O ano era 1777, e o Sr. James Watt, fabricante londrino de equipamentos, apresenta em Bloomfield Colliery, sua máquina a vapor, um projeto aperfeiçoado do motor a vapor introduzido 65 anos antes por Thomas Newcomen.
A máquina a vapor de Watt foi um sucesso, pois se apresentou como um avanço em relação às existentes até então – além de mais capacidade de força, o projeto diminuía consideravelmente o tempo para aquecimento. Seu impacto positivo na indústria inglesa foi rápido, tanto que apenas 23 anos após sua apresentação inicial, o aparato estava em franco uso em 30 minas de carvão, 22 minas de cobre, 28 fundições, 17 cervejarias e 8 usinas de algodão (LORD, 1923).
Assim, teve-se o marco da Primeira Revolução Industrial, que modificou o mundo de maneira extraordinária, tanto econômica, como politicamente. Os processos fabris ganharam escala, e, por conseguinte, reduziram custos das mercadorias, viabilizando seu acesso para mais pessoas e gerando maiores mercados consumidores e fluxos de capitais por todo o globo, de uma forma nunca antes testemunhada.
O artesão, até então a base de produção de muitos dos itens consumidos pelas populações, tornou-se operário, criando a base do proletariado, o que, por sua vez, revolucionou as relações entre capital e trabalho. Notam-se diversas mudanças advindas da máquina de Watt: acúmulo de capitais, criação de mercados consumidores e proletariado, alteração em traços culturais com a utilização de novos utensílios e bens de consumo.
Uma segunda onda era inevitável para o movimento revolucionário em curso desde 1777. Ela se deu em diversas fases entre 1850 até o fim da Segunda Guerra Mundial, em um movimento com vários marcos, os quais destaco: (i) o uso industrial da eletricidade; (ii) a administração científica da produção; (iii) a logística para transporte de larga escala e (iv) o barateamento do aço.
Os estudos de Nikola Tesla, Thomas Edison e George Westinghouse possibilitaram avanços no campo do uso da energia elétrica, capazes de viabilizar seu uso industrial ao substituir, em várias aplicações, as grandes máquinas a vapor por motores elétricos menores e mais versáteis. Além disso, a iluminação pública e o surgimento de eletrodomésticos de melhor qualidade e menor custo possibilitaram novos costumes das populações, criando mais uma onda de consumo e aparelhamento da sociedade.
Em 1911, o livro “Os Princípios da Administração Científica” é publicado. Nele, são lançadas as bases para administração da produção através de métodos científicos cartesianos, com foco em eficiência e eficácia operacional. Seu autor – que fazia seu curso superior à noite e durante o dia trabalhava como operário –, o estadunidense Frederick Taylor, levou a uma verdadeira revolução nas fábricas, introduzindo os seguintes conceitos:
- Planejamento, direção e controle realizado pelos gestores e execução pelos operários;
- Capacitação aos operários com base nas funções que os mesmos deveriam exercer na linha de produção;
- Estudos de tempos e movimentos, para elevação da produtividade operacional;
- Propôs a supervisão funcional das equipes de produção;
- Articulou um sistema de remuneração associada à quantidade produzida e comercializada dos produtos, gerando correlação entre a remuneração dos operários com os resultados das companhias.
Taylor, um engenheiro mecânico que com sua sensibilidade de quem fora por muitos anos operário no chão de fábrica, e filho de mãe abolicionista, oportunizou diversos avanços para a indústria, e contribuiu para a sua época com relevante visão de equilíbrio para a relação capital x trabalho.
Outro marco para a administração científica da produção se deu em 1908, com o lançamento do Ford T, um automóvel simples de dirigir e de manutenção fácil e barata, em relação aos concorrentes da época. O produto foi um sucesso! Seu idealizador, o empresário Henry Ford, se viu pressionado a elevar sua produção para maiores patamares a cada ano, tanto que, em 1913, introduziu em sua fábrica o conceito de montagem em esteiras em movimento e a aplicação da linha de montagem em massa. A produção do Ford T bateu recordes e, três anos após a implantação das esteiras de montagem, chegou a 472.000 unidades, algo impressionante para o início do século XX.
Aliada aos movimentos já citados, percebe-se uma elevação na infraestrutura logística dos países centrais, com a criação e ampliação de portos e o surgimento de ferrovias e navios mais velozes, de maior capacidade. Isso encurtou distâncias e o tempo do escoamento da produção para os mercados consumidores, gerando uma diferença competitiva inigualável em relação aos períodos anteriores.
Outro importante marco da Segunda Revolução Industrial, que muitas vezes passa despercebido, repousa nos avanços na indústria siderúrgica, como o forno Siemens-Martin e o processo de Bessemer, que possibilitaram a redução dos custos de produção do aço, viabilizando o avanço em infraestrutura dos países centrais.
