Brasília – O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) continua sem tomar qualquer providência para conter o boicote do colega que o antecedeu na direção da Casa. O senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que atualmente preside o mais importante colegiado do Senado,
continua sem em pautar a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o que tem provocado um “apagão” nos trabalhos da comissão e poderá, em breve, atingir o próprio plenário da Casa. Na última semana, senadores insatisfeitos com a demora prometeram obstruir todas as votações se a sabatina não for realizada até o próximo dia 30.
Várias matérias já estavam paradas antes da implicância de Alcolumbre, que na prática, engessou os trabalhos na CCJ, atitude nunca antes vista na centenária história do Senado Federal. E não são apenas projetos de lei e propostas de emenda à Constituição na ordem do dia, mas também a votação de nomes para outros órgãos públicos que dependem da aprovação dos senadores. São indicações, por exemplo, para Tribunal Superior do Trabalho (TST), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), e o Tribunal de Contas da União (TCU) que, assim como o STF, estão desfalcados e acumulam processos parados e julgamentos inconclusos.
Parte da paralisia é atribuída ao próprio Alcolumbre, que desde o início de agosto, quando chegou ao Senado a indicação de Mendonça, faltou a dez sessões. Entre 30 de setembro e 9 de novembro, quando se avolumou a pressão pela realização da sabatina, nem sequer ocorreram sessões. Nelas, os senadores têm cobrado publicamente explicações de Alcolumbre, que se recusa a esclarecer o motivo do boicote — nos bastidores, ele tenta ganhar votos pela rejeição de Mendonça.
Atualmente, a CCJ tem 217 matérias prontas para pauta, de um total de mais de 1.700 matérias em tramitação, segundo o site da própria comissão. A mais importante é a PEC dos Precatórios, que abre um espaço fiscal no Orçamento de 2022 superior a R$ 90 bilhões, que serão usados para bancar o Auxílio Brasil, emendas parlamentares, aumento no fundo eleitoral e benefícios fiscais além do parcelamento a longo prazo de dívidas das prefeituras com o INSS. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), quer votar o texto da PEC na CCJ na quarta-feira (23) e levá-lo ao plenário do Senado no dia 30.
São os mesmos dias que senadores da CCJ querem pautar a sabatina e a votação do nome de André Mendonça. O fim de novembro é o período em que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) prometeu fazer um “esforço concentrado” para votar todas as indicações pendentes. Há pressão para que ele avoque a tarefa para o plenário, caso Alcolumbre mantenha o boicote. Caso contrário, aí sim seria iniciada a obstrução geral do plenário.
Nunca um único senador causou tanto estrago na imagem do Senado
No limite, mesmo a PEC dos precatórios poderia ter a votação prejudicada, caso a obstrução prospere. Fora isso, senadores culpam Alcolumbre por outras propostas que já estão paradas. “São muitos os projetos que estão lá esperando. A reforma tributária, por exemplo, está lá, aguardando deliberação da CCJ”, exemplifica o senador Alvaro Dias (Podemos-PR).
Dias também diz que há dois projetos ambientais, ligados à discussão ocorrida na semana passada na COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow (Escócia), que não avançaram. “O Senado deveria exercer o protagonismo nessa hora do debate internacional sobre o meio ambiente. E os projetos ficaram na gaveta”, reclama o senador.
Outras propostas paradas, elencadas por Alvaro Dias, são a PEC que estabelece a prisão em segunda instância, a que muda a forma de indicação de ministros para tribunais superiores e outra que reduz o número de deputados e senadores. “Estamos realmente com apagão nessa comissão”, diz.
Outro projeto prejudicado pelo impasse determina que qualquer incentivo fiscal só pode ser concedido pelo poder público após avaliação de custo-benefício, isto é, se realmente a renúncia de tributos vai gerar empregos ou elevar a competividade para o setor beneficiado. A proposta foi apresentada pelo senador Esperidião Amin (PP-SC) e seria votado na última quarta-feira (17). Por causa da revolta da maioria dos senadores contra Alcolumbre, a votação não ocorreu.
