Se o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo enviado pela equipe econômica do governo Jair Bolsonaro ao Congresso condicionasse a existência de municípios à arrecadação de — só, e somente só — pelo menos 10% de impostos e receita própria no total da receita, sem levar em conta o critério populacional, uma de cada sete cidades paraenses sumiriam do mapa. Ou, no mínimo, teriam de viver sob dependência administrativa de outras.
Isso mesmo: 70% dos municípios paraenses hoje não conseguiriam sobreviver não fossem as transferências constitucionais, que respondem por mais de 90% das finanças na maioria delas. As informações foram levantadas com exclusividade pelo Blog do Zé Dudu, que analisou o faturamento consolidado de 117 prefeituras do Pará que entregaram as contas do 4º bimestre de 2019 à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). [Veja a lista, por ordem de dependência, ao final do texto.]
Pela proposta do governo, municípios com até 5.000 habitantes que não comprovarem, até 30 de junho de 2023, que arrecadam ao menos 10% em receitas próprias serão extintos e incorporados aos vizinhos. Por esse critério, no cenário atual, apenas Bannach sumiria do mapa.
O Blog levantou que, este ano, a receita corrente acumulada em 12 meses em Bannach totalizou R$ 20,65 milhões, sendo que R$ 19,98 milhões são provenientes de transferências. Na prática, a dependência local de recursos externos é de 96,76%, o que o torna um candidato fortíssimo a virar povoado de outro município com melhor capacidade financeira, como seu vizinho Redenção, o mais importante do sul do Pará e com o qual Bannach faz limite.
Mas, do ponto de vista fiscal, a situação de Bannach está longe de ser a pior do estado. O Blog levantou que 81 prefeituras, das 117 que informaram dados à STN este ano, estão com a corda no pescoço. Vinte delas, aliás, dependem de recursos externos proporcionalmente até mais que Bannach.
As situações mais críticas são as dos municípios de Aveiro (99,02%, Tracuateua (99,04%) e Gurupá (99,32%), todos com população variando entre 15 mil e 35 mil habitantes. Em Gurupá, onde quase todo o dinheiro advém de transferências dos governos federal e estadual, a despesa com pessoal consome em torno de 84% do dinheiro que entra, muito acima do que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo a qual a folha de pagamento não pode comprometer mais de 54% da receita líquida das prefeituras.
Além disso, Gurupá — que já teve diversas vezes sua situação explorada pelo Blog do Zé Dudu aqui e aqui — apresenta o maior rombo nas contas entre os municípios. Não por acaso, detém índice de pobreza alarmante e oferece a sua população um dos piores indicadores oficiais de qualidade de vida do país.
Além dos municípios pequenos e anônimos, a relação de nomes em dependência crítica não poupa sequer lugares ricos (com arrecadação robusta) e famosos. O principal deles é Tucuruí, cuja receita corrente anual alcança R$ 320,29 milhões, mas R$ 293,27 milhões saem das costas da União e do Governo do Pará. O volume de arrecadação própria de Tucuruí não pagaria servidores sequer durante três meses. Lá, 91,56% de tudo o que entra em arrecadação vêm de fora.
As prefeituras de Abaetetuba (93,69%), Cametá (94,34%), São Félix do Xingu (92,46%), Bragança (91,16%), Novo Repartimento (93,04%) e Moju (95,21%), em todas as quais a receita corrente supera os R$ 150 milhões, também fazem parte do grupo extremamente dependente de recursos externos.
Luz vermelha
O Blog identificou outro filão de municípios onde as receitas próprias correspondem entre 10,01% e 20%, mas cujos representantes avançam para entrar no grupo dos extremamente dependentes. Desse grupo fazem parte praças financeiras poderosíssimas do Pará, algumas delas com grau elevado de recursos externos, como Parauapebas e Canaã dos Carajás, que fazem do dinheiro da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), transferida pela União, o ganha-pão.
Em Parauapebas, a dependência financeira alcança 85,7% das receitas, enquanto em Canaã chega a 87,27%. Nesse grupo, o caso de Parauapebas é, sem dúvidas, o mais crítico, uma vez que, dos R$ 1,5 bilhão arrecadados em receitas correntes entre setembro de 2018 e agosto de 2019, R$ 1,285 bilhão saíram de transferências. O que sobra, aproximadamente R$ 215 milhões em receitas próprias, é notadamente insuficiente para pagar metade da atual despesa com pessoal da administração local, de quase R$ 527 milhões.
Além de Parauapebas e Canaã, outras importantes praças financeiras paraenses estão no grupo que tende a depender cada vez mais de recursos transferidos de outros entes. É o caso de Santarém (84,09%), Castanhal (83,42%), Altamira (82,29%), Itaituba (80,78%) e Marituba (89%). Esses municípios, no entanto, têm aumentado consideravelmente o faturamento próprio.
Tranquilidade
Apenas oito prefeituras apresentam bons indicadores de independência fiscal, com geração de caixa localmente superior a 20% da receita corrente: Tucumã, Redenção, Paragominas, São Geraldo do Araguaia, Ananindeua, Marabá, Barcarena e Belém. A maior parte desses municípios tem no setor agropecuário o sustentáculo da economia local e consegue traduzir os números do agronegócio em finanças locais.
Entre os oito, Belém é o mais independente. Mesmo num cenário de crise extrema, com encerramento de repasses constitucionais, a capital paraense conseguiria gerar R$ 1,22 bilhão em receitas próprias. É o correspondente a 40% de toda a sua arrecadação anual — ou seja, 60% da receita de Belém vêm de transferências. Em segundo lugar, está Barcarena, que depende em 68,66%, e em terceiro, Marabá, onde as transferências ocupam 70,18%.
A Prefeitura de Marabá, depois da de Belém, é a que tem a maior capacidade absoluta de gerar caixa próprio, na ordem de R$ 283,62 milhões. É, também, a que possui a melhor capacidade “elástica” de se moldar a uma brusca queda de receitas, uma vez que a receita própria corresponde a 75% da atual folha de pagamento. Em Parauapebas, a título de comparação, a receita própria representa míseros 40% do valor da folha, o que pode acarretar transtornos no futuro em cenário de eventual perda de receitas advindas da mineração.
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