mais claro disso envolve as leituras dele, que inclusive tem a primeira edição praticamente esgotada em menos de um mês de seu lançamento, o que é um marco, e agora em menos de dois meses já estar prestes a chegar a terceira edição, isso porque recebi a informação da editora que a segunda edição estava quase esgotada. 

Além disso, o livro me possibilitou a participar de festivais e feiras de livros importantes, entre os quais a Fliaraxá, em Minas Gerais, a convite do escritor Afonso Borges, em um mesa com dois escritores brasileiros renomados que são o Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório; participei da PanAmazônica, em Belém do Pará, em uma mesa mediada pela escritora e ganhadora do Prêmio Jabuti Monique Malcher e o escritor Fábio Horário Castro vencedor do Prêmio Sesc de Literatura em 2021, e mais recentemente participei da Flip, uma das mais importantes festas literárias do país, em três importantes mesas, inclusive uma na Casa Record com o escritor Eurico Cabral, autor do romance Guaporé , e mediada pelo editor da Record Luca Telles. 

Em 2024, ainda por conta do Prêmio Sesc de Literatura e de Outono de Carne Estranha, estarei participando de um circuito por quase todo o Brasil, na condição de escritor vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, juntamente com Bethânia Pires Amaro, a escritora vencedora na categoria conto, com o belíssimo livro O ninho. 

Então, é preciso dizer que o Outono de Carne Estranha tem feito por mim e pela minha literatura o que venho lutando para acontecer desde outubro de 2000, quando vi pela primeira vez um poema meu publicado no extinto Jornal Opinião, e depois com muitos poemas e textos publicados na Coluna Piracaba, no Jornal Correio de Carajás, com o intermédio dos jornalistas Ulisses Pompeu, Patrick Roberto e Éderson Oliveira. Essas publicações foram me fazendo acreditar que eu poderia chegar a qualquer lugar com a minha poesia. Acreditar que a palavra pode tudo.

Seus trabalhos já estão sendo apreciados nas escolas, entre leitores comuns e, também, analisados nas universidades. Isso representa mais responsabilidade sob os ombros do escritor?

Airton Souza: Na verdade, eu sempre levei a literatura muito a sério, por isso, mesmo me tornando um leitor tardiamente, por conta de minha condição de pobre, eu tentei nesses últimos 15 anos correr atrás desse tempo perdido a qual eu não tive a oportunidade de ler. Mas, confesso que foi nesses últimos três anos que eu passei a refletir sobre essa responsabilidade de ser escritor. 

Apesar de ter publicado muito e ter sempre levado isso muito a sério desde o início, eu escrevi sem esse compromisso de me preocupar em ser um escritor, é como eu sempre dizia, escrevia primeiro para mim, apesar de continuar fazendo isso até hoje, só que agora com os olhos voltados para os outros. Mas, diante de tudo o que aconteceu comigo, com os meus livros, com a literatura que tenho escrito, essa responsabilidade de ser um escritor só veio acontecer comigo muito recentemente. 

E que bom que isso veio acontecer tardiamente também, pelo menos serviu de aprendizagem a jornada de 23 anos dedicados diariamente às literaturas, seja na condição de escritor, seja na condição de leitor e pesquisador. Uma aprendizagem que não cessa. E a responsabilidade de ser um escritor nessas condições que você cita está justamente nesse processo de aprendizagem.

Marabá tem um número bem representativo de escritores e até mesmo um Sarau mensal que fortalece o trabalho individual. O que falta para que as novas gerações de escritores sejam motivadas a produzir e divulgar seus trabalhos?

Airton Souza: Falta o que sempre faltou em todo esse país um projeto de formação sério e comprometido que envolva a leitura e a escrita. E a criação de mecanismos que facilitem a circulação do livro. Publicar hoje no Brasil é, digamos, mais fácil do que era na década de 1990 e início dos anos 2000, para citar um tempo que conheço mais perto, mas isso não significa que seja compreendido como movimento motivacional, pelo contrário, falta fazer com que esses livros circulem para além de um pequeno círculo de amizade. Então, é preciso que o poder público contribua nesse processo, porque a maioria das pessoas que escreve no Brasil não têm condições de publicar e de trabalhar arduamente para fazer com que o seu livro seja lido. Parece contraditório com o que eu começo afirmando, não é mesmo? 

Mas, não é. Publicar pode ser relativamente fácil, principalmente porque hoje muitas editoras independentes realizam chamadas públicas para publicações, há também o processo de publicação independente em que o escritor ou escritora banca a publicação do livro, com pequenas tiragens, mas uma das coisas mais difíceis é fazer com que o livro encontre o público, que ele circule. Por isso, o poder público de cada cidade deveria criar um programa de aquisição de livros dos escritores e escritoras locais, o que seria revolucionário.

A internet avança e as redes sociais atraem pessoas de todas as idades, aumentando a distância para os livros físicos, impressos. Na sua opinião, é possível reverter esse cenário tão delicado?

Airton Souza: Sempre é possível reverter qualquer cenário, principalmente do que envolve direta e indiretamente o livro, a leitura e as literaturas. Há dois possíveis caminhos para isso, penso eu, o primeiro deles é a criação de uma política pública séria em torno do livro e da leitura, uma política efetiva e afetiva, com investimentos que envolvam as bibliotecas públicas e comunitárias, por exemplo, com projetos de formação de leitores e de incentivo aos escritores e escritoras. Não adianta uma cidade como Marabá criar uma lei específica como a Lei Eduardo Castro, e não fazer com que a lei seja de fato efetivada. 

Veja o meu caso, estou com quase 50 livros publicados e parte dos meus livros que estão disponíveis os acervos das bibliotecas e salas de leituras de Marabá foram doações que fiz. Isso é o reflexo de uma falta de política pública mais efetiva, inclusive com um programa de aquisição dos livros das escritoras e escritores da cidade. 

A Lei Eduardo Castro traz essa prerrogativa da aquisição, mas pergunte aos órgãos públicos ligados ao livro e a leitura quantos exemplares de livros dos escritores e escritoras locais foram adquiridos desde que a lei foi sancionada. Mas, voltando a questão, a outra possibilidade é nos apropriarmos da internet, das redes sociais para falarmos de livros, ler trechos de livros, poemas, contos, crônicas, potencializando o uso das mídias para que elas possam ser aliadas ao processo de formação de público leitor, e isso já vem acontecendo no país.