O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou nesta quinta-feira (7), que os exercícios militares dos Estados Unidos na Guiana são uma “provocação”. Nesta manhã, o governo americano havia anunciado que faria manobras conjuntas com o Exército guianês pela região de Essequibo, rica em petróleo, que Caracas deseja anexar após um plebiscito realizado no último domingo (3), numa manobra política do ditador sul-americano um ano antes das eleições presidenciais no país.
“Esta infeliz provocação dos Estados Unidos em favor da ExxonMobil [empresa norte-americana de petróleo] na Guiana é mais um passo na direção errada. Alertamos que não seremos desviados de nossas ações futuras para a recuperação do Essequibo”, disse, ameaçador, Vladimir Padrino López, ministro do Poder Popular para a Defesa.
As manobras, segundo a Embaixada dos Estados Unidos na Guiana, acontecerão em parceria com a Força Aérea guianesa e fazem parte das operações de rotina da parceria, que ambos os países mantêm desde 2022. Washington também estuda a construção de uma base militar em Essequibo.
Um outro ator que pode entrar na ciranda de instabilidade criada na região pelo ditador venezuelano é o Reino Unido. Após a independência da Guiana — antiga Guiana Inglesa —, foi assinada uma cláusula de proteção à antiga colônia, nos termos de um Tratado de Proteção e Defesa conjuntos, o que lembra a intervenção armada britânica na invasão argentina às Ilhas Malvinas, desastrada manobra da Junta Militar que governava a Argentina em 1982, resultando na morte de 649 soldados argentinos, 255 britânicos e 3 civis das ilhas Falkland (Malvinas, em castelhano).
Delírio de um ditador para se manter no poder
Analistas internacionais atribuem a ideia do referendo popular na Venezuela a uma distração política urdida pelo ditador venezuelano com vistas às eleições presidenciais do ano que vem. Maduro quer se manter no poder a qualquer custo.
Após a vitória do “sim” na consulta popular de domingo, o presidente da Venezuela cumpre um roteiro previamente planejado. Na terça-feira (5), Maduro propôs a criação de uma província venezuelana em Essequibo, na Guiana. Atualmente, a área corresponde a 74% do território guianês e é reivindicada por Caracas.
Em sessão na Assembleia Nacional, o presidente apresentou um projeto de lei que regulamentará a criação do Estado da Guiana Essequiba e permitirá a execução das decisões aprovadas pela população em um referendo realizado no domingo (3). Os deputados da Casa deliberaram sobre a proposta na quarta-feira (6), e, como já era previsto, aprovaram o projeto.
O movimento de apropriação e possível invasão da Guiana conta com outros atos. Para convalidar internamente seus planos, o presidente venezuelano também ordenou que a PDVSA — estatal petroleira venezuelana — conceda licenças para exploração de petróleo e gás na região.
Confira algumas das medidas propostas por Maduro:
• Concessão para licenças de exploração de gás e petróleo em Essequibo e a criação de um setor na PDVSA para a região;
• Criação do Alto Comissariado para a Defesa da Guiana Essequiba;
• Publicação e divulgação do novo Mapa da Venezuela em escolas e universidades do país;
• Criação da Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba;
• Nomeação do deputado Alexis Rodríguez Cabello como a autoridade única da Guiana Esequiba de forma provisória;
• Programa de assistência social à população de Essequibo e a expedição de uma nova carteira de identidade para os cidadãos.
Em seu perfil no X (ex-Twitter), Maduro publicou o que chamou de “novo mapa da Venezuela”, onde a região de Essequibo aparece como parte do país.
Contrariado
De temperamento explosivo, Nicolás Maduro fica colerizado quando contrariado. Foi assim que reagiu quando soube do primeiro movimento do Exército americano após o referendo de domingo (3), fato noticiado em novembro pelo Blog do Zé Dudu (aqui), a respeito da anexação de Essequibo, território atualmente controlado pela Guiana, que equivale a dois terços do país, mas que o governo venezuelano reivindica como seu.
Logo depois do resultado positivo do referendo, Maduro anunciou um “novo mapa” da sua nação, com a incorporação da região guianesa. As tensões na região ofuscam a Cúpula do Mercosul, em curso na cidade do Rio de Janeiro sob a presidência do Brasil até o final do ano, enquanto o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado de Maduro, continua sem se pronunciar sobre o grave atrito.
