Ação de Mantega na Vale desagrada à presidente

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Dilma confiou ao ministro da Fazenda articular a saída de Agnelli do comando da Vale, mas ficou insatisfeita após vazarem notícias de reunião com o Bradesco. Falta de tato de Mantega na Vale desagrada a Dilma

A presidente Dilma Rousseff confiou ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, a missão de articular a troca de comando na Vale, impedindo uma recondução de Roger Agnelli ao cargo de presidente-executivo da empresa na próxima reunião anual da assembleia de acionistas, marcada para 19 de abril. Mas não está satisfeita com a forma como Mantega tem conduzido o processo. O vazamento de informações sobre uma reunião de Mantega com o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, na sexta-feira passada, em São Paulo, para tratar da sucessão, deixou o Palácio do Planalto desconfortável.
A reunião com Lázaro Brandão, em que Mantega teria oficializado o interesse do governo na troca de comando da Vale, noticiada ontem pelo “Estado de S.Paulo”, não foi confirmada nem desmentida pelo Ministério da Fazenda. Mantega não quis comentar o assunto.

A leitura é que o ministro da Fazenda – por decisão da presidente Dilma, o único interlocutor do governo nesse processo – não estaria tendo a habilidade esperada pelo Palácio do Planalto para conduzi-lo e deixou o governo exposto, porque a própria Dilma havia declarado há poucos dias, em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, que não sabia nada sobre a sucessão na Vale.

O mandato de Agnelli, à frente da Vale há dez anos, acaba no dia 30 de abril, e o governo trabalha fortemente nos bastidores pela sua substituição. A competência do executivo é reconhecida e destacada nas avaliações sobre a gestão na Vale. O problema seria a falta de alinhamento com a visão e as políticas do governo.

A situação do executivo no governo é muito desconfortável e piorou ainda mais com a cobrança pública do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, de uma solução para o impasse entre a Vale e municípios mineradores, que reivindicam R$5 bilhões da empresa. Nas últimas semanas, Agnelli pôde contar com apenas dois interlocutores no governo: o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.

Ações ON da mineradora chegaram a cair até 1,79%

Mantega não levou nomes para substituir Agnelli à reunião com Lázaro Brandão, porque no governo não existe um nome de consenso com tais credenciais. Desde que a presidente Dilma assumiu, surgiram vários candidatos na mídia que seriam do agrado da presidente, mas as apostas não ganharam fôlego.

Há uma preocupação do governo de encontrar um nome que agrade ao mercado para minimizar o desgaste da sucessão. Ontem, por exemplo, sob o impacto da notícia da reunião com Lázaro Brandão, as ações da empresa recuaram e foram o principal destaque negativo da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Os papéis preferenciais (PNA, sem direito a voto) recuaram 0,43%, para R$46,68, mas chegaram a registrar queda de 1,45% ao longo do pregão. Já as ações ordinárias (ON, com direito a voto) caíram 0,57%, para R$52,70, mas a perda chegou a 1,79% durante o dia. Causa preocupação no mercado o perfil do sucessor e a ingerência política no comando da empresa.

– A presidente Dilma tem indicado pessoas técnicas para os órgãos governamentais. Mas não sabemos se isso vai acontecer no caso da Vale, caso Agnelli saia, pois o governo vem tentando ampliar a influência sobre a empresa. Se alguém com perfil político assumir a mineradora, isso poderá trazer implicações para as diretrizes da empresa – diz Pedro Galdi, da SLW Corretora.

A confirmação de que o ministro teria assumido o comando da operação para tirar Agnelli da Vale foi muito mal recebida na empresa. Agnelli preferiu não se manifestar sobre o assunto ontem, mas em conversas reservadas com diretores externou sua posição:

– A única resposta que posso dar está no balanço da empresa. A Vale é a maior empresa do Brasil e a melhor mineradora do mundo.

Só este ano, a Vale pretende investir US$24 bilhões no Brasil e no exterior. Na avaliação de interlocutores de Agnelli, as críticas do governo de que a Vale não investe em siderurgia não têm fundamento. Lembram que a empresa é uma mineradora e que não veem cobrança de outras siderúrgicas. A articulação comandada pelo ministro da Fazenda é considerada inapropriada, porque estaria passando por cima dos demais acionistas e ferindo procedimentos previstos no estatuto da Vale para a troca de comando.

Segundo essas regras, o Conselho de Administração precisa contratar uma empresa especializada que ficará encarregada de buscar no mercado três nomes de executivos com perfil para comandar a mineradora. Esses nomes são avaliados e o escolhido precisa ser aprovado por consenso.

Se Bradesco ceder à pressão, Agnelli fica em situação difícil.Caso o Bradesco ceda às pressões políticas para a substituição, será difícil Agnelli se manter na presidência da mineradora. O acordo de acionistas, firmado na época da privatização da Vale, em 1997, exige um mínimo de 67% dos votos dos controladores para destituir o presidente da companhia. Somando as participações de Littel (que reúne fundos de pensão de funcionários de estatais) e BNDESPar na Valepar – holding que controla a Vale -, as instituições ligadas ao governo teriam 61,51% dos votos, insuficientes, portanto, para definir sozinhas o futuro de Agnelli. Com os 21,21% do Bradesco na Valepar, a cota mínima estabelecida em contrato seria facilmente atingida. A japonesa Mitsui tem os 18,24% restantes da Valepar. A holding tem 53% das ações com direito a voto da Vale.

A ingerência de Mantega na sucessão da Vale repercutiu no Congresso. O deputado José Otávio Germano (PP-RS) apresentou requerimento na Comissão de Minas e Energia pedindo a realização de uma audiência pública para que o ministro da Fazenda explique a “suposta intervenção do Poder Federal na Diretoria-Executiva da Vale”.

Fonte: O Globo