Com o fim da traumatizante Segunda Guerra Mundial, a paz e a reconstrução da Europa e Japão, aliada aos avanços tecnológicos oriundos do esforço de guerra, fez surgir um novo mundo. A Terceira Revolução Industrial representa este movimento, tendo dois semicondutores fundamentais para isto: o germânio e o silício. Estes semicondutores possibilitaram a criação do “circuito integrado” presente em microchips, pequenos cartões onde era possível a combinação de componentes específicos, como diodos, transistores, etc.
Os circuitos integrados foram a base para o surgimento de computadores menores e mais rápidos, além de impulsionar a eletrônica, gerando uma revolução na produção e seus custos. Nas indústrias, o impacto foi rapidamente percebido, com a elevação da produtividade no trabalho e uma dinâmica muito mais eficaz na captura, processamento e transmissão de dados, elevando assim a capacidade de controle dos processos e oportunizando a implantação da automação industrial em diversos setores.
Também houve um impressionante avanço em serviço. Singer (1996) aponta que houve a substituição do trabalho humano pela introdução do computador e a difusão do autosserviço, compreendido pela crescente transferência de uma série de operações, antes desempenhadas pelos colaboradores que atendem ao público, para o próprio usuário. Basta ver os serviços bancários da década de 1960 comparados aos do início do século XXI – o protagonismo do cliente foi elevado, fazendo com que as operações “face a face” com um funcionário do banco reduzissem drasticamente.
Esta revisão histórica visa posicionar o leitor como uma contextualização da Quarta Revolução Industrial em curso no mundo, a qual recebeu pelos alemães o nome de “Indústria 4.0”.
As revoluções industriais são movimentos de continuidade daquela apresentação de 1777 em Bloomfield Colliery. O homem e as máquinas estabeleceram uma relação extremamente produtiva para as operações fabris e de serviços, e por conseguinte, para o capital, havendo lacunas a serem solucionadas em questões sociais e renda do proletariado – mas esta discussão deixaremos para outro momento. Aqui seremos pragmáticos com a tecnologia, indicando traços da Quarta Revolução que já mudaram, ou mudarão, os métodos utilizados na gestão da manutenção.
A Indústria 4.0 dificilmente pode ser resumida em poucas palavras chaves. Arrisco a dizer que o termo mais próximo para este resumo seria a “Produção Inteligente”, ou smart factories (fábricas inteligentes), onde as indústrias possuem sistemas ciberfísicos totalmente integrados (interoperabilidade), com capacidade de resposta imediata diante de alterações da demanda.
A construção de um ambiente não é fácil e barata, e envolve diversos fatores. Por exemplo, uma produção inteligente acarreta na necessidade de máquinas inteligentes, que têm a capacidade de armazenar e processar uma quantidade imensa de dados. Além disso, faz-se necessária a transmissão destes dados, bem como o recebimento de outros tantos advindos de outras máquinas inteligentes, gerando assim um ambiente de “conversa” e “aprendizado” entre elas, possibilitando a execução da dinâmica da produção.
Para a concretização desta “conversa” e “aprendizado”, que consiste em um ambiente de interoperabilidade dos equipamentos, repousam fatores como: (i) Machine Learning; (ii) Big Data e (iii) Internet das Coisas – IoT.
O chamado Machine Learning representa esse ambiente de aprendizado e conversa entre máquinas, onde os algoritmos aprendem ao tratar os dados recebidos, identificar padrões e, assim, tomar decisões autônomas, sem a necessidade de um ser humano para o processo.
A massa de dados a serem processados em um ambiente tecnológico avançado é colossal. Algumas estimativas apontam que o armazenamento de dados em 2020 encontra-se na casa de 1.450 Exabytes, e que em 2021 ultrapassará os 2.300 Exabytes. Para o leitor ter ideia, 1 Megabyte remete ao múltiplo 106, já um Exabyte equivale a 1018, o que gera uma demanda nunca antes observada de armazenamento.
Desta necessidade surge o tema Big Data, que consiste neste universo de informações armazenadas e como acessá-las de forma segura e ágil. Surge o conceito de “Cloud”, que significa o armazenamento em nuvem, ou seja, em servidores espalhados pelo mundo, que gerenciam inteligentemente o compartilhamento e local físico dos dados, de forma a mantê-los a cada dia em uma configuração mais vantajosa sob o olhar da capacidade de armazenamento.
Já o conceito de Internet das Coisas advém da necessidade de interoperabilidade entre máquinas, a qual, para ser possível, faz-se necessária a comunicação através da rede mundial de comunicação (internet). Atualmente, a computação e eletrônica embarcada nos ativos físicos é intensa, o que possibilita a total conectividade dos mais simples equipamentos, como relógio ou geladeira, até equipamentos de produção mais robustos, como caminhões fora de estrada para transporte de minério, com capacidades acima de 400 toneladas de movimentação.
