Alteração na Lei de Impeachment pode ser votada na CCJ

Se aprovado texto incluirá uma previsão de crime de responsabilidade por ministros do STF
Reunião Extraordinária na CCJ da Câmara dos Deputados

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Brasília – Está na pauta desta terça-feira (4), alterações na Lei de Impeachment para incluir uma previsão de crime de responsabilidade por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O projeto de lei (PL 4754/2016) tem como relatora a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), da base de apoio do governo.

O tema é caro ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a parlamentares que o apoiam, como a Bia Kicis (PSl-DF), que preside a comissão.

O texto, apresentado em 2016, altera a Lei de 1950 que regulamenta o processo, e que serviu de base para as destituições de Fernando Collor e Dilma Rousseff. O PL, de autoria de Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e de outros 22 parlamentares, inclui “usurpar competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo” como crime de responsabilidade passível de impeachment de ministros da corte. O gatilho também valeria para ministros de outros tribunais superiores, e juízes de instâncias inferiores.

Este projeto é analisado dentro da CCJ desde 2016, com diversos relatores e sendo seguidamente retirado de pauta e arquivado. O seu primeiro relator foi o hoje senador Marcos Rogério (DEM-RO); o texto foi assinado por deputados como Eliziane Gama (hoje senadora pelo Cidadania do Maranhão) e pelo ex-deputado Bruno Covas (PSDB-SP), hoje prefeito de São Paulo.

Desta vez, Chris Tonietto apresentou parecer na última sexta-feira (30) mantendo o texto. Para a parlamentar, “nenhum contrapeso ao comportamento dos ministros da Suprema Corte foi contemplado no ordenamento jurídico brasileiro.”

A parlamentar prossegue na defesa do texto: “O comportamento exemplar dos ministros da Suprema Corte, durante muitas décadas de nossa história, mascarou esta lacuna gravíssima que pode colocar em xeque todo o sistema democrático. […] Ainda que nossos ministros fossem impecáveis em seus julgamentos, mesmo assim, nosso ordenamento jurídico estaria dotado de perigosíssima falha a exigir a sanação imediata. É assombroso que possa ter-se construído uma democracia onde um juiz possa usurpar o Poder Constituinte e ‘não tenha que dar satisfação de seus atos a absolutamente mais ninguém’”, escreveu.

A frase utilizada por Chris Tonietto foi tirada de contexto de um discurso feito pelo ministro Luiz Fux, durante o décimo Encontro Nacional do Poder Judiciário. Hoje presidente da corte, Fux disse à época que “o Judiciário não tem de fazer pesquisa de opinião pública para decidir casos subjetivos”, e que, por não serem eleitos a seus cargos, os membros do Judiciário têm “talvez um grau de independência maior, porque não devemos satisfação depois da investidura a absolutamente mais ninguém.”

Atual composição do STF é motivo de preocupação de vários parlamentares

Parte dos deputados e senadores se movimenta para “enquadrar” o STF. Não é novidade que recentes decisões da Suprema Corte geraram incômodo entre alguns parlamentares no Congresso Nacional. O problema é que, após a decisão monocrática do ministro Luís Roberto Barroso, em determinar a abertura da CPI da Covid-19, o mal-estar cresceu.

A ideia de congressistas é colocar em votação propostas que possam fazer um contraponto aos poderes dos ministros do STF. Deputados e senadores articulam a votação de projetos que restringem decisões monocráticas. Na Câmara, alguns defendem a votação de uma matéria que puna o ministro da Suprema Corte que pratique o chamado ativismo judicial. No Senado, cresce a pressão para se votar um texto que abre brecha para sustar atos do Judiciário.

A costura para se colocar em votação essas propostas é orgânica e apartidária, não partindo dos líderes partidários. Também não é capitaneada por aliados bolsonaristas, ou seja, da base mais próxima ao presidente Jair Bolsonaro. Tem a atuação de congressistas do Podemos, DEM, Republicanos, PSL, entre outras legendas.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) explica a origem dessas articulações. “Há um movimento da sociedade que cobra de nós, parlamentares, algum tipo de resposta às decisões e usurpações de competências do STF aos poderes Legislativo e Executivo”.

A pressão da sociedade começou com a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Desde então, cada decisão tomada pelos ministros do STF tem elevado a cobrança sobre os parlamentares. “Nos últimos 30 dias que começou a aumentar ainda mais”, afirma Sóstenes.

Durante esse período citado pelo parlamentar, o STF determinou: que estados e municípios podem proibir a realização de missas e cultos em igrejas; a instalação da CPI da Covid, em uma decisão monocrática de Barroso que, posteriormente, foi referendada pelo plenário; a anulação dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no plenário; e a suspeição de Moro no plenário.

O desconforto ouvido por Sóstenes é tão intenso que ele tem escutado lamentos de quem acha que um regime militar não seria “tão ruim”. “Começo a ouvir vozes que eu não ouvia anteriormente dizendo: ‘Se é para continuar com o país com o STF mandando mais do que o presidente e o Congresso, em uma democracia deforme como essa, então, que venha o regime militar’”, afirma.

Tais apelos, segundo explica o parlamentar, vêm de pessoas “sérias, com conteúdo intelectual e político”. “Ou seja, talvez o STF não esteja sentindo [o clamor das ruas] e não esteja com a sintonia fina para entender o sentimento da população que esse ativismo está gerando, a ponto de a pessoa achar que, na democracia, não há mais conserto. E isso me assusta. Não é esse o país que eu sonho”, sustenta.

