Após décadas de idas e vindas, Congresso aprova reforma tributária

“O texto do novo sistema foi o possível”, disseram em coro os congressistas, que precisam trabalhar dobrado para elaborar as leis complementares para regulamentar a histórica modificação
Na foto, da esquerda para a direita: Weliton Prado (Solidariedade-MG), Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Vitor Lippi (PSDB-SP), Hugo Motta (Republicanos-PB), Arthur Lira (PP-AL), Elmar Nascimento (União-BA), Baleia Rossi (MDB-SP) e Reginaldo Lopes (PT-MG), comemoram o feito histórico para a economia nacional

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O sistema tributário nacional, onipresente desde a ditadura militar, há 40 anos, é uma alma penada a assombrar os congressistas, vários nascidos após os “anos de chumbo”, e que não viveram o martírio da insanidade imposta ao país, como no recente e mais sombrio passado vivido e fim da linha para alguns, a partir de 1964.

Mesmo assim, os “ novinhos” e “novinhas”, podem agora bater no peito e dizer que mudaram o principal sintoma que impede o Brasil sonhar em ser o país do futuro, após cair uma ditadura militar cruel, como, aliás, são todos os regimes de exceção.

Numa improvável sexta-feira (15/12/2023), congressistas que não são afeitos ao trabalho duro nesse dia — reservado a sabe-se lá para quê —, surpreendentemente, participaram e votaram, desde as 10h da manhã, a mais importante reforma que o país implorava: a tributária.

Não foi o texto ideal, mas muito se pode avançar após a regulamentação do sistema, com a apresentação das obrigatórias leis complementares que virão. ‘’Hoje, quem ganhou foi o Brasil’’, é necessário reconhecer, alguns dos cabuladores de sexta, disseram, para causar nas redes sociais.

Dia histórico

Em votação histórica, a Câmara dos Deputados concluiu nesta sexta-feira (15) a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC n° 45/2019) da reforma tributária. Os deputados analisaram e suprimiram algumas das mudanças feitas pelo Senado, que aprovou o texto em novembro, em matéria anteriormente aprovada na Câmara.

As modificações do Senado, por bairrismo do relator e esperteza de senadores escancaradamente lobistas, fizeram com que as simulações feitas na ponta que mexe com o dinheiro: o mercado financeiro, acionasse um sinalizador náutico, daqueles vistos em filmes, que aprovado, a reforma tributária seria um mau ainda maior que o atual sistema, se é que isso seja possível.

Segundo o relator da matéria na Casa que iniciou a tramitação da proposta, deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), em sua fala momentos antes do final da sessão, o espírito da “coisa” de melhorar e não esculhambar de vez, deu certo. Ele disse:

Deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), em sua fala momentos antes do final da sessão, o espírito da “coisa” de melhorar e não esculhambar de vez, deu certo

“Nesse momento histórico, em que ainda muitos de nós estamos nos perguntado se de fato isso está acontecendo, o Parlamento brasileiro entregar ao país um novo sistema tributário”.

“Eu sei que na política a gente debate, discute (…) cada um coloca o seu ponto, mas num ponto, todos nós concordávamos: o sistema tributário que nós temos não existe mais, está falido a muito tempo’’.

“Essa carga que alguns falam que se poderia aumentar já é altíssima. Nós a estamos reduzindo porque nós vamos aumentar a base da arrecadação. Nós vamos eliminar a comutatividade e o resíduo tributário que brasileiro nenhum faz conta [não sabe o quanto é]. Nós não sabemos nem quanto pagamos de imposto nesse país.”

“E nesse modelo atual, quem paga, são os que menos têm, são os que mais precisam. Portanto, estamos vivendo um momento que de fato nós vencemos o impossível”, disse, certeiramente o relator.

“Foi barreira por cima de barreira. Foram aqueles que pregavam o descrédito (…), mas a coragem e a determinação de muitos, fizeram possível esse momento. A reforma tributária sempre esteve na pauta deste Parlamento”, enunciou Ribeiro, para ilustrar a dificuldade de sua aprovação ao longo de inúmeras tentativas frustradas.

A votação

O regimento exige dois turnos para aprovação de uma emenda constitucional e o rito se deu da seguinte forma:

1º turno – 371 votos favoráveis X 121 contrários e 3 abstenções;
2º turno – 365 votos favoráveis X 118 contrários e uma abstenção.

Depois de uma articulação intensa nesta semana, a PEC será promulgada na semana que vem pelo Congresso Nacional. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também é presidente do Congresso, vai decidir o dia em que o evento de promulgação será realizado.

