O senador Marcos do Val (Podemos-ES) radicalizou: dorme, em sinal de protesto, desde terça-feira (3), nas poltronas de couro azul instaladas no Plenário do Senado Federal. “Não tenho nenhum centavo. Minha conta bancária está R$ 50 milhões devedora. Cortaram a luz do meu apartamento funcional. Não tenho dinheiro nem para tomar um Uber e só consegui chegar [a Brasília], porque utilizei milhas que tinha acumulado. Sou um perseguido político”, descreveu o senador, que protestou na sessão deliberativa desta quarta (4) no Plenário da Casa Revisora do Congresso Nacional, relatando os detalhes da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que determinou o bloqueio de suas contas bancárias, entre outras penalidades.
Senadores de vários partidos se alternaram na sessão cobrando uma reação da Casa ao que consideram mais uma arbitrariedade do ministro Moraes em decisão considerada inconstitucional, porque fere as prerrogativas e garantias contidas expressamente na Constituição ao exercício do mandato de uma senador da República.
O líder do Podemos no Senado, senador Rodrigo Cunha (AL), anunciou que entrará com requerimento para submeter ao Plenário da Casa a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em relação ao senador Marcos do Val (Podemos-ES). Em 7 de agosto, Moraes determinou o bloqueio das contas de Marcos do Val, que é investigado por supostamente atacar nas redes sociais delegados da Polícia Federal que investigaram o ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Eu solicito aos senadores que também subscreveram essa manifestação, que sejam adotadas as medidas necessárias da maneira mais célere possível, para que seja submetida à apreciação deste Plenário do Senado Federal a questão relativa à decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes que impôs medidas cautelares ao senador Marcos do Val”, defendeu.
Cunha citou como precedente o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.526, em que o STF teria decidido por maioria que qualquer medida que possa interferir no pleno exercício do mandato parlamentar deve ser submetida às respectivas Casas Legislativas.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que tem tomado medidas técnicas por meio da Advocacia do Senado para recorrer da decisão e informou que vai analisar a possibilidade de a Casa adotar novas medidas contra a determinação de Moraes.
“Fica recolhida a questão de ordem para análise da Presidência. Vossa Excelência propõe que, além da defesa técnica, dos recursos que estão sendo interpostos no âmbito judicial, possam ser avaliadas outras medidas pela Mesa Diretora do Senado Federal. Fica recolhida a questão”, disse Pacheco.
O presidente do Senado reforçou que a construção harmônica na relação com os demais Poderes pode auxiliar no processo e que casos de ações contra parlamentares não foram comuns durante a sua gestão.
“A construção harmônica que faço na relação com os Poderes serve, inclusive, para o reconhecimento de que prisões de parlamentares, buscas e apreensões contra parlamentares, medidas cautelares contra parlamentares e até ações contra parlamentares devem ter realmente fundados indícios e não podem ser banalizados como foram no passado recente, fora do tempo em que eu sou presidente”, se eximindo de uma processo de prevaricação a frente do cargo.
A situação tem escalado na relação entre o Congresso Nacional e Poder Judiciário há semanas.
O senador Magno Malta (PL-ES) revelou, durante a sessão, que teve acesso a um diálogo entre o Pacheco e Moraes, não negado pelo presidente da Casa, que presidia a sessão. “Venho em defesa da tentativa do presidente desta Casa, Rodrigo Pacheco, que enviou mensagem com pedido de reconsideração ao ministro Alexandre de Moraes, na decisão contra o senador Marcos do Val. Sabe o que Moraes respondeu? O senhor não é parte na causa. É assim que esse ministro trata as pessoas, qualquer pessoa”, protestou Malta.
Abaixo-assinado e obstrução
Parlamentares da oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm intensificado nesta semana os convites à população para participar do ato público agendado para o próximo sábado (7), na Avenida Paulista, em São Paulo, que visa pressionar pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A convocação mais recente ocorreu nesta quarta-feira (4), quando os oposicionistas também lançaram um manifesto contra as decisões de Moraes, em especial aquelas tomadas no âmbito do Inquérito 4781, também conhecido como inquérito das fake news.
“Convocamos todos os brasileiros a se unirem em um ato pacífico no dia 7 de setembro na Avenida Paulista, para reivindicarmos o retorno à normalidade democrática. Defendemos o imediato arquivamento dos inquéritos iniciados há mais de cinco anos, a retomada da liberdade de expressão e de imprensa, a anistia aos perseguidos políticos, instalação da CPI do abuso de autoridade na Câmara dos Deputados”, afirmam os congressistas.
A campanha nacional pela destituição de Moraes ganhou novo impulso na última sexta-feira (30), quando o ministro ordenou a suspensão do X (antigo Twitter), afetando mais de 20 milhões de usuários no Brasil e despertando controvérsia mundial.
Com as eleições municipais mobilizando a maioria dos congressistas, a oposição aposta na força das ruas para criar um ambiente político favorável ao impeachment de Moraes, acusado de abuso de poder e outros crimes de responsabilidade previstos na lei. Nos dias que antecedem a manifestação do Dia da Independência, deputados e senadores têm usado tribunas no Congresso, redes sociais e reuniões políticas para destacar a importância de se constituir um evento de grande magnitude, que possa impulsionar o pedido de afastamento do magistrado, liderado pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Além disso, os parlamentares pretendem fortalecer o abaixo-assinado aberto na plataforma change.org que compartilha o mesmo objetivo do pedido de impeachment e aumentar a pressão sobre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já declarou ser contrário ao processo e tem se mostrado um resistente obstáculo à sua abertura. A crescente irritação com Pacheco, que tem mostrado total alinhamento com Moraes e o Palácio do Planalto, transparece nas falas dos oposicionistas.
