Aprovada na Câmara MP que altera Código Florestal

Criada no governo Temer, MP tratava de prazo para regularização de propriedades às normas da lei de 2012. Relator da matéria, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR) defendeu a aprovação do texto

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Após calorosas discussões entre governistas e partidos da oposição, o Plenário da Câmara dos Deputado aprovou na noite da terça-feira (29), a Medida Provisória 867/18, que muda vários pontos do Código Florestal (Lei 12.651/12), um deles quanto às exigências de recuperação de reserva legal. Com a aprovação a matéria segue para votação no Senado.

A tramitação da MP 867 divide setores ligados ao meio ambiente e ao agronegócio. Seu objetivo inicial era adiar o prazo para regularização de propriedades rurais fora das normas do Código Florestal Brasileiro de 2012. Mas a MP ganhou 35 adendos e os impactos da aprovação podem afetar até o cumprimentos de metas do Acordo de Paris. A medida entrou em vigor em 26 de dezembro de 2018, mas precisava passar pela Câmara dos Deputados e pelo Senado até o dia 3 de junho para não “caducar” e perder a validade.

Originalmente, o texto apenas prorrogava o prazo de adesão do produtor rural ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) até 31 de dezembro de 2020, condição para não haver restrições de crédito.

Editada ainda no governo Temer, a MP 867 teve incluído por vários deputados em seu texto original adendos  transformando-o num projeto de lei de conversão, de autoria do deputado Sérgio Souza (MDB-PR), cuja redação apontava que os proprietários que desmataram áreas de reserva legal poderão calcular o total a recuperar com base em percentuais anteriores ao atual Código Florestal e somente sobre o que existia de vegetação nativa na época.

O atual código dispensa os proprietários de recuperação da área se eles obedeceram ao percentual exigido à época do aumento (de 50% para 80% na Amazônia, por exemplo). Por isso, o PRA existe para verificar essa condição e regularizar o imóvel, estabelecendo em quais casos deve haver recomposição florestal.

Com o novo texto, mudam os parâmetros para esse cálculo. No caso do Cerrado, o percentual de reserva legal que deverá ser mantida é de 20% sobre o que existia de vegetação nativa em julho de 1989, ano da Lei 7.803/89. Por exemplo, se nesse ano a propriedade já tivesse apenas 10% de vegetação nativa, os 20% incidirão sobre esses 10% restantes, perfazendo 2% da área total.

Quanto à floresta amazônica, a mesma regra se aplica, com algumas variações ao longo do tempo devido a legislações diferentes. O percentual de 50% incidirá sobre o que havia de vegetação nativa em 1965, 1989 e 1996. Neste último ano, o conceito de floresta amazônica se estende ao norte do Centro-Oeste, ao norte de Mato Grosso e ao oeste do Maranhão, mas com o mesmo índice.

A partir de 2001, sobre o que havia de vegetação nativa deverá incidir o percentual de 80% exigido desde então pela MP 2.166-67.

O texto de Sergio Souza dispensa ainda a anuência do órgão ambiental competente da época na qual os índices foram mudados.

Sete pontos centrais sobre a MP 867

A MP foi assinada por Michel Temer, em 26 de dezembro de 2018, adiando o prazo para que proprietários rurais se adaptassem ao Código Florestal. Mas recebeu 35 emendas na Câmara e algumas fogem ao tema central – chamadas “jabutis” no jargão parlamentar;

Para ambientalistas, essas emendas suavizam a exigência de restaurar áreas nativas determinada pelo Código Florestal e, portanto, dificultam que o Brasil alcance as metas do Acordo de Paris;

O Observatório do Código Florestal estima que entre 4 e 5 milhões de hectares de área que deveria ser recuperada serão perdidos com a aprovação da MP – o equivalente a dois estados de Sergipe.

Como o Código tem apenas sete anos, alterações significativas no conteúdo podem produzir insegurança jurídica. O relator argumenta que, na verdade, a MP não faz grandes mudanças no Código, evita a necessidade de novas prorrogações nos prazos de regularização e, portanto, traz mais segurança jurídica;

A inserção de “jabutis” pode ser questionada como inconstitucional. O relator diz que, na verdade, muitas emendas eram parecidas e insiste que a essência do Código não foi prejudicada;

Representantes do agronegócio temem transmitir a imagem, especialmente no exterior, de que não querem seguir o Código. Apenas 4% dos proprietários de imóveis rurais ainda não se adaptaram à legislação. O relator diz que a MP facilita a vida pequenos produtores que ainda não conseguiram se regularizar;

Segundo ambientalistas, a MP representaria uma anistia de grandes produtores rurais que ainda não obedecem a lei, impactando os biomas mais degradados do país, como o Cerrado. O relator afirma que são os estados que dificultam a regularização daqueles que ainda não se adequaram ao Código.

