Brasília – Manifestações em todo o Brasil marcaram o feriado de Finados na quarta-feira (2). Milhões de pessoas, desde a segunda-feira (1º), um dia após as eleições, articularam protestos que se juntaram a caminhoneiros que interditaram rodovias em todos os estados e no Distrito Federal, exceto o Amapá. As convocações dos protestos se multiplicaram em grupos de WhatsApp e Telegram e o pedido mais comum foi a anulação das eleições que,segundo os manifestantes, teriam sido fraudadas.
Os mais radicais pediam em cartazes e palavras de ordem intervenção militar, vários manifestantes tinham demandas claras: os militares deveriam tomar o controle das ruas, o Congresso e o STF deveriam ser dissolvidos, e o presidente deveria permanecer no poder, pelo menos até novas eleições que poderiam ser realizadas após punições aos responsáveis pela alegada fraude no processo eleitoral.
Os protestos generalizados e os apelos às Forças Armadas foram uma escalada da recusa dos apoiadores do presidente Bolsonaro em aceitar a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de ser beneficiado por decisões controversas tomadas por maioria de ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo sobrando provas em condenações em tribunais de primeira e segunda instância que condenaram o ex-presidente a vinte anos de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Bolsonaro, em um discurso de dois minutos na terça-feira (1º), em que não reconheceu sua derrota, disse que apoiava protestos pacíficos inspirados por “sentimentos de injustiça no processo eleitoral”.
Muitos de seus seguidores viram isso como um selo de aprovação. “O que ele disse ontem me deu mais energia para vir”, disse Larissa Oliveira da Silva, 22 anos, que estava sentada em uma cadeira de praia no protesto em São Paulo, apoiando o pé quebrado. “Depois de seus comentários, vi que ele está do nosso lado.”
Mas outros manifestantes disseram que Bolsonaro havia efetivamente desistido de seu acordo de transferir o poder para Lula na terça-feira, então eles estavam se voltando para as Forças Armadas.
Em nota, o Ministério da Defesa do Brasil disse que “as manifestações, desde que ordenadas e pacíficas, são o exercício da liberdade de expressão, de pensamento e de reunião, de acordo com os princípios constitucionais e as leis vigentes”.
Os militares não consideraram intervir na transferência de poder e, se os protestos se expandirem, podem instar o presidente a pedir a seus partidários que voltem para casa, disse uma fonte do Exército. Os militares, que ajudaram a supervisionar a eleição e não encontraram sinais de fraude.
O Ministério da Defesa disse que em breve entregará seu relatório sobre a integridade do voto às autoridades eleitorais.
Na quarta-feira (2), Bolsonaro publicou novo vídeo pedindo que seus apoiadores desobstruíssem as estradas para não prejudicar o direito de ir e vir das pessoas e causar danos à economia do país.
Com uma participação coletiva difícil de ser medida, os manifestantes se reuniram em pelo menos 75 cidades, inclusive em todas as 27 capitais brasileiras, muitas vezes ao redor de bases militares.
Na capital Brasília, como o acesso à Praça dos Três Poderes está interditada por barreiras devido a medidas de segurança adotadas logo após o início dos protestos ainda no domingo (30), os manifestantes se aglomeram na Frente do Quartel General do Exército, no Setor Militar. Não houve ocorrência de atos violentos.
Vice-presidente se manifesta
O vice-presidente da República e senador eleito no Rio Grande do Sul, o general Hamilton Mourão, comentou na sua conta do Twitter o ambiente político após as eleições.
“Brasileiros, há hoje um sentimento de frustração, mas o problema surgiu quando aceitamos passivamente a escandalosa manobra jurídica que, sob um argumento pífio e decorridos 5 anos, anulou os processos e consequentes condenações do ex-presidente Lula (@LulaOficial)”, tuitou Mourão.
“Agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o País numa situação difícil perante a comunidade internacional. As manifestações ordeiras, em justa indignação, são bem-vindas. Vemos nelas famílias, idosos, crianças…todos pessoas de bem”, continuou o vice-presidente.
O agora senador eleito Hamilton Mourão disse que: “Como dizia Churchill — ex-primeiro Ministro da Grã-Bretanha, que liderou a guerra na Europa contra o nazismo na 2ª Grande Guerra Mundial — ‘na derrota temos que ter altivez e sermos desafiadores’. Está na hora de lançar um manifesto explicando isso e dizendo que temos força para bloquear as pautas puramente esquerdistas, além de termos total capacidade de retornarmos muito mais fortes em 2026.
Precisamos viver para lutar no dia seguinte”, conclamou.
Nas vésperas da eleição no segundo turno Mourão escreveu: “A censura prévia promovida pelo TSE afronta a Constituição Federal de 88. Trata-se de ataque direto à liberdade de expressão! Resta clara a evidência de que aqueles que deveriam arbitrar a partida, transformaram-se também em jogadores.
Pela liberdade, está fácil escolher, vamos de Bolsonaro 22!”
Lula quer R$ 200 bi no Orçamento
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus apoiadores não se manifestaram sobre os protestos nas ruas no feriado de Finados. Nesta quinta-feira (3), haverá sessão na Câmara dos Deputados e aguarda-se como será o tom dos recados da bancada aliada do presidente eleito.
As negociações para a transição de governo prosseguem e uma contraofensiva para desarmar o apetite de Lula por dinheiro que não existe no Tesouro Nacional está em curso.
Uma barricada de congressistas da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro já foi escalada para “barrar” as pretensões de Lula em furar o teto de gastos do orçamento do ano que vem. Lula deixou vazar que quer R$ 200 bilhões de gastos previstos para 2023 na estreia de seu terceiro governo.
A reportagem entrou em contato com o presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), deputado federal Celso Sabino (UB-PA), que ainda não respondeu os questionamentos por estar em trânsito, segundo sua assessoria.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.