Após 32 anos e 9 eleições, tem início redução de partidos no Congresso Nacional

O excesso de legendas inviabiliza a governabilidade do sistema presidencialista

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Brasília – Há 32 anos, quando houve a primeira eleição geral para a composição do Congresso Nacional após a redemocratização do país, a Câmara dos Deputados era composta por 503 deputados federais. Hoje esse número aumento dez cadeiras, totalizando 513 deputados eleitos conforme a proporcionalidade da população de cada estado. De acordo com a Constituição, o Senado Federal, continua com as mesmas 81 vagas daquela eleição, preenchendo três vagas de senadores por unidade estadual mais o Distrito Federal. No Senado, esse número só pode ser alterado numa possibilidade, a criação de um novo Estado. Mas, só agora, em 2022, o eleitor mandou para o espaço, várias legendas de aluguel que se aboletaram no Congresso Nacional pelas mais diversas razões, 99,9% escusas.

Quando se coloca uma lupa para analisar sob a perspectiva político partidária como chegamos até aqui, o que aconteceu com a representatividade inicialmente pensada pelo legislador da Constituição de 1988, o que vemos hoje é uma brutal modificação no quadro político partidário nos últimos 32 anos do ais longevo período democrático do Brasil.

Das eleições gerais realizadas em 1989, primeira eleição presidencial do país após a promulgação da Constituição Federal de 1988. No total, 22 candidatos a Presidente e 22 a Vice-presidente do Brasil concorreram na eleição. Os principais candidatos à presidência foram: o liberal Fernando Collor de Mello (PRN, atual Agir), o sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (PT), o trabalhista Leonel Brizola (PDT), o social-democrata Mário Covas (PSDB), e o conservador Paulo Salim Maluf (PDS, atual Progressistas). Foi a primeira eleição direta brasileira em que presidente e vice-presidente da República foram eleitos juntos, norma mantida nos pleitos seguintes e que continua até hoje.

Desde então, os partidos políticos se proliferaram como uma praga de gafanhotos, alguns deles com apetite maior do que as nuvens de insetos que aterrorizam lavouras mundo afora e com comportamento de seus líderes idêntico ao de ratos.

Houve uma degeneração ética, uma deformação da representatividade, cujo objetivo maior era atender o interesse de grupos que queriam poder e dinheiro fácil. Apenas no último domingo (2), após a abertura das urnas, o país pode vislumbrar, desde 1979, com o fim do bipartidarismo, uma saudável diminuição do número de legendas nanicas e irrelevantes.

Linha do tempo da redemocratização (1989-2022)

Vários fatos relevantes antecederam o que iria acontecer a partir de 1989 na política nacional. Veja o aconteceu.

1979

O fim do bipartidarismo
A Arena e o MDB são dissolvidos, e o Congresso estabelece o prazo de 180 dias para a organização de novos partidos. Para obter registro definitivo, as legendas precisam realizar convenções em pelo menos nove Estados e em 20% dos municípios brasileiros. A professora primária Eunice Michiles, filiada à Arena, é a primeira mulher a tomar posse como senadora da República, pelo Amazonas.

1980

O surgimento de novos partidos
Cinco partidos conseguem obter registro para concorrer às eleições de 1982: PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PDT (Partido Democrático Trabalhista), PT (Partido dos Trabalhadores), PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e PDS (Partido Democrático Social).

1982

A votação num partido só
As eleições para governador voltam a ser diretas. Os partidos são obrigados a apresentar candidatos para todos os cargos em disputa, e os eleitores só podem votar em um único partido (se a escolha fosse pelo governador do PTB, os demais cargos também tinham que ser preenchidos por candidatos do mesmo partido), no que ficou conhecido como “voto vinculado”.

1983

O primeiro indígena eleito
O cacique xavante Mário Juruna toma posse como deputado federal após ter sido eleito pelo PDT do Rio de Janeiro. Nascido na aldeia Namurunjá, em Barra do Garça (MT), ele ficou conhecido pela defesa dos direitos de seu povo e andava com um gravador embaixo do braço para provar que “os homens brancos gostam muito de mentir.”

1984

A tentativa do voto direto para presidente
É realizada a Campanha pelas Diretas Já, com manifestações em todo o país, em apoio a uma Emenda Constitucional, chamada Dante de Oliveira, que tramitava no Congresso. A emenda propõe a adoção das eleições diretas para a Presidência, mas acaba sendo rejeitada em abril de 1984.

1986

Cadastro informatizado
É realizado um recadastramento eleitoral, com a informatização de dados dos eleitores. Um novo título de eleitor é adotado, sem foto.