O abaixo-assinado que pede o impeachment do ministro do STF já ultrapassou 1,3 milhão de signatários até a tarde de quarta-feira (4). Eduardo Girão afirmou que a meta subiu de 1,5 milhão para 2 milhões de assinaturas antes do ato na Paulista. “Essa expressão da vontade popular é muito importante nesse momento”, ressaltou o senador. Em paralelo, líderes da oposição buscam formas de obstruir votações no Congresso, para forçar o avanço do pedido de impeachment no Senado.
Manifesto contra decisões de Moraes
Com relação ao manifesto lançado nesta quarta-feira, os parlamentares citam que a instauração do inquérito das fake news contrariou os “princípios do devido processo legal, da inércia do Judiciário, e do juízo natural”. Também apontam que as decisões com “viés arbitrário e autoritário” ameaçam “a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e até mesmo a inviolabilidade dos mandatos parlamentares, que são protegidos por imunidade em suas opiniões”.
“Desde o início, esse inquérito foi considerado inconstitucional pela Procuradoria-Geral da República, pois, além de ignorar princípios fundamentais, não possui fato específico ou investigado determinado, violando o sistema acusatório e as garantias constitucionais. Mesmo com o parecer da PGR, o inquérito foi mantido e se arrasta há mais de cinco anos sem uma conclusão clara, com decisões sigilosas e uma proliferação de investigações derivadas que têm contaminado a democracia brasileira”, diz o manifesto.
De acordo com os congressistas, todas as denúncias sobre as decisões de Moraes se confirmaram após as revelações divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo com base nas mensagens vazadas de ex-assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF. Para os congressistas, as mensagens confirmaram que “o ministro montou uma estrutura direcionada para produzir relatórios contra alvos predefinidos, corroborando decisões preestabelecidas para aplicação de multas e restrições de direitos contra cidadãos e veículos de comunicação do espectro político contrário ao governo de ocasião”.
“A Folha de São Paulo revelou mensagens que demonstram a intenção, por razões eminentemente políticas, de endurecer ações do STF contra a plataforma “X”, culminando em sua retirada do ar, ameaçando ainda de censura e multa mais de 200 milhões de cidadãos que não possuem qualquer envolvimento com os fatos, em uma intolerável demonstração de truculência e censura em massa, além de tomar medidas descabidas contra empresas e pessoas”, explicam os parlamentares.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), disse que: ”Os diálogos entre os assessores de Alexandre de Moraes, se parecem com conversas entre mafiosos.”
Os senadores e deputados da oposição criticaram a “omissão do procurador-geral da República”, Paulo Gonet, em investigar os abusos e o “arquivamento sumário de reclamações disciplinares” por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Diante desses fatos, eles cobram uma iniciativa do Senado Federal e dizem que esse é o “único caminho institucional para buscar justiça”. Apesar disso, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não parece disposto a dar andamento aos pedidos de impeachment e chegou a afirmar no mês passado que eles parecem “lacração” para as redes sociais.
Abaixo-assinado e obstrução
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira, o líder da oposição no Senado, Marcos Rogério (PL-RO), destacou que a iniciativa do manifesto visa mostrar uma “posição firme e clara em defesa da democracia”. Segundo o congressista, a mobilização agora é para buscar assinaturas para o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que já conta com 1,3 milhão de apoios.
“Qualquer medida de obstrução só será adotada após o ingresso desse pedido de impeachment – em defesa da nossa liberdade. Estamos vivendo um período de censura e quando você determina o impedimento de um canal e rede social é censura prévia e é isso que estamos vendo no Brasil”, declarou o senador.
A oposição confirmou que o pedido de impeachment será entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na tarde da próxima segunda-feira (9/9), após o “7 de setembro”.
Por outro lado, a deputado Bia Kicis (PL-DF), líder da Minoria na Câmara dos Deputados, informou que os deputados da oposição já confirmaram a obstrução na Casa Legislativa e que irão definir uma pauta de prioridades para pôr um fim na “censura escancarada”.
“Iremos fazer obstrução na Câmara e vamos nos juntar pela anistia dos perseguidos políticos e que a censura deixe de ser aplicada no Brasil. A ideia é obstruir tudo para conseguir as nossas pautas e a admissão do impedimento do ministro Alexandre de Moraes”, disse a deputada.
Bia Kicis ainda criticou o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, por não dar andamento aos pedidos de impeachment dos ministros do STF. “Ele [Pacheco] tem agido como verdadeiro avalista das atitudes irresponsáveis e tirânicas do Alexandre de Moraes”, afirmou.
Senadores e deputados de oposição concedem entrevista coletiva para apresentar manifesto pela “verdadeira democracia”.Os congressistas informam que pretendem obstruir as votações no Congresso a partir da próxima semana.Participaram:líder da minoria na Câmara dos Deputados, deputada Bia Kicis (PL-DF);
líder da oposição no Senado Federal, senador Marcos Rogério (PL-RO);
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ);
senador Rogerio Marinho (PL-RN);
senador Carlos Portinho (PL-RJ);
senador Eduardo Girão (Novo-CE);
senador Luis Carlos Heinze (PP-RS);
senador Esperidião Amin (PP-SC);
senador Jorge Seif (PL-SC);
senador Magno Malta (PL-ES);
deputado Marcel van Hattem (Novo-RS);
deputado José Medeiros (PL-MT);
deputado Filipe Barros (PL-PR);
senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP);
senador Izalci Lucas (PL-DF);
senador Alan Rick (União-AC);
senador Jaime Bagattoli (PL-RO).
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.