O anúncio das manobras conjuntas dos exércitos norte-americanos e guianense também acontece um dia depois de um helicóptero do Exército da Guiana com sete pessoas a bordo, incluindo cinco militares de alta patente, desaparecer perto da fronteira com a Venezuela.
Os militares fariam uma inspeção dos soldados situados na área de fronteira. Na manhã desta quinta, autoridades do país ainda investigavam as causas do desaparecimento, e afirmaram que Washington iriai ajudar nas buscas.
O helicóptero desaparecido na Guiana foi encontrado nesta quinta-feira (7), informou a Agência Associated Press (AP), após cerca de um dia desaparecido, a queda matou cinco militares de alta patente. Outros dois sobreviveram, reproduzindo anúncio das Forças Armadas do país. Até o momento, não há indicativos de envolvimento da Venezuela no caso.
Os sobreviventes foram identificados como o tenente Andio Michael Crawford e o cabo Wayne Jackson. O local do acidente foi encontrado nesta manhã, e uma equipe chegou na área por volta das 14h30.
A missão do grupo era resgatar os sete passageiros da aeronave. No local, foram encontrados já mortos o sargento Jason Khan, o coronel Michael Shahoud, o tenente-coronel Michael Charles, o tenente-coronel Sean Welcome e o brigadeiro Gary Beaton.
‘’A próxima fase da operação envolve a extração da área, seguida de uma investigação sobre o incidente’’, afirmaram as Forças Armadas por meio de nota. Um dos sobreviventes, Wayne Jackson, não constava inicialmente na lista divulgada de passageiros da aeronave.
Disputa histórica
A posse de Essequibo foi concedida em 1899 à Guiana, à época uma colônia inglesa, por meio de arbitragem feita pelos Estados Unidos. A Venezuela questiona desde então a decisão e, em 1966, chegou a firmar um acordo com a Inglaterra, que reconhecia como nulo o Laudo Arbitral. Naquele mesmo ano. No entanto, a Guiana conquistou a independência, o que na prática manteve o acordo em suspenso até hoje. Desde então, a Venezuela considera o caso em aberto, à espera de uma solução.
A disputa voltou a esquentar em 2015, quando foi descoberto petróleo na região de Essequibo. Estima-se que na Guiana existam reservas de 11 bilhões de barris, cuja parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar. Por causa das reservas fósseis, a Guiana tornou-se o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos, a uma taxa de 40% ao ano.
O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, do Partido Cívico Popular Progressivo, classificou a ofensiva venezuelana como “provocativa, ilegal, nula e sem efeito jurídico internacional”. Também acusou o líder venezuelano de crime internacional ao tentar enfraquecer a integridade territorial do Estado soberano da Guiana, violando a Carta da ONU (Organização das Nações Unidas).
O país também defende o Tratado de Washington de 1897. “Durante mais de seis décadas, a fronteira foi internacionalmente reconhecida, aceita e respeitada pela Venezuela, pela Guiana e pela comunidade internacional como sendo a fronteira terrestre entre os dois Estados”, disse o governo do país.
Brasil
Há uma semana, na quinta-feira (30), houve uma tímida primeira manifestação do governo brasileiro, por meio do Ministério da Defesa, informando que aumentou a presença militar na região de fronteira no Norte do país, próximo a Venezuela e Guiana de 60 para 120 militares. A notícia virou ‘’meme’’ e gozação nas redes sociais.
O ‘’reforço’’ atendeu um pedido do senador Hiran Gonçalves (PP-RR), que solicitou reforço nas tropas em Pacaraima (RR), cidade na fronteira com Essequibo. Além disso, a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, diplomata Gisela Maria Figueiredo Padovan, disse que o Brasil acompanha a questão com “atenção” e mantém conversas de alto nível com ambos os países em “busca de uma solução negociada”. Afirmou que o governo brasileiro considera o referendo como um “assunto interno do país”.
Nicolás Maduro
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, 60 anos, comanda um regime autocrático e sem garantias de liberdades fundamentais. Mantém, por exemplo, pessoas presas pelo que considera “crimes políticos”. O Brasil é seriamente impactado com a imigração de milhares de venezuelanos que atravessam a fronteira entre os dois países diariamente. Estima-se em 300 cidadãos venezuelanos cruzem a fronteira para entrar no Brasil, todos os dias.
Há também restrições descritas em relatórios da OEA (Organização dos Estados Americanos) sobre a “nomeação ilegítima” do Conselho Nacional Eleitoral por uma Assembleia Nacional ilegítima, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (de outubro de 2022, de novembro de 2022 e de março de 2023).
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.