1988

A expansão do eleitorado
Jovens de 16 e 17 anos têm o direito ao voto, que é facultativo para esse grupo. Pela primeira vez, todos os prefeitos do país são eleitos simultaneamente. Surge o PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), como uma dissidência do PMDB. É adotado o sistema de maioria absoluta em dois turnos para a escolha dos chefes do Executivo (presidente, governadores e prefeitos de cidades com mais de 200 mil eleitores). Presidente e vice-presidente são eleitos em chapa única.

1989

A escolha para presidente em dois turnos
A eleição do presidente da República volta a ser direta. Pela primeira vez, a escolha acontece com a regra dos dois turnos. Fernando Collor, do nanico PRN (Partido da Reconstrução Nacional), é eleito presidente.

1991

O primeiro senador negro
O ator, diretor e dramaturgo Abdias do Nascimento (PDT-RJ), que era suplente de Darcy Ribeiro (PDT-RJ) no Senado, assume o cargo provisoriamente em 1991 ― em 1997, ele tomaria posse de maneira definitiva com a morte de Ribeiro. Primeiro senador negro, Abdias foi militante da luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra.

1992

Congresso remove o presidente
Collor renuncia à Presidência para evitar a inelegibilidade por oito anos. Mesmo assim, seu impeachment é aprovado pelo Congresso, e ele perderia os direitos políticos até 2000. Seu vice, Itamar Franco, que havia deixado o PRN, assume o cargo sem estar filiado a algum partido. Posteriormente, iria para o PMDB e implementa o Plano Real.

1994

Quatro anos para o presidente
Emenda Constitucional reduz de cinco para quatro anos o mandato presidencial. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) é eleito presidente da República ainda no primeiro turno em decorrência do sucesso do Plano Real.

1995

A criação de novas legendas
É criada a Lei Orgânica dos Partidos. Para obter registro definitivo, os partidos precisam apresentar uma lista com milhares de assinaturas (pelo menos 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados) colhidas em ao menos nove estados (com no mínimo 0,1% do total de comparecimento eleitoral de cada estado).

1996

A chegada da urna eletrônica
Pela primeira vez, a urna eletrônica, desenvolvida para acabar com as fraudes frequentes nas eleições realizadas com cédulas de papel, é usada em 57 municípios brasileiros.

1997

A aprovação da reeleição
É criada a Lei Eleitoral, com normas para as eleições do Executivo e do Legislativo. Emenda Constitucional permite a reeleição dos chefes do Executivo para um único período subsequente. O processo é marcado por suspeitas de corrupção de FHC, no escandaloso caso da “Pasta Rosa”.

1998

O primeiro presidente reeleito
Pela primeira vez, um presidente da República pode concorrer à reeleição. Fernando Henrique Cardoso repete o desempenho de 1994 e se reelege também em primeiro turno, as duas vezes disputando contra Luiz Inácio Lula da Silva.

2000

A urna eletrônica chega a todo o país
Todos os eleitores brasileiros, dos 5.568 municípios do país, votam por meio da urna eletrônica.

2002

Regras para as coligações
O TSE adota a regra da verticalização, que proíbe partidos adversários nas eleições presidenciais de se coligarem na disputa estadual. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é eleito presidente da República.

2010

Identificação biométrica
A verticalização é abandonada. A urna com leitor biométrico é utilizada em 600 municípios de 23 estados. Dilma Rousseff (PT), ex-ministra do governo Lula, é eleita presidente da República.

2015

Proibido o financiamento por empresas
Reforma eleitoral barra o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas. O tempo mínimo de filiação a um partido para o candidato que quiser disputar as eleições cai de um ano para seis meses, o que dá aos políticos mais tempo para escolher uma legenda competitiva para concorrer. O tempo de campanha eleitoral é reduzido de 90 para 45 dias, e o de propaganda de rádio e TV, de 45 para 35 dias ― os eleitores ficam com menos tempo para conhecer os candidatos.

2016

Novo impeachment
Reeleita em 2014, Dilma Rousseff perde o mandato, por decisão do Congresso, pela acusação de ter cometido as chamadas “pedaladas fiscais”. Seu vice, Michel Temer (MDB), assume a Presidência.

2017

Restrição às coligações
O Congresso aprova proposta que proíbe as coligações partidárias nas eleições proporcionais e estabelece cláusulas de desempenho para as legendas terem acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e televisão. O objetivo é impedir que candidatos com baixo percentual de votos sejam eleitos, dificultando o funcionamento dos chamados “partidos de aluguel”. É criado o Fundo Especial de Financiamento de Campanha para financiar campanhas eleitorais com recursos públicos.

2018

Do Congresso ao Planalto
O deputado federal Jair Bolsonaro, recém-filiado ao PSL (Partido Social Liberal), é o primeiro presidente eleito sob as novas regras de financiamento e tempo reduzido para a campanha eleitoral.

