Ameaçadas de desaparecer após sofrerem uma derrota expressiva nas eleições deste ano em alguns dos maiores colégios eleitorais do Brasil nas eleições municipais, dirigentes do PSDB, PDT e Solidariedade (SD) devem se reunir nas próximas semanas para negociar uma nova federação partidária. A medida é considerada inevitável diante da chamada cláusula de barreira, que estabelece um número mínimo de votos que os partidos precisam nas eleições à Câmara dos Deputados para ter direito a fundo partidário e tempo de TV.
A cláusula, criada em 2017, já havia afetado partidos pequenos — fisiológicos ou não — nas eleições de 2018 e 2022. Com o resultado do último domingo (6), a tendência é de que mude também o destino de algumas das mais tradicionais legendas do país na Nova República, como o histórico PDT, fundado por Leonel Brizola, que num passado distante chegou a disputar o 2º Turno da eleição presidencial.
Atravessando uma profunda crise há quase uma década, o PSDB viu sua bancada federal ser reduzida a 13 parlamentares em 2022 e agora perdeu quase metade de seus prefeitos: saiu de 520 eleitos em 2020 para 269. No berço onde surgiu, São Paulo, foi varrido da Câmara Municipal da maior cidade da América Latina, não elegendo nenhum vereador. O desafio agora é sobreviver à cláusula, que exigirá em 2026 um número ainda maior de votos.
Entusiasta da federação, o presidente do SD, Paulinho da Força, também acompanhou o derretimento da legenda este ano mesmo após a incorporação do PROS: em 2020, os dois partidos haviam conseguido eleger 135 prefeituras, mas agora a sigla ficou com apenas 62.
“Estamos discutindo detalhes com PSDB e PDT. A ideia é tentar fazer a federação mais ampla possível, com até cinco partidos, para não ter um dono. O objetivo é anunciar já em novembro”, anuncia Paulinho da Força. Ele mesmo, só assumiu a cadeira de deputado federal porque o titular Marcelo Lima (PSB-SP) perdeu o mandato por desfiliação do Solidariedade, sem justa causa, após ter sido eleito pela em em 2022. A decisão, por 5 votos a 2, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foi decretada em 7 de novembro de 2023.
O impacto da cláusula de barreira no quadro partidário pôde ser medido numericamente no primeiro turno deste ano. Em 2020, primeira eleição municipal com a regra já em vigor, 29 partidos elegeram prefeitos. No último dia 6, o número de legendas ou federações a vencer em alguma cidade caiu para 21.
Antes das eleições de 2022, o PSDB já havia montado uma federação com o Cidadania para ajudar o parceiro histórico. O PT fez o mesmo com PCdoB e PV para salvá-los do cadafalso. Em uma parceria mais equilibrada, PSOL e Rede também se juntaram em uma federação.
A cláusula de barreira daquele ano estabelecia que para seguir tendo acesso a tempo de TV e fundo partidário seria necessário atender a dois critérios: eleger ao menos 11 deputados federais ou ter 2% dos votos válidos para Câmara, sendo 1% dos votos em pelo menos nove estados.
As três federações sobreviveram à prova de fogo das eleições de 2022. Só que nada indica que o cenário para 2026 será melhor para as legendas, já que todas elas, exceto o PT, elegeram menos prefeitos este ano do que quatro anos atrás.
Para piorar, daqui a dois anos, o “sarrafo” estabelecido pela cláusula de barreira vai subir mais. Os partidos precisarão eleger 13 deputados federais ou ter 2,5% dos votos válidos para Câmara e 1,5% em pelo menos nove estados.
Se as federações tiveram resultados decepcionantes na disputa municipal, as fusões não foram uma estratégia muito melhor. Entre as duas eleições municipais, oito partidos se transformaram em quatro: DEM e PSL se fundiram criando o União Brasil, PTB e Patriotas fizeram o mesmo criando o PRD, enquanto Solidariade (SD) absorveu o PROS, e o Podemos (PODE) incorporou o PSC.
