Um acórdão firmado sem alarde por líderes dos maiores partidos da Câmara dos Deputados, permitiu a aprovação, por maioria absoluta, em dois turnos, na sessão de quinta-feira (11), de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 9/2023) que propõe a criação de uma espécie de Refis (refinanciamento de dívidas) para partidos políticos, seus institutos ou fundações a fim de regularizarem débitos com isenção dos juros e multas acumulados, aplicando-se apenas a correção monetária sobre os montantes originais. Com a aprovação, a PEC segue para votação no Senado. Nas redes sociais, a aprovação da matéria recebeu uma enxurrada de críticas.
O texto foi meticulosamente elaborado pelo deputado federal Paulo Magalhães (PSD-BA), principal patrono do projeto, e obteve extraordinário apoio de 184 deputados das mais variadas legendas (confira aqui os coautores). Subscreveram o texto, na bancada paraense, os deputados (as):
- Dra. Alessandra Haber – MDB/PA
- Andreia Siqueira – MDB/PA
- Antônio Doido – MDB/PA
- Olival Marques – MDB/PA
- José Priante – MDB/PA
- Henderson Pinto – MDB/PA
- Renilce Nicodemos – MDB/PA
- Raimundo Santos – PSD/PA
- Airton Faleiro – PT/PA
- Dilvanda Faro – PT/PA
- Júnior Ferrari – PSD/PA
- Delegado Éder Mauro – PL/PA.
Não assinaram a proposta os deputados (as):
- Joaquim Passarinho – PL/PA
- Delegado Caveira – PL/PA
- Hélio Leite – União/PA
- Keniston Braga – MDB/PA
- Elcione Barbalho MDB/PA.
A PEC perdoa multas eleitorais milionárias aplicadas a partidos políticos que não cumpriram as cotas mínimas de recursos do Fundo Partidário para candidaturas de pretos e pardos na última eleição.
Uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos de votação. Foram 344 votos favoráveis e 89 contrários e 4 abstenções no primeiro turno. No segundo, recebeu 338 “sim” e 83 “não”, além de 4 abstenções.
Pela nova proposta, o valor não usado para cumprir as cotas raciais nos pleitos de 2022 deve financiar a candidatura de pretos e pardos. A regra vale a partir de 2026 e nas quatro eleições subsequentes. Também foi estabelecida a destinação de 30% dos fundos para candidaturas de negros nas eleições municipais deste ano.
A votação da PEC foi feita em plenário esvaziado, com participação de congressistas de forma remota, para antecipar o recesso. Começa oficialmente em 18 de julho, mas os deputados devem “enforcar” a semana que falta.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tentou votar a proposta há algumas semanas, mas adiou a discussão depois da repercussão negativa. Colocou o item na pauta para que fosse votado antes da interrupção dos trabalhos do Legislativo.
Os deputados a favor da proposta argumentam que as regras para o cumprimento das cotas nas eleições de 2022 foram estabelecidas poucos meses antes do pleito e, por isso, não houve tempo suficiente para que os partidos se adequassem.
Os presidentes das legendas e líderes afirmam que já tinham feito planejamentos para as candidaturas nas últimas eleições.
“Não pode começar um jogo e, com 45 minutos do primeiro tempo, o juiz decidir mudar o jogo. Então, aqui estamos criando estabilidade”, afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).
A PEC original foi apresentada em março de 2023. Passou na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em maio do mesmo ano e, como manda o regimento da Câmara, foi encaminhada para ser analisada por uma comissão especial.
Havia a expectativa entre os congressistas de que a proposta fosse aprovada em setembro daquele ano. O texto, entretanto, não chegou a ser votado. Diante disso, Lira teve a prerrogativa para pautar a PEC da anistia no plenário.
Substitutivo
Além de perdoar as multas dos partidos, o substitutivo do relator Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP) fixa em 30% o percentual da verba destinada às candidaturas de pessoas pretas e pardas.
“A destinação de uma cota constitucional de 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário para candidaturas de pessoas pretas e pardas é um importante avanço na democracia brasileira”, diz o texto. A nova regra será aplicada nas eleições municipais de 2024.
O relatório da comissão especial, apresentado em setembro de 2023, estabelecia um mínimo de 20% de cotas raciais, mas sem determinar um texto. Se uma sigla optasse por ultrapassar o piso, por exemplo, não haveria problemas.