Entenda a MP 867?

O Código Florestal (Lei 12.651/2012) regularizou terras desmatadas até 22 de julho de 2008. Ele deu benefícios aos proprietários dessas áreas, como a redução nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a possibilidade de compensar áreas de Reserva Legal (RL) em outro imóvel. Já quem desmatou depois dessa data precisaria seguir à risca o novo Código.

A princípio, a MP assinada pelo então presidente Michel Temer no fim de 2018 tinha a finalidade de dar mais prazo para que esses proprietários de imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) – na prática, mais prazo para regularizar a propriedade conforme as normas do Código.

Com a MP, o prazo para aderir ao programa passaria de 31 de dezembro de 2018 para 31 de dezembro de 2019, com a possibilidade de prorrogação por mais um ano. Esse já seria o quinto adiamento seguido.

“Fizemos a prorrogação porque muitos estados ainda não fizeram o seu Programa para receber esses dados”, afirma o deputado Sergio Souza, relator da medida. “Agora, até o final de 2020, os estados terão que fazer.”

Para André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e líder da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, “isso em si já era ruim”.

“Mas entendemos que o adiamento pode ser feito e é aceitável”, diz Guimarães. O problema, acrescenta, está nas 35 emendas acrescentadas à MP, que está tramitando na Câmara e ainda deve passar pelo Senado.

Segundo o diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, qualquer alteração significativa no Código deve ser fruto de um debate público, e não pode ser feito por meio de Medida Provisória.

“O Código é uma ferramenta importante. Não é perfeito, mas é moderno, especialmente se comparado com outros países. É avançado quanto à preservação e à conservação”, afirma Cornacchioni.

“O problema da MP 867 são esses penduricalhos. Originalmente ela tinha um objetivo, de prorrogação de prazos. Isso precisava mesmo”, acrescenta.

Para regularizar suas terras, o proprietário rural também precisa fazer a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ter esse cadastro é obrigatório para que o produtor tenha acesso a crédito rural, por exemplo. O prazo para o CAR terminou em 31 de dezembro de 2018, mas a MP dá aos proprietários até 2020 para se regularizarem sem perder acesso aos benefícios financeiros.

“Isso não era parte da MP original”, lembra o relator. A ideia, segundo ele, é pressionar os estados para aplicarem o sistema de cadastro sem prejudicar o produtor que precisa de crédito: “Fizemos isso porque era obrigação dos estados dar suporte aos produtores rurais menos favorecidos, mas alguns estados não têm o sistema, principalmente no Nordeste.”

Já foram feitos mais de 5,6 milhões de Cadastros Ambientais Rurais em todo o país.

Para Roberta del Giudice, secretária executiva do Observatório do Código Florestal, a falta de adaptação de alguns estados é, de fato, um problema. Embora todos os estados já tenham um sistema, segundo ela, somente 17 regulamentaram os termos de compromisso para a adequação das terras.

Ela entende que a extensão do prazo do CAR cria uma espécie de anistia. “O CAR é o melhor instrumento do Código para incentivar a regularização”, avalia.

O prazo final para votação da MP é 3 de junho. Se até lá a MP 867 não passar no Congresso, ela caduca, ou seja, deixa de valer.

Se a MP vier a caducar, os parlamentares terão de votar um projeto de decreto legislativo para disciplinar o período em que ela esteve vigente. Neste caso, o decreto servirá para validar a situação de quem regularizou sua propriedade rural enquanto a medida estava em vigor.

Estimativa de áreas irregulares

Tanto ambientalistas quanto alguns representantes do agronegócio dizem que a MP 867 descaracteriza o Código Florestal, uma legislação que foi resultado de mais de uma década de debate e é frequentemente descrita como um “ponto de equilíbrio” para os vários interesses nos territórios rurais.

De acordo com estudo do comitê técnico do Observatório do Código Florestal, “as emendas não somente mudam o prazo de adesão, mas alteram o processo e os requisitos que regulam a adequação ambiental de APPs (Áreas de Preservação Permanente) e Rls (Reservas Legais) de imóveis rurais irregulares ou em descumprimento com o Código”.

Do total das áreas em propriedades rurais, 9 milhões de hectares ainda não se enquadraram no Código Florestal, de acordo com pesquisadores do Observatório. Essa área equivale ao tamanho dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo somados.

O estudo envolve 3,55 milhões de imóveis rurais. Juntos, eles somam 364,16 milhões de hectares. Para chegar a esse resultado, pesquisadores usaram a malha fundiária do Atlas da Agropecuária Brasileira, dados do Mapbiomas e a modelagem do Código Florestal.

Desse total de imóveis, 96% estão cumprindo lei atual. Portanto, só 4% dos imóveis ainda descumprem o Código Florestal.

