Estranho, muito estranho. Mesmo que não esperassem uma reação tão dura, o que o "tráfico" do Rio tinha a ganhar com os atentados que desencadearam a repressão inédita? Protesto contra a ação das UPPs nos morros ou simples e bravateira demonstração de força – nada disso esconde que o que fizeram foi ruim para eles e pior para os seus negócios. Se o que queriam era justamente levar a afronta a um ponto que forçasse uma reação na mesma medida, o mistério aumenta. Pra quê?
As teorias conspiratórias têm sempre uma fraqueza: pressupõem uma inteligência ou um poder de dissimulação irreal dos conspiradores. Qualquer conjetura sobre o que está por trás dessa guerra, ou sobre quem aproveita o seu acirramento, acaba sendo uma especulação sobre o improvável, quando não uma fantasia. Mas o fato é que ela desafia muitas lógicas, a começar pela lógica básica do capitalismo que é a primazia do lucro em qualquer circunstância. O crime organizado não parece tão organizado assim, se é responsável por tamanha gafe em termos de relações públicas. Acima dos estragos que está causando na vida de tanta gente, a guerra está abalando o mercado. Lucros cessantes é o maior terror de qualquer empreendimento. Pode-se imaginar que os lucros do "tráfico", pelo menos por um tempo, cessarão ou diminuirão. A droga sendo apreendida nos morros é principalmente maconha, que segundo alguns nem droga é. Pode-se supor que o comércio de maconha seja a principal atividade desse exército maltrapilho e bem armado, hoje acuado, que vende para a sua própria classe, e que cocaína e etc. circulem em outros esquemas, mais sofisticados e discretos. Mas todo o mercado foi afetado pela gafe.
O Brasil, como se sabe, é uma país de corruptos sem corruptores. Pelo menos até hoje nenhuma grande empreiteira ou coisa parecida teve que responder por atos de corrupção em que participou como compradora de favores. O mercado de drogas é parecido, um estranho, muito estranho, mercado só de fornecedores. Dos consumidores nunca se ouve falar. Mas, presumivelmente, eles também sofrerão com a gafe. Pelo menos por um tempo.
Fonte: O Estado de São Paulo
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2 comentários em “A gafe: Luis Fernando Veríssimo”
Muito bom esse testo do Luis Fernando Veríssimo ( Como todos que ele cria),
Interessante ele trazer a tona as teorias conspiratórias, quem conhece vê que realmente tem algumas de errado nisso tudo que está acontecendo no Rio
Obrigado Zé Dudu por nos trazer mais esta esplêndida obra do Luis Fernando Veríssimo