A cota também valia para a candidatura de mulheres, mas o trecho foi retirado no relatório no dia da votação, na quinta-feira.
Refinanciamento
A proposta institui um programa de recuperação fiscal para regularizar as dívidas dos partidos. Com o refis, as siglas poderão realizar o pagamento dos valores originários em aberto sem juros e multas acumuladas, com correção monetária em até 180 meses. “Enquanto isso, as empresas e pessoas físicas endividadas e superendividadas, que não são poucas em todo o país, penam para pagar suas dívidas sem essas facilidades que os políticos ‘tiram da cartola’, como se mágicos fossem”, publicou um eleitor em sua rede social. Foram muitos os protestos na internet, contra a aprovação da PEC, causando um desgaste e comprometendo a reputação dos políticos que apoiaram o projeto.
Entretanto, não foi assim que pensou os apoiadores da PEC. “Essa medida é essencial para assegurar a continuidade das atividades dessas entidades, promovendo a justiça fiscal, sem comprometer a viabilidade financeira dos partidos”, diz o relatório do deputado Antonio Carlos Rodrigues.
Segundo o relator, a capacidade dos partidos políticos de usar recursos do Fundo Partidário para o parcelamento de sanções e penalidades “é vital para sua viabilidade financeira”.
Na prática, as siglas vão poder usar os repasses aos quais têm direito para quitar os débitos, sem a incidência de juros ou das multas pelo não pagamento da dívida no passado. O argumento é de que as legendas precisam “evitar o acúmulo de débitos que se tornam impagáveis”.
Parcelamento de dívidas
O parcelamento de dívidas dos partidos poderá ocorrer a qualquer tempo em até 180 meses, a critério do partido. Dívidas previdenciárias serão parceladas em 60 meses.
Para pagar, os partidos poderão se utilizar de recursos do Fundo Partidário. Isso valerá para sanções e penalidades de natureza eleitoral ou não, devolução de recursos ao Erário ou mesmo devolução de recursos públicos ou privados imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas.
Imunidade partidária
O texto também estende o instituto da imunidade tributária de partidos políticos, seus institutos ou fundações a todas as sanções de natureza tributária, exceto às previdenciárias, abrangendo a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados em processos de prestação de contas eleitorais e anuais, incluindo juros e multas ou condenações aplicadas por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais.
Isso envolve processos em tramitação, em execução ou transitados em julgado, provocando o cancelamento de sanções, a extinção de processos e o levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência.
A norma envolve também processos administrativos ou judiciais nos quais a decisão administrativa ou a inscrição em cadastros de dívida ativa tenha ocorrido em prazo superior a cinco anos.
Quaisquer contas
As regras da PEC valerão para órgãos partidários nacionais, estaduais, municipais e zonais e atingem os processos de prestação de contas de exercícios financeiros e eleitorais, independentemente de terem sido julgados ou que estejam em execução, mesmo se transitados em julgado.
Recibos
Outro tema tratado na PEC é a dispensa de emissão de recibo eleitoral quando o dinheiro vier de doação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário por meio de transferência bancária feita pelo partido a candidatos. Aplica-se ainda a doações feitas por meio de Pix pelos partidos a seus candidatos.
Debate em Plenário
O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), que leu o relatório da PEC em Plenário, rejeitou o argumento de que a proposta anistia partidos. “Estamos estabelecendo parâmetros, métodos e dando eficiência”, afirmou.
Segundo Silva, foi praticamente impossível os partidos seguirem a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de 2020. “O TSE, com as melhores das intenções, cria uma legislação impraticável para os partidos cumprirem”, justificou.
A decisão do TSE obrigou os partidos a distribuírem os recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão de forma proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar para a disputa eleitoral.
Porém, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), afirmou que a proposta anistia os partidos que não cumpriram as cotas raciais, mesmo escalonando esses recursos para aplicar a partir de 2026, 2028, 2030 e 2032. “Isto é um rebaixamento do que o TSE decidiu. É um rebaixamento de valores, concretamente”, opinou.