Antídoto ao ativismo judicial

“Que opções o Parlamento apresenta como antídoto ao ativismo judicial?”, questiona-se o Sóstenes. E não só ele. Deputados da Bancada do Pará ouvidos reservadamente confirmaram que a indignação do eleitor paraense exige uma providência contra esse “cheque em branco” dado aos ministros do STF após a promulgação da Constituição de 1988.

Atendendo a esses pedidos, Sóstenes afirma que se articula para votar o PL 4754/2016, de sua autoria e coautoria de outros 22 deputados e ex-deputados federais. A proposta tipifica como crime de responsabilidade a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo por parte de ministros do STF. Na prática, é um antídoto ao ativismo judicial.

O ambiente político, agora, é diferente em relação a 2019, quando Sóstenes se articulou para votar o texto. “Na vez passada, que o deputado [Felipe] Francischini [ex-presidente da CCJ] pautou, teve muita gente falando que foi procurado pelo STF. Foi feito um grande lobby para não aprovarmos isso [PL 4754/2016]. Combinei com o Francischini de retirada de pauta, porque senti que perderíamos no voto”, explica.

Agora, Sóstenes promete esforços para resgatar o projeto. “É lógico que há uma carga dos deputados membros da CCJ para não votar o meu projeto. Vão pressionar também dessa vez, mas precisamos de algo para corrigir essa deformidade no nosso sistema de freios e contrapesos”, diz. “A gente não quer confronto de poderes. Se não aprovarmos, temos que estabelecer algum diálogo com o STF”, afirma.

Na Câmara e no Senado: como é o contra-ataque às decisões monocráticas

Na Câmara, outra forma de coibir o ativismo judicial é por meio da limitação a decisões monocráticas dos ministros do STF. O PL 11270/2018, que modifica as regras para a concessão de decisões monocráticas de natureza cautelar, é uma das apostas de deputados. O texto, relatado por Francischini, já está na pauta da CCJ.

A deputada Bia Kicis defende o projeto. Ela explica que a redação tem, por objetivo, regulamentar as decisões monocráticas nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas arguições de preceito fundamental. Para ela, o texto é até uma forma de prestigiar a natureza colegiada do STF.

Limitações às decisões monocráticas também são discutidas pelo Senado. O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) apresentou em abril a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que também leva a assinatura de outros senadores como coautores. A redação impõe limites a pedidos de vista e decisões monocráticas em tribunais superiores. O projeto havia sido proposto em 2019 e reapresentado em abril.

Se aprovada a PEC, as decisões cautelares nos tribunais não poderão ser monocráticas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos. Matérias que couberem liminar exigirão o voto da maioria dos ministros, ou seja, no caso do STF, precisarão ser apreciadas pelo plenário. “Existe muito poder concentrado na mão de um único homem [ministro(a)]. É óbvio que isso é uma distorção, não pode funcionar assim”, sustenta Oriovisto à Gazeta do Povo.

O senador garante, contudo, que não se trata de um revanchismo do Senado ao STF — em decorrência da decisão que obrigou a Casa a instalar a CPI da Covid —, mas, sim, da necessidade de corrigir o sistema. “Ela [PEC 8] não visa pessoas, ela visa o sistema”, destaca.

Outros projetos estão na mira de parlamentares e são citados como complementares. A PEC 35/2015, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS), é uma delas. O texto obriga o presidente da República a indicar integrantes do STF a partir de uma lista tríplice, formada por uma comissão de sete instituições — entre elas o próprio Supremo e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O texto original prevê, ainda, mandato de 10 anos para cada ministro do STF. O substitutivo dessa redação, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), manteve. Se aprovada a PEC, um ministro não poderia ser reconduzido ao cargo e ficaria inelegível por cinco anos. “Queremos, também, mudar isso [o atual processo de indicação de ministros do Supremo]”, sustenta o senador Oriovisto Guimarães.

Outra pauta defendida por parlamentares é a que garante ao Congresso a competência para sustar atos normativos do Poder Judiciário que venham a extrapolar suas competências. Em 2020, foi apresentada como uma PEC pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO). Ganhou o apelido de “PEC do Judiciário”, mas, como precisava de 27 assinaturas para tramitar, não consta mais nas propostas apresentadas pelo parlamentar.

Mesmo sem constar no site Senado, a “PEC do Judiciário” passou a ser cobrada por parte da sociedade. Em 15 de abril, senadores receberam mensagens em massa de populares cobrando a votação do projeto. Não apenas no Senado, mas, na Câmara, há quem apoie a pauta, como o deputado Sóstenes Cavalcante. “Acho importante a gente votar. Tem que votar essa, que é outra vertente ao meu projeto [PL 4754/16], como, também, a PEC para dar mandato de 10 anos [35/15]”, defende.

A ideia de deputados e senadores é não voltarem atrás na intenção de pautar essas propostas. Enquanto o deputado Sóstenes Cavalcante vai articular na CCJ da Câmara a votação de seu PL, o senador Oriovisto Guimarães também vai trabalhar pela designação de um relator junto ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). “O passo que estou agora é convencê-lo a colocar essa PEC [8/21] na pauta e designar um relator”, explica.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.