Analfabetismo atinge 15,2% das crianças. No Pará e Maranhão o índice sobre para 40%

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Segundo o Ministério da Educação, a cada 20 crianças de até 8 anos, três não sabem ler ou escrever. Situação é mais grave nas regiões Norte e Nordeste

Ninguém duvida do salto quantitativo do Brasil no ensino fundamental, com quase 98% das crianças de 7 a 14 anos matriculadas. A baixa qualidade da educação, porém, é verificada logo na aprendizagem de um conteúdo que pode definir a vida intelectual do aluno: a alfabetização. Dados do Ministério da Educação (MEC), com base no Censo 2010, mostram que a cada 20 crianças de até 8 anos no país, três não sabem ler ou escrever. O número fica pior nas regiões Norte e Nordeste. No Pará e Maranhão, por exemplo, beira os 40% a proporção de meninos e meninas nessa situação. Um grande plano para combater o problema já foi fechado pela pasta e aguarda espaço na agenda da presidente Dilma Rousseff para fazer o lançamento.

Intitulado de Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, o projeto prevê o treinamento de aproximadamente 300 mil professores alfabetizadores no Brasil. Cerca de 5 mil municípios, nas 27 unidades da Federação, já aderiram ao programa do governo federal, gerenciado pelo MEC. A ideia da pasta é implantar polos de formação presencial, onde haverá um encontro por mês. O resto do curso, que terá duração de dois anos, será feito por meio de materiais específicos. Novos livros didáticos para o ciclo de alfabetização — do 1º ao 3º ano —, já foram comprados e chegarão às escolas em janeiro, segundo o secretário de Educação Básica do MEC, Cesar Calegari.

Calegari explica que o programa não lançará mão de métodos revolucionários de alfabetização. “A metodologia será totalmente vinculada à prática dos professores alfabetizadores na sala de aula. É menos teoria e mais prática. Eles aprenderão como lidar com as dificuldades dos alunos, com a diversidade das turmas”, diz Calegari. Para ganhar o engajamento da categoria e evitar a evasão ao longo do curso oferecido pelo governo federal, o MEC dará uma bolsa de ajuda de custo para quem se interessar. “Não estão definidos os valores ainda, mas é para cobrir gastos e incentivar mesmo, já que o professor terá que estudar aos sábados”, explica o secretário.

Para Anna Cristina de Araújo Rodrigues, pós-graduada em gramática da língua portuguesa pela Universidade de Brasília e com experiência de 20 anos em sala de aula, inclusive como alfabetizadora, investir no professor é fundamental para melhorar a etapa escolar. “A falta de preparo do docente, que não recebe formação adequada no seu curso de pedagogia ou de magistério, está entre as muitas causas da alfabetização deficiente. O profissional sai um generalista, o que dificulta a vida em relação ao processo de alfabetização”, destaca a especialista. “E, infelizmente, o professor de hoje, que será uma referência na vida do aluno durante muito tempo, tende a ser alguém que lê pouco.”

O próprio currículo, na avaliação dela, também é um empecilho para a plena alfabetização. “Saber decodificar as letras é uma coisa. Mas a alfabetização se estende um pouco, até o momento em que a criança sabe não só ler, mas entender o que leu, e também escrever, o que é muito mais difícil. Acontece que a escola, os currículos, as gramáticas querem logo que o menino aprenda classes gramaticais, depois sintaxe. E quando o aluno se vê no ensino médio, precisando escrever um parágrafo para fazer o Programa de Avaliação Seriada (PAS), por exemplo, percebe que não sabe escrever”, diz a professora. Mas não é só a experiência dentro de classe que pesa para a qualidade do ensino, completa, a vivência fora dela também é importante. “A criança que convive com pais instruídos, que leem jornal, terá desempenho melhor.”

Ambiente
As condições de vida e de acesso à escola são outro ponto fora do alcance dos professores que podem ajudar ou atrapalhar na alfabetização. “O Norte e Nordeste são locais historicamente mais defasados em termos educacionais, onde há os mais altos índices de analfabetos, além de dificuldades de toda ordem”, ressalta Anna Cristina. Ela cita escolas distantes de casa e ambiente doméstico desestruturado, entre outros pontos, como fatores que podem levar a problemas na escola. “É um conjunto de fatores que leva aos índices elevados de analfabetos funcionais no Brasil, ou seja, aqueles que reconhecem as letras e palavras, mas não conseguem compreender.”

Para Maria de Salete Silva, coordenadora do Programa de Educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), chegar à metade da primeira etapa do ensino fundamental alfabetizado é o mínimo que se pode esperar de um sistema educacional. “Essa questão da idade já foi muito discutida. Por que oito, se as crianças começam a serem alfabetizadas antes, com seis? Acredito que isso é o que menos importa. O que queremos é toda criança que termina o 3º ano, considerada a etapa final do ciclo de alfabetização, plenamente alfabetizadas. Não é saber desenhar o próprio nome, mas, sim, escrever, ler e interpretar”, destaca Salete.

O alerta faz sentido se considerados os últimos dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), criado em 2001 pelo Instituto Paulo Montenegro e mensurado pelo Ibope. Os números mais recentes, divulgados em julho, mostraram que somente 3% da população adulta brasileira (15 a 64 anos) que fez até a 4ª série (atual 5º ano) é plenamente alfabetizada. A maior parte, 44%, tem alfabetização rudimentar, ou seja, localizam uma informação explícita em textos curtos e familiares, leem e escrevem números usuais e realizam operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias. Quando a análise envolve quem terminou o ensino fundamental, o Inaf revela que um em cada quatro brasileiros ainda estão classificados no nível rudimentar.

“Saber decodificar as letras é uma coisa. Mas a alfabetização se estende um pouco, até o momento em que a criança sabe não só ler, mas entender o que leu, e também escrever, o que é muito mais difícil”
Anna Cristina de Araújo Rodrigues, especialista

Categorias
O Inaf define quatro níveis de alfabetismo em duas categorias. Na de analfabetos funcionais, há os analfabetos — que não conseguem ler palavras e frases, embora uma parcela saiba ler números familiares  — e os alfabetizados em nível rudimentar, com pouca desenvoltura. Nos funcionalmente alfabetizados, existem os de nível básico — que leem e compreendem textos de média extensão, números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade — e os de nível pleno. Esses últimos compreendem e interpretam e analisam textos mais longos.

Fonte: Correio Braziliense