No primeiro turno deste ano, o União foi o único deles a conseguir crescer em relação a 2020, ainda assim timidamente: elegeu no primeiro turno 578 prefeituras, 3% a mais que as 553 que DEM e PSL somados haviam conseguido quatro anos atrás. Todas as outras legendas perderam mais de 40% do número de prefeituras que seus partidos originários haviam eleito em 2020.
Tudo ou nada
Apesar do amplo quadro de derrotas das federações e alianças, a solução para sobreviverem será dobrar a aposta no modelo. As conversas entre PSDB, SD e PDT começaram meses atrás, após os trabalhistas desistirem de uma negociação que vinham fazendo com o PSB, mas foi travada para as eleições. O ponto central é quem manda na federação.
Se o eventual acordo entre herdeiros de Fernando Henrique Cardoso e Leonel Brizola é ideologicamente difícil de compreender, o sentido prático é claro. Os trabalhistas passaram a cláusula em 2022 fazendo 17 deputados. Mas este ano também tiveram péssimo resultado, elegendo 148 prefeitos, menos da metade dos 314 que haviam conseguido quatro anos atrás, e ainda ficou de fora do segundo turno em Fortaleza, principal capital que comandava.
A principal preocupação de dirigentes partidários é em relação ao eventual domínio que uma sigla possa ter sobre a outra dentro da federação. Foi o que ocorreu entre PT, PCdoB e PV. Apesar de a aliança ter ajudado as legendas menores a ultrapassarem a cláusula de barreira com facilidade em 2022, o resultado na disputa municipal deste ano foi desastroso para elas.
Os comunistas saíram de 46 para 19 prefeituras, enquanto os verdes foram de 47 para 14. O PT, por sua vez, ganhou: saiu de 183 para 248, o que deve levar os aliados a ficarem ainda mais reféns das decisões do comando da legenda.
O Cidadania enfrentou o mesmo processo na federação com o PSDB — saindo de 140 prefeitos eleitos em 2020 para 33 neste ano — e rediscute internamente a manutenção da aliança após ficar escanteado das decisões em cidades estratégicas:
“O estatuto das federações causa muito desconforto para os partidos menores. No Rio, tem uma questão prática: sempre fomos aliados do (prefeito) Eduardo Paes (PSD), fui vice na chapa dele, e o PSDB nos derrotou internamente e apoiou o Marcelo Queiroz”, critica o presidente do Cidadania, Comte Bittencourt, que defende uma rediscussão do acordo”.
Representantes do reduzido grupo de siglas pequenas e ideológicas, PSOL e a Rede terão enorme desafio na tarefa de sobreviver à cláusula de barreira de 2026. Os socialistas, que haviam eleito cinco prefeitos em 2020, não conseguiram nenhuma prefeitura neste ano — embora ainda lutem pelo comando da principal cidade do país, São Paulo, com Guilherme Boulos. Perderam a única capital que governava. O prefeito de Belém, do PSOL, não conseguiu se reeleger, ficando em terceiro lugar.
Para piorar, a legenda teve uma queda de 7 para 4 vereadores no Rio, cidade que foi decisiva para o partido ultrapassar a cláusula de barreira em 2022, quando elegeu 5 deputados federais no estado. A Rede também saiu menor da eleição municipal, caindo de 5 para 4 prefeitos.
Presidente do PDT, o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE), admite que o possível acordo com o PSDB está mais baseado em pragmatismo eleitoral do que em afinidade programática, mas diz que ainda é cedo para sacramentá-lo. Ele defende que a conversa sobre as federações envolva a disputa à presidência da Câmara, para tentar obter a anuência de um candidato para a volta de coligações nas eleições proporcionais — instrumento que sempre foi usado por partidos pequenos para sobreviver.
“Estamos discutindo as possibilidades. Federações não estão descartadas, mas não é uma certeza. Passado o segundo turno, vamos ter a maturação para as eleições da Câmara. Como as federações não tiveram o êxito que se esperava delas, uma hipótese é discutir a volta de coligações”, advoga Figueiredo.
Por Val-André Mutran – de Brasília