Parece uma medida qualquer a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que anunciou ontem, terça-feira (17), o adiamento do censo demográfico que seria realizado entre agosto e outubro deste ano para o ano que vem em razão da crise desencadeada pelo alastramento do coronavírus pelo Brasil. Mas não é. E tem impactos sobre as contas públicas de várias prefeituras do Pará. Nove são alcançadas positivamente, mas 11 provavelmente vão amargar prejuízo por mais um ano no recebimento de transferências importantes, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), a receita que mais se vale dos dados populacionais para rateio de recursos da União entre os municípios.
Acontece que a população brasileira real está defasada há dez anos, desde a realização do censo 2010, e as estimativas que são feitas anualmente deixam dúvidas em muitos lugares, alguns dos quais até levam as desconfianças dos dados do IBGE aos tribunais. A Prefeitura de Jacareacanga, aqui no Pará, é uma delas. Enquanto o IBGE deduziu haver 8.239 habitantes na estimativa do ano passado, a Justiça determinou que a população local é de 41.487 para fins de recolhimento de FPM perante o Tribunal de Contas da União (TCU), para onde seguem os dados do IBGE a fim de apuração de cotas que servem ao rateio de verbas públicas.
Por essa razão, em vez de ficar na parte mais inferior do FPM, do grupo de que fazem parte Bannach e Sapucaia, por exemplo, na faixa de coeficiente 0,6 (que engloba municípios com até 10.188 habitantes), Jacareacanga está na faixa 1,8, a mesma de Goianésia do Pará e Tucumã (municípios com entre 37.357 a 44.148 habitantes). Na prática, e diante de incertezas, com uma boa pitada de decisão judicial, a Prefeitura de Jacareacanga deixa de receber R$ 6.415.726,00 em FPM este ano para faturar o triplo: R$ 19.247.178,00 previstos para 2020, segundo apurou o Blog do Zé Dudu junto ao Observatório de Informações Municipais.
O curioso caso da Terra Prometida
Esse transtorno — se um município tem ou não determinada quantidade de moradores — teria sido parcialmente resolvido caso o Governo Federal tivesse realizado o minicenso do meio de década visando à contagem da população dos municípios com menos de 170 mil moradores. No entanto, alegando falta de recursos em 2015, o governo brasileiro não realizou o evento demográfico, e a população seguiu desatualizada, trazendo prejuízos a muitas prefeituras e aos cidadãos governados.
Um dos municípios mais prejudicados do país pela não realização do censo populacional é Canaã dos Carajás, onde o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diz haver 40 mil eleitores, mas o IBGE estima 37 mil residentes. O município que se agigantou no meio da década em razão da implantação do projeto de mineração S11D, da multinacional Vale, tem hoje uma das 200 prefeituras que mais arrecadam no país. E estaria arrecadando ainda mais não fosse o prejuízo que tem pelo “nanismo” populacional imposto pelo IBGE.
Na métrica proporcional do país, os eleitores são 70% da população total estimada, considerando-se números de 1º de julho de 2019 tanto populacionais quanto do eleitorado, conforme levantou o Blog. No recorte paraense, 63% dos habitantes votam. Na perspectiva estadual, Canaã teria hoje cerca de 65 mil habitantes, ou seja, 75% a mais que a suposição do IBGE. E daí, em vez de estar na atual faixa de 1,6 do FPM (municípios com entre 30.565 e 37.356 habitantes), a “Terra Prometida” se enquadraria hoje na faixa 2,4 (municípios com entre 61.129 e 71.316 habitantes). Na prática, o que deve receber este ano, R$ 17.108.603,00, seria R$ 25.662.904,00. Sim, a Prefeitura de Canaã dos Carajás fica a ver navios, pela defasagem oficial da população, em R$ 8,5 milhões. Em dez anos, um prejuízo dessa envergadura pode chegar a R$ 85 milhões.
De muito menos a demais da conta
Outros municípios também estão na mesma situação, com defasagem populacional. Pau D’Arco, Mojuí dos Campos e Peixe-Boi, assim como Canaã, têm mais eleitores que habitantes. Eles podem neste momento estar em faixas equivocadas de FPM. Pau D’Arco e Peixe-Boi, aliás, estão na menor faixa de FPM e com atualização de suas populações poderem ter direito a R$ 2 milhões a mais por ano, caso, eventualmente, sejam alçadas à faixa superior.
O dilema da falta de atualização dos números prejudica também, em maior ou menor grau, Senador José Porfírio, Primavera, Brasil Novo, Santarém Novo, Terra Alta, São João da Ponta, Vitória do Xingu e Curionópolis. É que outros repasses — como os de saúde — também são embasados no número de habitantes.
No extremo oposto, há municípios que podem ter se beneficiado do superdimensionamento populacional e faturado alguns milhares ou milhões a mais da União. O caso mais clássico é o de São Félix do Xingu, onde o IBGE diz haver 128.481 habitantes, mas o TSE só contabilizou no mesmo período 34.791 eleitores. Para equalizar a população pelo eleitorado, São Félix teria hoje, estourando, 60 mil habitantes, menos da metade da população atual. E sendo verdade, em vez de ter direito a R$ 36.355.781,00 em FPM este ano, receberia R$ 23.524.329,00. Em uma década, se isso se consolidar em erro no próximo censo, o equívoco financeiro poderá chegar a R$ 130 milhões recebidos por uma faixa de FPM a que jamais pertencera.
Além de São Félix, municípios como Santana do Araguaia, Ulianópolis, Jacareacanga, Água Azul do Norte, Ipixuna do Pará, Rurópolis, Placas, Cachoeira do Piriá e Cumaru do Norte podem ter hoje bem menos moradores que as deduções do IBGE. E só o censo, com contagem de casa em casa ou a inferência no local de imóveis fechados ou vagos, poderá dirimir tantas dúvidas, que, por detrás dos números, aliviam as contas de algumas prefeituras e deixam outras com pires na mão.
3 comentários em “Adiamento de censo demográfico ameaça finanças de prefeituras do Pará”
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