“Não funciona a CCJ. É a mais absoluta confissão de desídia. Como o Alcolumbre está contrariando o regimento, é contravenção. O André Mendonça é apenas o tema mais palpitante, pela controvérsia de aprovar ou não, mas é parte do problema”, diz o senador.
Amin é autor de um requerimento para que Pacheco avoque ao plenário do Senado a realização da sabatina. Pedido semelhante já foi apresentado por Álvaro Dias e já tem apoio de 17 senadores titulares e 16 suplentes da CCJ, maioria folgada para ser aprovado. O argumento é que o regimento do Senado dá 20 dias para a CCJ analisar matérias comuns, como as indicações. Já se passaram quatro meses da indicação de Mendonça. Alcolumbre, no entanto, também se nega a pautar a votação desses pedidos para levar a sabatina para o plenário.
Para muitos senadores, o desgaste de Alcolumbre passará a Pacheco. “O Davi está fazendo isso com absoluta cobertura da mesa diretora, leia-se Rodrigo Pacheco. Porque o artigo 48 do regimento diz que compete ao presidente do Senado cumprir e fazer cumprir a Constituição, as leis e o regimento. O regimento está sendo descumprido, e o meu querido amigo Pacheco nos brinda com seu olhar de paisagem, é uma verdade insofismável”, diz Amin.
“É inacreditável um único senador comandar uma casa de 81 nem sendo presidente do Congresso. Isso está expondo o presidente Rodrigo Pacheco. O senador Davi Alcolumbre está se portando como se fosse presidente do Senado, e ainda que o fosse, não teria esse poder. O presidente Pacheco vai ter que tomar uma decisão firme se não for pautado até o dia 30”, diz a senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Além da indicação de Mendonça, também estão paradas a do juiz Daniel Carnio Costa para compor o CNMP; as indicações das desembargadoras Salise Monteiro Sanchotene e Jane Granzoto Torres da Silva, e dos juízes Marcio Luiz Coelho de Freitas Roberto da Silva Fragale Filho, todas para compor o CNJ; e ainda a da juíza Morgana Richa para o TST.
STF também à espera
A falta de um ministro no Supremo também tem prejudicado os julgamentos e decisões. O gabinete a ser ocupado, deixado por Marco Aurélio Mello, tem 1.003 processos, sendo 363 no campo do direito administrativo (que envolvem órgãos públicos), 171 ações tributárias, 127 relativos a questões de processo penal, 191 matérias cíveis ou trabalhistas e 58 processos de direito penal (habeas corpus, inquéritos, denúncias e ações penais, por exemplo).
A ausência incomoda os demais ministros, porque novas ações ou pedidos urgentes têm de ser encaminhados para seus gabinetes. Além disso, com o plenário e a Segunda Turma desfalcados, julgamentos importantes podem ficar empatados.
A primeira situação ocorreu em setembro, quando teve de ser suspenso o julgamento de ação para que transexuais que dizem ser mulheres possam optar pelo presídio feminino. Como o placar ficou em 5 a 5, a decisão foi adiada, para aguardar o voto do novo ministro.
Ainda em setembro, a composição incompleta da Corte deixou em aberto o julgamento de uma ação penal contra o ex-deputado André Moura (PSC), acusado de desvio de bens públicos em Pirambu (SE), município do qual já foi prefeito. O empate de 5 a 5 nos votos levou o presidente do Supremo, Luiz Fux, a suspender o julgamento.
O mesmo poderá ocorrer no próximo dia 25, quando o plenário analisa uma ação penal contra o senador Fernando Collor (Pros-AL), acusado de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Ele foi denunciado por receber cerca de R$ 30 milhões de propina em negócios da BR Distribuidora. O problema é que, se o julgamento for adiado, Collor pode se livrar do caso por prescrição, que está próxima.
O CNMP também está prejudicado; a composição completa é de 14 integrantes, mas atualmente somente sete estão atuando. O CNJ, que deveria estar com 15 membros, atualmente, só tem sete na ativa. O baixo quórum inviabiliza qualquer deliberação.
Apesar das caras feias, nenhum senador, até o momento, acionou Davi Alcolumbre no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para pedir explicações formais ao senador sobre os seus atos. Presidir a CCJ e não respeitar o regimento é crime de quebra de decoro parlamentar e passível de perda de mandato.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.