Brasília – Com alcance internacional, a crise gerada após o descontrole das queimadas nos estados da Amazônia ganhou a atenção dos parlamentares, obtendo “os cinco minutos de fama” de uma atriz que, embora devesse, nunca ganhou o estrelato no debate político, mesmo diante de um cenário trágico de destruição e terra.
A Amazônia foi a principal protagonista do debate hoje na Câmara e no Senado. Vários parlamentares se revezaram na tribuna, preocupados com a repercussão negativa que trará à economia brasileira em razão dos danos ambientais ocasionados pelas queimadas seguidas de desmatamentos indiscriminadamente: em áreas protegidas, reservas ambientais, terras indígenas, próximos à área urbana, nublando de fumaça e cinzas, o céu de São Luis (MA) à Rio Branco (AC), na direção Leste-Oeste. De Boa Vista (RR) à Cuiabá (MT), na direção Norte-Sul. Ninguém escapou.
No senado, o primeiro a se pronunciar foi o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que criticou as políticas de proteção ambiental do presidente Jair Bolsonaro. Para o senador, a gravidade da situação no Brasil, em especial na Amazônia, é fruto de uma política de desmonte das estruturas de fiscalização que o país implementou nos últimos 30 anos e que o atual governo estaria se empenhando em destruir. “Esta crise ambiental tem razões, tem causas. Não se trata de um fato casual, mas é consequência de uma política implementada pelo governo brasileiro”.
O senador paraense Paulo Rocha (PT-PA) disse: “Como humanista, aceito defender a internacionalização do mundo. Mas, enquanto o mundo me tratar como brasileiro, lutarei para que a Amazônia seja nossa, só nossa.” O parlamentar voltou a criticar a declaração na qual o presidente acusa os pequenos produtores e as organizações não governamentais (ONGs) de serem os responsáveis pelos incêndios na Amazônia Legal. Para ele, é preciso que a bancada federal da Amazônia se una para defender um modelo de desenvolvimento que preserve as riquezas naturais da região. “Não dá para respeitar um presidente que fala grosso com os franceses, mas fala fino com os americanos, tentando entregar as nossas riquezas para os americanos”, acusou.
Para o senador nordestino Rogério Carvalho (PT-SE), a Amazônia está sendo devastada. Ele classificou as queimadas como agressão a um patrimônio inestimável do país e disse que a situação piorou no governo Bolsonaro. Ele destacou a agenda “anti ambiental” do presidente, que colocou em dúvida o aquecimento global, e cujas declarações incentivam e promovem o retrocesso ambiental.
“Ele [o presidente] prometeu não dar mais um centímetro de terra aos índios e quilombolas e afirmou que a Amazônia tinha de ser explorada comercialmente, de forma eminentemente predatória, disse”
O roraimense senador Marcos Rogério (DEM-RO) se posicionou contrário à ideia de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as queimadas e o desmatamento na Amazônia, sugerida pelo senador Randolfe Rodrigues. De acordo com o parlamentar, isso prejudicaria os interesses e a soberania nacional, além do interesse regional dos estados amazônicos. Rodrigues acrescentou que “o momento é de maturidade, serenidade e de responsabilidade”.
O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), também de um estado localizado na Amazônia Legal, criticou a repercussão das queimadas na mídia e afirmou que alguns dos concorrentes do Brasil querem tirar proveito comercial de uma situação que é natural no verão. “O Brasil incomoda o mundo. Nós temos repetido isso dezenas e dezenas de vezes. Esquecem que nós somos um grande produtor que concorre com outros gigantes, declarou”.
Internacionalização
O senador Plinio Valério (PSDB-AM) manifestou-se contrário à ideia de internacionalizar a Amazônia. Ele está de acordo com a decisão do governo brasileiro de recusar a ajuda de 20 milhões de euros oferecida pelos países do G7, que acabou sendo aceita após um comunicado lido pelo porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, na noite de terça-feira (27).
Segundo o comunicado, o governo Jair Bolsonaro “não rasga dinheiro” e está aberto a receber ajuda financeira de organismos internacionais desde que a gestão dos recursos seja do Brasil. Rêgo Barros também atrelou a esta condição o recebimento do montante de US$ 20 milhões oferecidos pelos países G7 para ajudar no combate às queimadas da Amazônia. Questionado pela imprensa, ele disse que: “O país não precisa de esmola, e sim de amizade”. Questionando, ainda, “a razão de a ajuda ocorrer apenas agora.”
Na Câmara dos Deputados
A Amazônia também foi o assunto principal antes da leitura da Ordem do Dia da sessão conjunta do Congresso Nacional, convocando deputados e senadores para analisarem e votarem os vetos presidenciais, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 e os projetos de créditos orçamentários.
Na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o presidente do colegiado, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), informou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deve ser ouvido pelo colegiado no próximo dia 4 de setembro, às 9h30. A presença dele atende a requerimento do deputado Chico D’Angelo (PDT-RJ).
A situação no maior bioma brasileiro também mobilizou outros colegiados da Câmara na manhã de hoje. Salles ainda deverá ser ouvido em audiência conjunta com a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia. Uma terceira comissão, a de Trabalho, também aprovou convite a Salles para falar do mesmo assunto, com base em requerimento da deputada Professora Marcivania (PCdoB-AP). Ela deve se juntar às outras duas para ouvir o ministro.
Demissão no Inpe
Além de Salles, as comissões da Câmara querem debater com o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, sobre a mudança na direção do Inpe.
A Comissão de Integração Nacional aprovou hoje um requerimento do deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) para que Pontes preste esclarecimentos sobre a demissão do ex-diretor Ricardo Galvão e a nomeação do novo diretor do órgão, o oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião. Pontes será ouvido no dia 12 de setembro, às 10 horas, em audiência realizada conjuntamente com outras duas comissões (Ciência e Tecnologia, e Meio Ambiente).
Galvão foi demitido no início do mês, após uma polêmica com o presidente Jair Bolsonaro sobre os dados divulgados pelo Inpe que mostraram alta do desmatamento da Amazônia. Bolsonaro acusou Galvão de estar “a serviço de alguma ONG”. O pesquisador reagiu e em entrevista à imprensa disse que a atitude do presidente foi “pusilânime e covarde”.
Além de ouvir os ministros, a Comissão de Trabalho deverá realizar uma audiência pública para debater as consequências do aumento de queimadas na Amazônia e o combate a ações criminosas na região. O pedido do debate foi feito pelo deputado Rogério Correia (PT-MG). O debate ainda não tem data marcada.
Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.