Brasília – Em ano de eleições municipais, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STJ) julgou matérias de impacto nas eleições municipais de 2020. Os ministros julgaram na semana passada seis ações que envolvem Direito Eleitoral e partidos políticos – algumas delas com alteração das regras das eleições municipais deste ano. Um dos processos pode impactou, inclusive, a criação do Aliança Pelo Brasil, novo partido do presidente Jair Bolsonaro.
No julgamento de dois dias quatro grandes temas entraram na pauta: o primeiro deles, alvo de três ações, é o cálculo do quociente eleitoral para eleição de vereadores, deputados e senadores para as cadeiras não preenchidas. O segundo grande tema é a possibilidade da convocação de novas eleições quando o candidato vencedor, em eleições majoritárias, for declarado inelegível devido a uma condenação na Justiça. Além disso, o STF decidiu também a partir de quando começa a contar o prazo de oito anos de inelegibilidade para membros do Legislativo.
O Quociente eleitoral de votação individual ganhou força com decisão do STF que reforçou a constitucionalidade do limite mínimo de votação individual de 10% do quociente eleitoral para preenchimento das vagas nas eleições proporcionais. A decisão foi unânime em julgamento recente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5920, que questionava dispositivo da Minirreforma Eleitoral (Lei 13.165/2015).
A Corte Suprema declarou a constitucionalidade do artigo 4º da Lei 13.165/2015 na parte que deu nova redação ao artigo 108 da Lei 4.737/1965 (Código Eleitoral). O relator, ministro Luiz Fux, afirmou que o objetivo da medida é evitar que o puxador de votos no pleito para deputado ou vereador eleja candidatos que não têm a mesma experiência de outros, que foram votados pelo seu preparo para a vida política.
Fux também ressaltou que nas eleições de 2018 a aplicação desse dispositivo impediu a eleição de oito candidatos a deputado federal, que, juntos, somaram 171 mil votos. Por sua vez, os candidatos eleitos que se beneficiaram somaram seis vezes mais (609 mil votos). E considerou que o Legislativo fez sua parte: “Foi uma escolha razoável do legislador”, destacou.
O partido que questionou a lei, o Patriotas, autor da ação, defendia que a cláusula de desempenho individual distorce o sistema proporcional e traz dificuldade de representação de determinados grupos. “Os candidatos não trabalharão para o voto para o partido, mas sim de forma individualizada, perdendo a unidade que se deve ter num partido. A votação mediana de alguns partidos acaba não sendo considerada para a conquista de uma cadeira”, dissertou o Partido em sua alegação.
A mudança no Código Eleitoral, aprovada pelo Congresso na reforma eleitoral, foi um tema que provocou polêmica por estipular uma espécie de “nota de corte”, diferente em cada cidade, para um candidato a vereador se eleger. Pela regra, os candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador necessitarão obter, individualmente, um total de votos de pelo menos 10% do quociente eleitoral, que é calculado dividindo-se o número de votos válidos da eleição (sem brancos e nulos) pelo número de cadeiras disponíveis na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa ou na Câmara Municipal.
A principal mudança foi a de retirar a força dos chamados “puxadores” de voto, candidatos que, sozinhos, têm grande votação e acabam garantindo ao partido (ou coligação) outras vagas além da sua própria. Vamos aguardar os reflexos nas eleições municipais, uma vez que a coligação para proporcionais, ou seja, para o cargo de vereadores, deputados estaduais e federais, a partir dessa eleição está proibida.
Troca de partidos: Entenda como funciona a Janela Partidária para as Eleições 2020
Está aberto o período da janela partidária: vereadores que pretendem concorrer à reeleição na disputa deste ano podem trocar de partido sem punições. Até 2007, o “troca-troca partidário” podia ocorrer em qualquer momento do mandato. Agora os parlamentares precisam seguir algumas regras. Saiba o que é e como foi instituída a janela partidária:
O que é a janela partidária?
É o período no qual vereadores que pretendem concorrer à reeleição ou ao cargo de prefeito nas eleições de 2020 podem mudar de partido sem correr o risco de perder o mandato.
A janela partidária só vale para vereadores, que são eleitos pelo voto proporcional. Diferentemente dos prefeitos, que se elegem por votação majoritária – ou seja, vence o candidato mais votado -, vereadores dependem do quociente eleitoral. Na prática, é como se o mandato pertencesse ao partido, e não ao vereador, já que é a junção dos votos recebidos por todos os candidatos da sigla que determina a distribuição das cadeiras.
Dessa forma, ao longo do mandato, vereadores não podem trocar de partido sem justa causa, sob pena de deixar o cargo. A janela partidária é o único período em que essa troca é permitida sem justificativa. Ela é aberta em anos eleitorais.
Decisões do STF
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu parcialmente liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5420 para suspender a eficácia da expressão “número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do artigo 107”, constante do inciso I do artigo 109 do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), mantido, nesta parte, o critério de cálculo vigente antes da edição da Lei 13.165/2015.
O tema da ADI, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é a distribuição das vagas remanescentes no sistema de representação proporcional (eleição para deputados e vereadores). Esta decisão liminar será submetida a referendo do Plenário.
O ministro Dias Toffoli considerou que a nova sistemática de cálculo para a distribuição das vagas remanescentes, adotada pela Lei 13.165/2015, que alterou o Código Eleitoral, viola a Constituição Federal. “Com efeito, uma alteração sutil realizada na redação do inciso I do artigo 109 do Código Eleitoral acabou por acarretar consequência que praticamente desnatura o sistema proporcional no cálculo das sobras eleitorais”, afirmou.