Os deputados e senadores defendem que a promulgação seja realizada como o “ato final” do Legislativo de 2023. O recesso começa em 23 de dezembro, e os congressistas querem fazer do momento um evento, já que uma mudança na tributação do país é discutida há tanto tempo.

A promulgação ainda em 2023 era defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco, respectivamente, os comandantes das duas Casas Legislativas Federais.

Com a conclusão da PEC, a vitória é dividida entre o Legislativo e o Executivo. Lira e Pacheco se reuniram duas vezes nesta semana para chegar a um consenso sobre o texto. Para uma PEC ser aprovada, Câmara e Senado precisam concordar a respeito da proposta e ao longo desse ano, os dois chefões estavam bicudos entre si por razões políticas procedimentais.

No texto aprovado nesta sexta, o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou emendas supressivas para oito temas do texto aprovado no Senado. Dentre os trechos retirados, estão as vantagens para alguns setores e as mudanças em relação aos incentivos na Zona Franca de Manaus.

Essa construção política é intrincada, uma vez que qualquer alteração que acrescentasse nova modificação, a proposta cairia num loop, que a ciência computacional explica melhor que o humanismo da ciência política, portanto, um loop, é o conjunto de instruções que um programa de computador percorre e repete um significativo número de vezes até que sejam alcançadas as condições desejadas, exigida no Regimento Comum do Congresso Nacional, para a aprovação de uma PEC.

A votação foi feita com o plenário esvaziado com deputados participando de forma virtual. A análise da proposta foi realizada em um dia atípico no Congresso, em que não costumam ser marcadas votações.

Mesmo com as alterações para a retirada de trechos incluídos no Senado, a aprovação é considerada uma vitória para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que defendeu e articulou ajustes no texto.

Aguinaldo decidiu manter no texto a prorrogação dos incentivos para o setor automobilístico no Nordeste. O tema, entretanto, não era consenso e foi votado de forma separada. Os deputados aprovaram prorrogar os benefícios tributários para a produção de veículos, mas excluíram a prorrogação do incentivo para a produção de peças para veículos elétricos e a combustão.

Aguinaldo afirmou que as alterações foram sugeridas de modo que o texto não precise voltar para a análise do Senado — olha o loop de novo. A votação da PEC foi acordada depois de intensa negociação entre Câmara e Senado. Lira e Pacheco se encontraram duas vezes nesta semana para negociar o texto. Havia resistência dos senadores que não concordavam com a retirada de alguns trechos.

Corta ou tudo se acaba

Aguinaldo retirou do seu parecer a criação de uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) para beneficiar a Zona Franca de Manaus. A contribuição será substituída pela manutenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados.

Pelo texto, o IPI terá́, em 2027, as alíquotas zeradas em relação aos produtos que não tenham industrialização incentivada na Zona Franca. O relator também diminuiu a lista de setores, serviços e operações que poderiam ter regimes específicos de tributação. As áreas cortadas por Aguinaldo são:

• saneamento;
• transporte;
• aéreo;
• microgeração e minigeração distribuída de energia elétrica;
•concessão de rodovias;
• serviços de telecomunicações com estrutura compartilhada;
• bens e serviços que promovam a economia circular.

Também em relação à Zona Franca, o relator retirou a possibilidade de incentivos fiscais com regime específico para combustíveis e lubrificantes na área.

Atualmente, as atividades de óleo, combustíveis e lubrificantes estão excluídas do benefício que isenta a importação de mercadorias pela região. O relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), havia retirado essa vedação para favorecer o setor na região.

Sobre a transição federativa, Aguinaldo retirou a possibilidade de favorecer os entes federativos que tivessem maior arrecadação de 2024 a 2028. Pelo texto aprovado no Senado, a arrecadação de cada ente no período seria considerada para calcular a divisão do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) aos Estados.

Outras mudanças:

• Cesta básica estendida: excluída do texto a previsão de redução de 60% na tributação dos itens e o cashback obrigatório para pessoas de baixa renda;

• Comitê Gestor: foi excluída a necessidade do presidente do Comitê Gestor ser sabatinado pelo Senado. Também foi retirada a participação das Assembleias Legislativas e Câmaras Legislativas no Comitê Gestor;

• Medicamentos: foi excluída a redução em 100% da alíquota na aquisição de medicamentos e dispositivos médicos por entidades de assistência social sem fins lucrativos.

Na votação, os deputados aprovaram um destaque que reincluiu no texto a equiparação dos salários dos auditores fiscais ao teto do STF (Supremo Tribunal Federal), que atualmente é R$ 41.650,92. Aguinaldo havia retirado o trecho no seu parecer.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.