Para o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), a decisão do TSE foi feita sem embasamento legal. “Os partidos já tinham feito um planejamento com base no histórico existente de planejamentos anteriores e, assim, foi concretizado, mas vêm aí as multas para os partidos políticos, criadas justamente pelo embaraço do Tribunal Superior Eleitoral, que estabeleceu essa resolução”. Segundo ele, a proposta corrige a decisão da Justiça Eleitoral.
O deputado Gilson Daniel (Podemos-ES) defendeu o programa de recuperação fiscal (Refis) específico para partidos políticos, seus institutos ou fundações, para que regularizem seus débitos com isenção de juros e multas acumulados. “Às vezes, quando se assume o partido, há questões anteriores. Tem-se que regularizar o passado. Traz um transtorno muito grande, porque há multas e juros para serem pagos. E, muitas vezes, o partido não tem capacidade financeira”, afirmou, sem não entanto, dar uma palavra sobre o elementar: leis são para serem cumpridas por todos, inclusive pelos partidos políticos, sob pena da desmoralização completa da democracia e da classe política.
Já a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) disse que o projeto dá um salvo conduto permanente para os partidos políticos. “Isso gera o quê? Um salvo conduto, uma autorização e uma acomodação no sentido de que os partidos políticos nunca vão cumprir as regras, as regras de gênero, as regras de raça ou mesmo as regras que dizem respeito a tributos e a outras formas de despesa”, declarou.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que os discursos a favor das cotas e dos direitos a mulheres e negros ignoram o principal foco da proposta. “É anistia irrestrita, aqui a gente não está falando de mulher, de cota de preto. A gente está falando objetivamente de anistia. Anulando sanções de prestações de conta eleitoral, está dando Refis infinito para partido político”, disse.
Rejeição
O Plenário rejeitou o único destaque votado, do Psol, que pretendia retirar do texto a permissão dada ao partido para escolher em qual circunscrição a cota de recursos de 30% para candidaturas de pessoas pretas e pardas poderá ser usada por melhor atender aos interesses e estratégias partidárias.
Bancada negra vota pela redução de cotas
A votação da PEC escandalizou organismos da sociedade que defendem o combate ao racismo estrutural no Brasil. A cúpula da recentemente criada Bancada Negra votou a favor de emenda que reduz cota e alegou que cumpria um acordo para “salvar” verba equivalente a 30% do fundo eleitoral para candidatos negros.
O presidente do grupo, deputado federal Damião Feliciano (União Brasil-PB) afirmou que foi favorável ao texto da PEC para garantir o recurso.
A proposta revoga a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de que negros devem receber verba eleitoral de forma proporcional ao número de candidatos — em 2022, pretos e pardos somaram 50,27% das candidaturas. Com isso, a cota se reduz a 30%.
A interpretação do STF vale desde 2020. Na disputa de 2022, por exemplo, os negros deveriam ter recebido 50% da verba eleitoral de R$ 5 bilhões, mas a determinação foi descumprida de forma generalizada pelos partidos.
“Da forma como estava, havia uma instabilidade jurídica muito grande. Fico contente porque conseguimos colocar o patamar de 30% na Constituição. Vejo como um avanço”, argumentou o deputado.
Ele afirmou que, nas negociações para votação da PEC da Anistia, chegou a ser apresentada uma proposta que reduziria para 20% a parcela da verba para financiar para candidaturas para negros e pardos. Mas a atuação da Bancada Negra fez com que esse percentual fosse ampliado para 30%.
A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que também votou a favor da proposta, afirmou que esse foi o acordo possível diante do cenário político. Mas destacou a importância de “dar um passo de cada vez”, deixando uma porta aberta para novos avanços no futuro. Nas redes sociais o posicionamento da deputada foi duramente criticado. Internautas acreditam que a decisão não foi avanço nenhum e sim um retrocesso escandaloso.
“Fizemos como na Constituinte. Você tem que deixar uma porta aberta para você entrar”, afirmou a deputada fluminense, que disse que o próximo passo será luta por uma cota permanente para negros e negras na ocupação das cadeiras na Câmara.
Também votaram a favor da proposta outros representantes da Bancada Negra na Câmara, caso do deputado federal Antônio Brito (PSD-BA), relator do projeto que criou o grupo no ano passado. Já a 1ª vice-coordenadora, Talíria Petrone (PSOL-RJ), votou contra a emenda, enquanto a 3ª vice-coordenadora, Silvia Cristina (PL-RO), ausentou-se.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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