Esta demanda de conectividade pressiona os canais de transmissão de dados. Não à toa se caminha para a chamada “Internet 5G”, que consiste em uma geração avançada para circulação de informações, sem a qual os projetos de Indústria 4.0 estarão comprometidos. Sem ela, dificilmente existirão condições físicas para o trânsito de dados que permitirão a interoperabilidade entre dispositivos, que possibilitarão a existência de aplicativos e instrumentação para a base do surgimento das fábricas, cidades e casas inteligentes, enfim. Quem tiver a rede 5G em seu país obterá uma vantagem competitiva aos moldes que a máquina de Watt oportunizou à Inglaterra em 1777.
Além dos fatores discutidos até aqui, a Indústria 4.0, demanda outras questões, como a segurança cibernética, visto que a facilidade em transmissão de dados abre margem para os desvios destas informações para fins distintos do projetado, muitas vezes com objetivos ilícitos.
E a produção e manutenção? Como a indústria 4.0 irá influenciar?
A influência será profunda, a começar pelo tipo de ativo físico a ser utilizado na produção – de maior nível tecnológico, com uma forte eletrônica embarcada, e dono de elementos para sua conectividade, como antenas, transmissores, processadores, etc.
Estudos estimam variados impactos da Indústria 4.0 nos resultados. Como a McKinsey (2015), ao indicar que, até 2025, os processos relacionados à Quarta Revolução Industrial poderão reduzir custos de manutenção de equipamentos entre 10% e 40%, reduzir o consumo de energia entre 10% e 20% e aumentar a eficiência do trabalho entre 10% e 25%.
A mudança do perfil dos equipamentos irá pressionar o perfil do operador e mantenedor, exigindo um quadro mais capacitado em temas como programação, eletrônica, informática, instrumentação, telecomunicações e mecânica de precisão. Diante destas mudanças, algumas técnicas também advindas deste universo 4.0 favorecerão os trabalhos das equipes de execução da manutenção e operação, como a visão artificial, a realidade aumentada e a simulação avançada.
Através da visão artificial, será possível um mantenedor ou operador seguir o passo a passo de um procedimento durante a execução de uma atividade, por meio de um tablete ou mesmo celular. A realidade aumentada oportunizará às equipes acesso a modelos em 3D dos equipamentos ou plantas a serem mantidas, favorecendo seu entendimento, planejamento e preparação das tarefas. Já a simulação avançada dará as condições para a verificação de diversos cenários possíveis em uma manutenção de alto risco, possibilitando a elaboração de planejamentos com contingências customizadas para cada situação.
Em termos de inspeção nas plantas e ativos físicos, a Indústria 4.0 influenciará, através da aplicação dos conceitos de Machine Learning, desembocando na criação de modelos de predição e prognóstico do comportamento dos ativos, e oportunizando uma maior previsibilidade para manutenção preventiva condicional (MPC).
O monitoramento das condições dos ativos e dos processos também evoluem a passos largos. Com uma instrumentação de sensores mais simples e versátil, bem como a conectividade da IoT, pode-se monitorar de forma on-line, utilizando técnicas não destrutíveis como ultrassom e termografia, na mesma intensidade da utilização nas décadas de 2000 e 2010, que foi vista na análise de vibrações. As informações geradas por esta base de instrumentação, associada ao conceito de Machine Learning, possibilitará o diagnóstico prévio de falhas, não quando a anomalia se apresenta como defeito, mas antes disto, operando-se no campo da probabilidade do seu acontecimento.
Outras questões práticas também serão impactadas positivamente com a manutenção 4.0, como o uso de acessos e visibilidade remota com base em drones, que permitirão inspeções em locais de difícil acesso, escaneamentos de fragilidades em tubulações e vasos de pressão, e apoio nas atividades preparatórias para garantia da segurança no trabalho, como a definição de perímetros de acesso mais adequados e seguros.
A manutenção será outra em dez ou vinte anos, mas deve-se observar que os investimentos em Indústria 4.0 são altos, e muitas empresas não terão caixa para tanto. Daí, a pressão para elevar produtividade e reduzir custo com os ativos e programas que se tem se elevará, injetando mais pressão sobre os resultados. A manutenção precisa estar preparada para tanto, e isto, antes de passar pela Indústria 4.0, passa por investir em um sistema de gestão capaz de organizar e processar satisfatoriamente as atividades interconectadas da gestão da manutenção.
Não adianta se falar em manutenção 4.0, se o sistema de gestão estiver no nível 1.0 ou 2.0, ou seja, no século XIX ou XX. A gestão da manutenção, para usufruir, ou melhor, sobreviver a nova revolução industrial, deve ter uma maturidade avançada – áreas em níveis de “Inocência” ou “Construção” de maturidade dificilmente assimilarão conceitos e técnicas de Indústria 4.0, e o pior, serão incapazes de suportar as operações neste universo.
REFERÊNCIAS
LORD, C. J., “Capital and Steam Power, 1750 – 1800”. P. S. King and Son, Londres, p. 175, 1923.
VIANA, H. R. G., “Manual de Gestão da Manutenção – Volume 2”, Editora Engeteles, Brasília, 2021.
Por Herbert Viana
Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também possui especialização em Tecnologia Mineral pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Gestão Empresarial pela PUC de Campinas – SP (PUCCAMP).