Criação e fusão de partidos políticos
O Plenário do STF indeferiu liminar na ADI 5311 e manteve regras sobre criação e fusão de partidos políticos inseridas pela Lei 13.107/2015. Os ministros seguiram, por maioria, o voto da relatora da ação, ministra Cármen Lúcia.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Partido Republicano da Ordem Social (PROS), que pretendia a suspensão de dois dispositivos da Lei 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos): um que impede a contabilização, para fins de criação de partidos políticos, de assinatura de eleitores filiados a outras legendas; e outro que impede a fusão ou incorporação de partidos com menos de cinco anos. A decisão foi tomada por maioria de votos na sessão desta quarta-feira (30), na análise da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5311.
Para o partido, seriam inconstitucionais regras inseridas na Lei dos Partidos Políticos pela Lei 13.107/2015. O primeiro trecho impugnado diz: “considerando-se como tal aquele que comprove o apoiamento de eleitores não filiados a partido político” e o segundo prevê tempo mínimo de cinco anos de existência do partido, com registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para a admissão de fusão ou incorporações de legendas.
Segundo o PROS, as modificações afrontariam diversos preceitos constitucionais ao restringir valores como pluralidade, liberdade, autonomia políticas e a participação do cidadão no processo político-partidário do País.
Para o partido, ao limitar os eleitores que podem apoiar a criação de partidos, a norma cria diferenças entre cidadãos filiados e não filiados. Quanto ao prazo para fusão e incorporação, o partido sustenta que o artigo 17 da Constituição Federal assegura a liberdade para fusão e criação de partidos. Por isso, entende que o tempo de cinco anos previsto na lei suprime essa garantia.
Proliferação de partidos
O Plenário do STF reafirmou em julgamento na semana passada que filiados a partidos não podem apoiar criação de outra legenda e manteve a regra proibindo fusão ou incorporação de partidos com menos de cinco anos de existência.
A decisão foi proferida na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.311, ajuizada pelo PROS. O partido impugnava a alteração feita pela minirreforma no artigo 7, parágrafo 1º, e no artigo 29, parágrafo 9º da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995).
Para a sigla, as alterações “ferem os princípios da cidadania, o pluralismo político e o princípio democrático, além da isonomia, plenitude da liberdade de associação” e, ao limitar a fusão de partidos, “retira das novas agremiações o livre direito à fusão ou incorporação conferido pela Constituição, o que afrontaria a autonomia dos partidos políticos”.
O plenário já havia indeferido, em 2015, uma medida cautelar nesta ação. Na ocasião, ficou vencido apenas o ministro Dias Toffoli. Da formação atual do STF, apenas Alexandre de Moraes não participou do julgamento na época, porque ainda não era ministro. Nesta quarta-feira, no julgamento de mérito, o resultado se repetiu: todos os ministros presentes, com exceção de Toffoli, votaram pela improcedência da ação.
A ministra Cármen Lúcia, relatora, votou no sentido de que a liberdade conferida na Constituição não é absoluta, e deve ser exercida com responsabilidade, ainda mais “sobre aquelas que têm efeito sobre toda a coletividade”. A ministra criticou a existência de diversos partidos que se comportam como uma sigla partidária, sem propostas efetivas para a sociedade.
“A prática política observada na atualidade mostra haver diferença entre partido político e legenda partidária. Formalizam-se, não raro, agremiações intituladas partidos políticos, e assim são formalmente, mas sem substrato eleitoral consistente e efetivo, e estes grupos atuam como subpartidos, organismos de sustentação de outras instituições partidárias, somando ou subtraindo votos para se chegar a resultados eleitorais pouco claros ou até mesmo fraudadores da vontade dos eleitores”, disse a relatora.
“Ao assinarem fichas de apoio à criação desses partidos, não poucas vezes, a história tem registrado que os eleitores sequer sabem da condição conivente porque não valorizam a assinatura cidadã com a mesma seriedade, compromisso e responsabilidade, quando assinam um documento de outra natureza, por exemplo documentos financeiros, como se a rubrica cívica valesse menos do que a assinatura de um documento financeiro – o que é um ledo engano”, continuou Cármen Lúcia.
Em relação às regras para fusão e incorporação de partidos, a ministra disse que “o descompromisso com a atuação política cobra caro em termos de política legítima e de realização democrática, e atinge todos na sociedade estatal”, e foi o que a legislação tentou evitar.
“O que em nada prejudica, nem toca, nem tangencia a autonomia partidária, que é garantir o benefício da legitimação da representação democrática, e não pode ser anulada. As normas impugnadas tendem a enfraquecer a lógica mercantilista, e não republicana que deve ser adotada na prática política. A Constituição brasileira garante a liberdade para criação, fusão e incorporação e extinção dos partidos políticos, mas não há liberdade absoluta”, falou.
Cármen Lúcia foi acompanhada por todos os ministros presentes, com exceção de Toffoli. O ministro, entretanto, apenas divergiu sem ler o voto. Com o resultado, a Lei dos Partidos Políticos permanece como está, com restrições para filiados apoiarem a criação de novos partidos, e com limite temporal para fusão e incorporação de siglas. O resultado, caso fosse positivo, poderia beneficiar a criação do partido Aliança Pelo Brasil, do presidente Jair Bolsonaro.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.