Ameaçados de despejo, centenas de moradores do São Félix fecham ponte rodoferroviária em Marabá

Processo de desapropriação se arrastava há 38 anos e tramitou em todas as instâncias. Cada terreno hoje custa entre R$ 600 mil a R$ 3 milhões

Continua depois da publicidade

O trânsito entre os núcleos Nova Marabá e São Félix, em Marabá, está paralisado desde as 8 horas da manhã em função de uma manifestação que moradores das avenidas Tiradentes e General Zacarias Assunção, no bairro São Félix, estão fazendo para tentar evitar o despejo determinado pela Justiça. Por conta disso, o congestionamento se formou dos dois lados da ponte, com mais de 4 quilômetros.

Para passar de um núcleo para o outro, muitas pessoas estão recorrendo a uma antiga estratégia: pagando barco/rabetas para vencer os cerca de 2 quilômetros de largura do Rio Tocantins. Até mesmo motoqueiros estão usando desse expediente. A travessia de uma pessoa custa R$ 10,00, e com moto o valor sobe para R$ 30.

Por sua vez, os moradores que receberam notificação judicial estão enfrentando uma crise profunda relacionada à documentação de seus imóveis e a um processo judicial que ameaça a estabilidade de suas residências.

Muitos habitantes, que ao longo dos anos transformaram terrenos em lares, agora se veem em meio a um impasse jurídico que demanda pagamento de valores milionários ou a desocupação de suas propriedades.

O processo, que começou em 1986, envolveu uma disputa legal sobre a posse de terrenos no bairro e foi decidido em 2018 a favor do espólio de Aurélio Anastácio de Oliveira, revertendo uma decisão anterior que havia beneficiado os moradores. A fase atual do processo exige o cumprimento da sentença, com notificações que apontam pagamentos que podem somar milhões de reais. Este cenário gerou grande apreensão entre os moradores, que agora se mobilizam para buscar uma solução e pressionar os poderes públicos a intervirem.

Em uma reunião marcada para esta terça-feira, às 18 horas, na Praça dos Sonhos, a comunidade pretende discutir a situação e exigir uma resposta das autoridades que, segundo eles, ainda não tomaram medidas efetivas para resolver a crise que afeta a vida de milhares de residentes.

E AGORA?

Ivoneide Pereira, residente em terreno onde está sofrendo ordem de desocupação desde os 17 anos, detalha sua experiência. A mãe de família explica que recebeu o terreno como doação de seus pais, que vieram do Maranhão. Com a venda de duas vacas recebidas dos pais, Ivoneide comprou o terreno por R$ 300 em 2000 e, agora, precisa pagar R$ 900 mil ou sair do lugar que conhece a maior parte da vida como lar.

“Na época, o local estava em condições precárias, mas, ao longo dos anos, eu e meu esposo construímos uma casa com dois cômodos e melhoramos o terreno. Mas, devido à quantidade de tempo, nós não temos a documentação”, relata. Ivoneide acrescenta que, apesar de ter residido no local por mais de duas décadas, enfrenta dificuldades para comprovar sua posse.

A situação foi agravada por um episódio em que um oficial de justiça, segundo ela, exigiu de maneira brusca a assinatura de um documento, o que gerou questionamentos sobre a legalidade e a abordagem do oficial. Ivoneide expressa frustração com a falta de apoio do poder público e compara sua situação ao abandono de jogadores por um técnico de futebol.

“Quem daqui vai ter essa quantidade de dinheiro? Se nós pudéssemos pelo menos entrar em um acordo de um valor justo e pagar parcelado…”, sugere.

Gabriela Rodrigues, advogada e residente do bairro, acrescenta uma perspectiva jurídica sobre o problema. Ela explica que o processo que afeta a comunidade já transitou em julgado e está em uma fase onde não cabe mais discussão sobre documentos, posse ou propriedade, pois essas questões foram decididas anteriormente.

“Muitas pessoas não estavam cientes do processo, que envolveu 137 réus e se arrastou desde 1986, quando foi ajuizado devido a uma invasão. Em 2018, a decisão favorável aos moradores foi revertida em benefício dos herdeiros pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará. A fase atual do processo envolve a execução da sentença, com notificações exigindo pagamentos significativos por imóveis, benfeitorias realizadas, aluguel dos últimos cinco anos e honorários advocatícios”, informa.

Gabriela levanta que os valores cobrados chegam a milhões de reais, o que está gerando grande apreensão entre os moradores, muitos dos quais não têm condições financeiras para arcar com tais quantias. A advogada também menciona a percepção de que o problema está sendo politizado, especialmente por se tratar de um ano eleitoral, e recomenda que os moradores procurem orientação jurídica ao receberem notificações.

CASAS E COMÉRCIO

Vismar Silva, proprietário de uma empresa na Avenida Getúlio Vargas, relata sua experiência com a notificação recebida recentemente. Ele recebeu a documentação no último sábado (14), com uma segunda entrega marcada para esta terça-feira, 17, já que não estava no local no momento. O valor total cobrado do comerciante é de R$ 900 mil, abrangendo locação, valor por metro quadrado e honorários de sucumbência.

Vários políticos estão aproveitando o momento para se aproximar dos moradores e prometer que vão tentar uma solução para o problema grave de “caos social”.

Até o momento, nem o governo municipal nem o estadual se manifestaram sobre a situação.