A minha sogra, com a sabedoria das mulheres forjadas na labuta doméstica, mas tendo os olhos voltados para o mundo que as cerca, e dotadas de uma inata sensibilidade, costumava dizer que apenas a criança era alvo de alguma, vejam bem, alguma, portanto insuficiente, preocupação da sociedade brasileira. Já o idoso não. Esse, na reta final da jornada é deixado ao “deus-dará” e Deus não dá, exatamente porque os homens não querem e nada fazem. Considera-se o velho um estorvo.
Asilos, abrigos, casas de repouso estão repletos de idosos sem família, ou o que é trágico, embora tendo parentes estes os abandonaram, limitando-se, os que podem, a pagar a conta todo mês. O amparo é meramente material.
Um tímido movimento tem se esboçado no Brasil para valorizar homens e mulheres chamados da “terceira idade”. Expressão que merece reparos pelo conteúdo discriminatório que possui. Por meio de campanhas procura-se mostrar que a partir dos sessenta anos as pessoas ainda possuem capacidade e aptidão para uma série de atividades, até então reservadas para os de menor faixa etária. A campanha publicitária feita em torno da valorização da “terceira idade” tem objetivos meramente comerciais, mas, de qualquer maneira, sempre provoca reflexão e alguma mudança.
Na verdade, não me refiro aos inconvenientes naturais trazidos pela idade. Muito menos estou pensando nos velhos que estão bem. Bem nascidos, bem assistidos, bem nutridos, enfim amparados. Falo de uma outra velhice. Falo da velhice abandonada, tão grave quanto a infância largada e carente.
Ao lado do amparo obrigatório que o Estado deveria dar ao idoso, seria fundamental que a sociedade encarasse a velhice sem o olhar da exclusão, com respeito e atenção. O velho tal como a criança quer e necessita de carinho, pois como disse Baudelaire “Quando ficamos velhos, os afetos contam mais que os conceitos”.
Há uma crônica do mesmo Baudelaire, encontrada no livro “Pequenos poemas em Prosa” onde é narrada uma dramática e cruel cena de uma velhinha que deseja aproximar-se de uma criança. O escrito chama-se “O Desespero da Velhinha”. Narra, inicialmente, a alegria de uma senhora bem idosa diante de uma criança em seu berço. Ambas não possuem nem cabelos e nem dentes. Ela aproxima-se do berço procurando cativar a nenê com sorrisos e com caretas. No entanto, a sua tentativa de agradá-la foi em vão, pois a criança assustou-se e começou a berrar. A senhora afastou-se e disse: “Ah! Para nós, infelizes mulheres velhas, a idade impede de transmitir alegria mesmo aos inocentes; nós causamos horror às criancinhas a quem nós queremos mostrar amor”.
A simples figura de um velho, aí independentemente de sua condição social e do amparo eventualmente a ele dado, provoca certa rejeição para não dizer certa repulsa. Há uma cultura sedimentada que vê no idoso um ser semi-imprestável. Colocação profissional, atividades físicas mais intensas, vida amorosa, assunção de novas responsabilidades e até troca de afeto, como na crônica de Baudelaire são objetivos postos fora de seu alcance. Portanto, ao lado do abandono material há um outro tão cruel quanto. Trata-se da negação ao idoso de suas ainda existentes potencialidades físicas, mentais e, especialmente, afetivas.
Uma obra clássica escrita por Cícero, “Saber Envelhecer”, faz a apologia da velhice feliz e está a merecer uma adaptação e plena divulgação para ser posta à disposição de leitores, internautas, blogueiros, romanceada e adaptada para alguma minissérie, novela ou peça de teatro. As agudas observações do grande advogado romano levam-no a concluir que a vida proporciona prazeres para todas as idades, basta se querer identificar aqueles reservados para os idosos.
Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira, advogado.
1 comentário em “A velhice”
Ze Dudu, vc parece que está tendo a sabedoria necessária para vivenciar o tempo, amigo. Parabéns, Feliz anivesrário , seja cada vez mais feliz e tudo de bom na sua vida. Seu amigo sincero.