2021

A união de partidos em federações
O Congresso aprova a formação de federações partidárias, em que os partidos podem se coligar, disputar eleições e atuar juntos no Legislativo por pelo menos quatro anos, como se fossem uma só entidade.

Pulverização

O eleitor brasileiro, no domingo (2), resolveu se “armar do título de eleitor” e tal como um caçador de insetos domésticos, disparou o aerossol com veneno para eliminar de uma vez por todos os partidos que existem para tumultuar o sistema presidencialista e enriquecer alguns vigaristas que se aproveitam das vantagens de ser “dono de partido no Brasil”. Abertas as urnas, várias dessas legendas não receberam votos suficientes para eleger nenhum representante.

A “pulverização partidária” que a Câmara dos Deputados vinha registrando desde as eleições de 2002 foi estancada. Em 1990, 19 partidos tinham representantes na Câmara; em 1994 e 1998, 18. Em 2002, esse número voltou para 19, subindo para 21 em 2006, 22 em 2010, 24 em 2014 e 30 em 2018.

Nas eleições do último domingo (2), 23 partidos conquistaram pelo menos uma cadeira. Mas apenas 13 superaram a chamada “clausula de barreira” e garantiram representação.

A redução da quantidade em relação a 2018 ocorre por conta de fusões partidárias, incorporações de siglas e perda de representação.

Nas eleições deste ano, além disso, apenas 13 partidos ou federações conseguiram superar a cláusula de barreira — ou seja, eleger 11 deputados federais em pelo menos nove estados ou ultrapassar 2% dos votos válidos na eleição para a Câmara.

Portanto, PSC, Patriota, Solidariedade, Novo, Pros e PTB, que elegeram deputados, devem aumentar a lista de fusões ou incorporações por outra sigla. Outra possibilidade é a migração dos eleitos para outra legenda.

O dia seguinte após a apuração

O PL, do presidente Jair Bolsonaro, foi o partido que mais elegeu deputados para a Câmara neste ano: 99. A maior bancada da legenda até então havia sido eleita em 2014, com 41 parlamentares. Na época, a sigla tinha o nome de Partido da República (PR).

Em 2018, o PSL, então partido de Bolsonaro, elegeu 52 deputados.

No início deste ano, quando o presidente já havia deixado o partido, o PSL se fundiu com o DEM — que elegeu 29 deputados há quatro anos. A fusão das siglas resultou no União Brasil, que conquistou, agora, 59 cadeiras na Câmara.

PT e PSOL aumentam bancadas

O PT se beneficiou com a candidatura de Lula e é a sigla de “esquerda” com maior representação na Câmara desde 1994. Seu auge ocorreu em 2002, ano da primeira eleição do petista à Presidência, quando emplacou 91 deputados. Os números variaram entre 83 em 2006, 86 em 2010, 68 em 2014 e 54 em 2018.

No pleito deste ano, a bancada do PT voltou a crescer, com 68 parlamentares. Outro destaque da esquerda nas eleições de domingo foi o PSOL, que elegeu 12 deputados federais — o maior número de sua história, embora no Pará a legenda tenha perdido a única cadeira de possuía.

Por outro lado, o PDT e o PSB, siglas históricas da esquerda brasileira, elegeram suas menores bancadas desde 1990 e 1994, respectivamente, descendo para a categoria de partidos nanicos.

MDB volta a se fortalecer e PSDB reforça queda

Nas eleições de 1990 e 1994, o PMDB (atual MDB) foi o partido com mais parlamentares eleitos. Em 1990, emplacou 108 deputados federais; em 1994, 107. O partido ainda liderou a representação em 2006, com 89 parlamentares.

Contudo, na última legislatura, a legenda elegeu a menor bancada de sua história, com 34 parlamentares. Neste ano, apresentou alguma recuperação, com 42 eleitos, graças a performance da Bancada do Pará, da legenda, que acrescentou as 9 novas cadeiras.

Outra sigla que historicamente esteve entre as mais representadas é o PSDB. A legenda tucana elegeu ao menos 50 deputados para a Casa entre 1994 a 2014 — o pico foi em 1998, com 99 parlamentares.

Assim como o MDB, a sigla registrou queda em 2018, com 29 eleitos. Neste ano o PSDB reforçou a tendência de baixa, com 13 deputados eleitos e já é considerado o mais novo nanico do Congresso, fruto dos sucessivos erros desde a saída de FHC do poder.

* Fontes dessa reportagem: “Eleições no Brasil”, de Jairo Nicolau; “História do Voto no Brasil”, de Graciela Elis Reinheimer Jaeger; TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Câmara dos Deputados

Ao longo da semana o Blog do Zé Dudu fará análises mais aprofundadas do resultado dessas eleições históricas em resultados e recados enfáticos dos eleitores.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.