Brasília — Dados compilados pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que as vendas de agricultores e pecuaristas a outros países registraram alta de 5,9% nos primeiros quatro meses deste ano, com vendas totais de US$ 31,4 bilhões. Um ganho de US$ 1,75 bilhão na comparação com o mesmo período de 2019. Os produtores rurais do país adaptaram-se em meio à maior crise pandêmica e, apoiados pelo Ministério da Agricultura (MAPA), conquistaram 21 novas praças internacionais, deixando para trás o grande concorrente do setor: os Estados Unidos. A oportunidade é nacional, mas o Pará está fora do jogo.
“Não deixamos de atender a nenhum parceiro tradicional, não desabastecemos o consumidor interno, e ainda conquistamos novos mercados”, informou Orlando Leite Ribeiro, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura.
Foi uma postura diferente da adotada pela Rússia, por exemplo, importante player no mercado de trigo, que simplesmente suspendeu as exportações, alterando todo o setor.
No cenário de terra arrasada na economia brasileira por causa do novo coronavírus, o agronegócio avança. Com crescimento esperado de até 3% neste ano — contra uma retração da economia que pode chegar a 7% em algumas previsões —, a agropecuária aproveita vantagens criadas pela pandemia no mercado internacional.
Ao mesmo tempo, apesar das restrições de mobilidade, os produtores conseguiram manter o abastecimento interno num momento em que os brasileiros priorizaram a compra de alimentos.
Segundo o Ministério da Agricultura, 21 novos mercados foram abertos a produtos agropecuários brasileiros desde março, quando a pandemia se instalou no mundo. Os acordos envolvem suínos, aves, carnes e lácteos em onze países: Argentina, Colômbia, Peru, EUA, Irã, Taiwan, Tailândia, Emirados Árabes, Egito, Marrocos e Austrália.
“A agricultura pós-pandemia será bem diferente para cada produtor global. Brasil e Argentina sairão mais fortes, com o Brasil na ponta, enquanto os EUA devem ficar para trás. O Brasil continuará um dos mais competitivos, com forte demanda vinda da Ásia, clima bom, moeda desvalorizada, alto investimento em tecnologia e boas práticas”, observa Tarso Veloso, gerente da consultoria AgResource, em Chicago (EUA), onde são negociadas boa parte das commodites agrícolas.
Impressionou muito o fato de o Brasil não ter fechado estradas nem portos e ter conseguido embarcar volumes recordes em plena pandemia. Na semana passada, o Ipea estimou crescimento de 2,5% do PIB agropecuário este ano.
Na contramão do PIB
Com base nos resultados do início do ano, a CNA espera que o agronegócio cresça entre 2% e 3% este ano. Com isso, a participação do agronegócio no PIB deve subir de 21,4% em 2019 para 23,6% em 2020.
No primeiro trimestre do ano, impulsionado pela safra recorde de soja, o PIB da agropecuária avançou 0,6% em relação ao último trimestre de 2019, enquanto toda a economia do país encolheu 1,5%, informou o IBGE na última sexta-feira. Na comparação com o mesmo período de 2019, o setor rural foi o único com alta na produção: 1,9%.
“Acreditamos que o agronegócio vá crescer em 2020, ao contrário de outros setores. Para o ano que vem, está mais difícil fazer previsões, pois dependemos de uma série de fatores, como a descoberta de uma vacina para o coronavírus e o próprio comportamento do câmbio”, afirma Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da CNA.
O crescimento do agronegócio não se deve apenas às exportações, observa Conchon. Em algumas áreas, o mercado doméstico é até mais importante. É o caso das carnes bovina, suína e de frango, que têm, respectivamente, 85%, 79% e 67% da produção consumidos no país.
Pará fora do boom
Embora essa oportunidade esteja sendo bem aproveitada por produtores tradicionais, no Pará, por uma série de fatores sanitários, como a ausência de “sifagem”, ou seja, a autorização federal do Mapa que atesta a sanidade do produto. As plantas de abate de carne bovina instaladas no Pará — quarto maior rebanho do país —, só estão autorizadas a fornecer sua produção apenas para o mercado interno do estado. Apenas a planta da JBS em Marabá está “sifada” para o fornecimento fora dos limites estaduais. A reclamação dos produtores regionais é imensa, mas a Secretaria Estadual de Agricultura do Pará (Sagri) é sinônimo de inoperância, atestam fontes ouvidas pela reportagem que preferiram o anonimato.
“Ficamos eternamente a ver navios para o embarque do boi em pé, sem valor agregado e o apito do trem, que leva as nossas riquezas minerais a preço de banana”, disse um dos sócios de um dos maiores frigoríficos do Sul Pará ao Blog do Zé Dudu, por telefone.
O descaso da Sagri paraense não é novidade e a Bancada do Pará no Congresso Nacional faz de conta que o problema não é com ela.
O Estado contra o próprio Estado
Embora as famílias confinadas tenham comprado mais comida, o fechamento de restaurantes e serviços de alimentação reduziu o consumo interno de alimentos. Parte do que está sobrando começa a ser direcionada ao exterior. É justamente esse mercado que os executivos de frigoríficos do Pará querem entrar para disputar o mercado, mas o governo estadual faz de conta que o problema não é de sua alçada. Sem o sêlo do S.I.F do Mapa, as plantas paraenses não podem exportar carne nem para o vizinho Maranhão, Mato Grosso ou Tocantins. São bilhões em negócios impedidos de entrar nos cofres do Estado pelo próprio Estado, num autêntico “samba do crioulo doido.”
A Federação da Agricultura do Pará (Faepa) também não dá uma palavra sobre a situação da ausência do selo federal ausente nos produtos frigoríficos produzidos em solo paraense.
Em uma live há duas semanas a um site do Pará, o deputado federal Beto Faro (PT-PA), prometeu estudar uma solução para o problema. Disse que está incomodado também pela ausência de plantas de abate para pequenos animais. “Vou cobrar do governador uma solução para essa questão”, prometeu.
Enquanto a Sagri do Pará e políticos ficam no conforto da omissão e no campo das promessas, Lígia Dutra, superintendente de Relações Internacionais da CNA, diz que o país está embarcando mais produtos como leite em pó e frutas cítricas, essa última, uma commodity produzida em alta escala no Pará. Ela espera forte retomada da venda de camarão ao exterior, visto que os principais consumidores — restaurantes, bares e hotéis — ainda estão fechados na maior parte do país e reabrindo no exterior.
O embarque de soja nos primeiros quatro meses do ano chegou a 35,7 milhões de toneladas, alta de 29,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Parte disso foi motivada por países que, temendo um agravamento da pandemia, passaram a ampliar seus estoques de alimentos.
Produtores de Santana do Araguaia e Paragominas estão estudando o aumento da área plantada para aproveitar o boom da demanda internacional.
Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.