Não teve jeito. O governo não conseguiu os votos para derrubar o Projeto de Lei n° 709/2023, do deputado Marcos Pollon (PL-MS), que estabelece restrições e impedimentos para invasores e ocupantes ilegais de propriedades rurais e prédios públicos. A matéria foi aprovada com folga no Plenário da Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (22), e será enviada ao Senado.
Durante o encaminhamento da votação, foram rejeitados todos os destaques apresentados pelos partidos ao projeto de lei. A líder do PSOL, deputada federal Erika Hilton (SP), apresentou um requerimento de retirada de pauta da matéria.
“Requeiro a V.Exa. (Presidente da Mesa), nos termos do art. 83, parágrafo único, II, “c”, combinado com o art. 117, VI, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a retirada da Ordem do Dia do PL 709/2023”.
Na orientação dos partidos, o deputado federal Delegado Caveira (PL-PA) orientou pela Minoria. “A Minoria, Presidente, orienta ‘não’, haja vista que o MST vem praticando diversos crimes pelo Brasil. Nada mais é do que um puxadinho do PT, que quer invadir terra e destruir os produtores rurais. Nós precisamos de segurança jurídica no campo. Precisamos colocar esses demônios no lugar deles, que é a prisão. Não à invasão de terra!”, bradou.
Comentando a tentativa do deputado Odair Cunha, de incluir um destaque para punir a grilagem de terras no texto, desolado, o deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ), cravou: “Eu creio que, depois dessa goleada contra os destaques que apresentamos, estaremos juntos nessa proposta que trata de um fenômeno terrível e negativo da história brasileira, que é a grilagem. Ninguém é a favor de grilagem de terras”.
“Então, a proposta que vem no destaque do Deputado Odair Cunha, das Minas Gerais, propõe um acréscimo para um artigo desse projeto, que estabelece uma pena de reclusão de 5 a 10 anos e multa equivalente ao valor de mercado atribuído ao imóvel objeto do ilícito. O ilícito é o seguinte: apossar-se de terras públicas ou particulares, rurais ou urbanas, ou que seja objeto de lide, de disputa, mediante fraude e falsificação de títulos de propriedade. Essa é a essência da proposta.” Não adiantou a tentativa, o destaque foi rejeitado.
Diante do resultado Alencar disparou: “Eu não consigo entender como alguém aqui neste Plenário, que clamou tanto contra o que classificam como invasão de terra, esbulho possessório, atitude ilícita, pode não acolher no escopo do projeto a punição rigorosa à grilagem de terra, que é algo, repito, que caminha com a história brasileira, aumentando os conflitos no campo, aumentando, muitas vezes, a concentração da propriedade e atrapalhando os produtores rurais micro, pequenos, médios, familiares e grandes também que querem produzir os seus alimentos”.
O deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, contraditou o psolista: “Quero só deixar muito claro, Presidente [da Mesa], que o texto já prevê qualquer tipo de malfeito, de invasão de propriedade, seja para lá, seja para cá, seja qualquer um. O texto prevê justamente penalizar quem invade qualquer tipo de propriedade, tratando da lei de reforma agrária. Então, não há por que ter esse tipo de preocupação. É só discurso político, Presidente”, criticando o colega do PSOL, sem citar o nome.
Pena de morte social
Ainda mais desolado diante da derrota, em tom dramático, Chico Alencar disse: “Nós temos dito que este projeto é uma espécie de pena de morte social, porque ele despreza, inclusive, o arcabouço jurídico, que já é muito rigoroso com os historicamente despossuídos deste País, os litígios legítimos, esta tensão saudável, que vai aos poucos democratizando a terra no Brasil. Este projeto dá uma autoridade ao policial que ele não tem, dispensando a autoridade judicial”.
Concluiu afirmando: “Por todos os sentidos, nós entendemos que este projeto é muito negativo, é muito nefasto, não atende à necessidade da democracia brasileira e, mais, agravará, se aprovado aqui e no Senado, os conflitos rurais. Não é isso que queremos. O MST é o maior produtor…”, enalteceu o psolista, sendo vaiado pelos ruralistas.
Substitutivo aprovado
O texto aprovado é um substitutivo do deputado Pedro Lupion (PP-PR) ao Projeto de Lei 709/23, do deputado Marcos Pollon (PL-MS).
Pela proposta, quem praticar o crime de invasão de domicílio ou de esbulho possessório fica proibido de:
• participar do programa nacional de reforma agrária ou permanecer nele, se já estiver cadastrado, perdendo lote que ocupar;
• contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos; e receber benefícios ou incentivos fiscais, como créditos rurais;
• ser beneficiário de qualquer forma de regularização fundiária ou programa de assistência social, como Minha Casa Minha Vida;
• inscrever-se em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicas;
• ser nomeado em cargos públicos comissionados; e receber auxílios, benefícios e demais programas do governo federal.
A proibição, nos casos mencionados, é por oito anos, contados do trânsito em julgado da condenação.
No caso de ser beneficiário de programa de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, a proibição de participar durará enquanto o indivíduo permanecer em propriedade alheia.
Caso o condenado já receba auxílios, benefícios e programas sociais do governo, tenha contratos com o poder público federal, cargo público efetivo ou comissionado, ele deverá ser desvinculado compulsoriamente, respeitados o contraditório e a ampla defesa.
As mesmas restrições valem para quem for identificado como participante de invasão de prédio público, atos de ameaça, sequestro ou cárcere privado de servidor público ou outro cidadão em razão de conflitos agrários ou para forçar o Estado a fazer ou deixar de fazer políticas públicas de reforma agrária ou demarcação de terras indígenas.
Empresas, entidades e movimento que auxiliarem direta ou indiretamente a invasão não poderão contratar com o poder público em todos os âmbitos federativos. O texto amplia a restrição prevista na lei da reforma agrária, que os impede de receber recursos públicos.
O texto define invasão como ilícito permanente. Assim, ocupações atuais poderão ser sujeitas às restrições previstas na proposta.
Identificação
A autoridade policial deverá indicar os participantes do conflito fundiário e encaminhar, em até 10 dias úteis, a relação de pessoas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O instituto criará sistema com a relação de todos os participantes e deverão inserir também em 10 dias úteis a relação enviada pela polícia.
Críticas
Deputados da base do governo criticaram novamente a proposta. A deputada Erika Kokay (PT-DF) disse que as medidas impedem manifestações como a de pensionistas no Distrito Federal que lutaram para que suas pensões fossem mantidas. “Se já houvesse esta legislação, essas pessoas, que estavam lutando pelos seus direitos e ocuparam um prédio para protestar, seriam absolutamente afastadas de qualquer benefício e, inclusive, perderiam as suas pensões e as suas aposentadorias”, afirmou.
Para o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), punir o invasor de prédio público é um “exagero” de um projeto sem razoabilidade. “Isso esteve no movimento estudantil também, a ocupação de uma reitoria”, afirmou.
Já para a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), a manifestação não pode ser equiparada à invasão. “Manifestação pacífica dentro dos limites estabelecidos está tudo certo. Quando a gente começa a ver invasão, não autorizada, essa pessoa precisa ser punida”, disse, ao citar a invasão de alunos a áreas restritas a deputados na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) durante recente votação de proposta para implementar escolas cívico-militares na rede estadual e municipal de ensino.
O deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES) afirmou que os agricultores do interior têm amor e respeito à terra. “Nosso espaço tem de ser sagrado e jamais aceitar que meu espaço produtivo seja invadido por baderneiros.”
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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