Por outro lado, esses 4% de propriedades abrangem 9 milhões de hectares, isto é, 20% da área total de imóveis analisados. Essa é a área que, idealmente, poderia ser restaurada se mantida a legislação atual.

Outros biomas

Em todas as outras formas de vegetação sem predomínio de florestas, como o pantanal, o pampa, a caatinga, os campos gerais e os de altitude, deverá ser calculada uma reserva legal de 20% da propriedade sobre o que havia de vegetação nativa no ano 2000 (MP 1.956-50).

Nesse último caso, se a exploração tradicional for de pecuária, o pastejo animal e o manejo estão liberados em toda a área consolidada (quando a lei permitiu a transformação de área de reserva em área de uso econômico).

O único destaque aprovado pelo Plenário, do bloco PP/MDB/PTB, permite o uso de limites menores de manutenção de reserva legal no caso de conversão de uso dessa área em atividade agrícola.

Anistia

Para imóveis de até quatro módulos fiscais, o projeto de conversão dispensa os proprietários que, em 22 de julho de 2008 tinham desmatado toda a propriedade, de recuperarem a vegetação nativa a título de reserva legal.

O atual Código Florestal permite, para essas propriedades consideradas pequenas, a constituição de reserva legal com o que sobrou de mata nativa em 22 de julho de 2008 se em percentual menor que o exigido pela lei.

O texto de Souza estende essa possibilidade também a outros trechos da propriedade que não estavam classificados formalmente como reserva legal.

O módulo fiscal varia em cada estado, atingindo um valor maior em hectares (100 ha por módulo) na Amazônia e no norte do Mato Grosso.

Cadastro rural

Na prática, o texto do relator acaba com o prazo para adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado pelo Código Florestal de 2012 para recolher informações detalhadas sobre o uso que se faz das terras no Brasil e amparar o programa de regularização ambiental, a ser tocado pelos estados, com o objetivo de recuperar áreas de proteção permanente (APAs) e reservas legais.

O dispositivo permite o aproveitamento de área desmatada irregularmente para atividade econômica, sujeita a multa apenas depois de esgotado prazo contado a partir de notificação feita com base em dados do CAR.

Entretanto, o preenchimento do CAR continua condição obrigatória para adesão ao PRA e, a partir de 31 de dezembro de 2020, isso será necessário para concessão de crédito rural.

Outra diferença em relação à MP original é que o projeto de conversão especifica essa restrição apenas para os créditos de custeio e de investimento, deixando de fora os créditos de comercialização.

Procedimentos

Se o estado no qual está localizada a propriedade rural não tiver implementado o PRA até dezembro de 2020, a adesão deverá ocorrer perante o programa federal.

Após o preenchimento do cadastro, se existir passivo ambiental, segundo as novas regras estipuladas no texto de Sergio Souza, o órgão ambiental deverá notificar o proprietário para assinar um termo de compromisso sobre as áreas a serem recompostas.

Pelo Código Florestal, o prazo para recomposição é até 2032. Já o termo de compromisso não terá mais força de título executivo extrajudicial. Ou seja, se a área não for recomposta, a cobrança das multas suspensas não será mais feita automaticamente.

Caberá ainda ao autuado optar entre pagar a multa, aderir ao PRA ou aderir a outro programa governamental de conversão de multas em serviços ambientais.

Multas suspensas

Durante o período de cumprimento do termo de compromisso, o proprietário não poderá ser multado por desmatamentos irregulares de APAs, de reserva legal e de áreas de uso restrito ocorridos até 22 julho de 2008.

Caso as multas já tenham sido aplicadas anteriormente, elas serão suspensas, assim como qualquer procedimento de cobrança, sendo convertidas em serviços ambientais após o fim do termo de compromisso.

A assinatura de um termo de compromisso com as novas regras suspende a vigência de outros termos assinados anteriormente.

O texto aprovado permite ainda a alteração do uso ou da atividade desenvolvida em áreas consolidadas. Já o Código Florestal restringe as atividades em áreas de preservação permanente àquelas de natureza agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural.

Madeira

O Código Florestal exige das empresas industriais que utilizam grande quantidade de matéria-prima florestal a elaboração de um Plano de Suprimento Sustentável (PSS), para uso de madeira de reflorestamento em vez de madeira de mata nativa.

Quando foi publicado, em 2012, o código concedeu um prazo de dez anos de adaptação durante o qual as empresas poderiam comprar a matéria-prima em oferta no mercado sem contratos amparados no PSS.

O projeto de lei de conversão permite ao órgão ambiental estadual estender esse prazo por mais dez anos (até 2032).

A medida valerá inclusive para siderúrgicas, metalúrgicas ou outras empresas que consumam grandes quantidades de carvão vegetal ou lenha. Atualmente, o código proíbe a essas empresas o uso de madeira que não seja de floresta plantada ou de plano de manejo florestal sustentável (PMFS).

Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília