Brasília – O caráter centralizador, que não delega e que não acredita, do governo Lula”, segundo diagnóstico do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), vai à prova nesta semana, se a articulação política do Planalto conseguir unir as pontas soltas que garantam o quórum favorável para a aprovação da espinha dorsal da sua política econômica: o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP nº 93/2023), rebatizado de novo Marco Fiscal Sustentável, em razão das críticas de todos os espectros políticos. “Esse nome, arcabouço fiscal, é um palavrão inventado pelos economistas do PT”, ironizou o líder do PL na Câmara.
Enquanto o relator do novo marco fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), discute mudanças no texto do substitutivo que vai à votação no Plenário com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, agora terá de defendê-las perante lideranças da Câmara, além de filtrar as emendas apresentadas para não descaracterizar a linha mestra do texto.
Noutra trincheira, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, que faz a ponte política entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, deputado Alexandre Padilha (PT-SP), junta as armas para a batalha de convencimento de deputados refratários à proposta.
Com reuniões em sequência, Padilha corre de um compromisso ao outro com planilhas preciosas embaixo do braço. É a munição principal para a guerra. Não porque ele queira, mas porque é obrigado. O PLP nº 93/2023, que vai substituir o regime de teto de gastos extinto no fim do ano passado é uma exigência da Emenda Constitucional 126/2022.
No fim do ano passado, o governo eleito prometeu aos congressistas que votassem a aprovação da Emenda Constitucional 126/2022, seriam recompensados logo no início do governo com a liberação de restos a pagar das emendas da legislatura passada. Cinco meses após a promessa, não cumprida pelo governo, apenas alguns escolhidos — a dedo — tiveram esse privilégio.
Na Bancada do Pará, os deputados do PL (3) não têm qualquer previsão de data para a quitação dos restos a pagar de suas emendas, situação que contrasta com os deputados aliados do governo. No Senado, os senadores Jader Barbalho (MDB) e Beto Faro (PT), aliados de primeira hora de Lula, não têm motivos para reclamar.
Ao contrário, receberam uma bolada em pagamento de emendas e já estão organizando o teatro de operações da eleição de 2024. Enquanto que o senador oposicionista Zequinha Marinho (PL) vive o tempo das vacas magras, quando o assunto é a liberação das emendas que indicou.
O jogo é bruto e o governo sabe que não pode ser derrotado nessa votação. Se acontecer, é quase certo a sua “morte antecipada”, mesmo o presidente sendo o Luiz Inácio Lula da Silva, que em seu terceiro mandato, está mostrando à oposição que não pode, nunca, ser subestimado. Isso é ponto pacífico.
Roteiro
Se tudo andar como planejado, após discussões e sinalizações envolvendo possíveis mudanças, o texto final do novo marco fiscal deve seguir para votação no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça (23) ou na quarta (24).
Para isso, Cláudio Cajado continuará discutindo a inclusão ou rejeição de emendas — até o momento, foram apresentadas 40 — em busca de garantir os votos para aprovar o projeto.
Na segunda-feira (22), Cajado teve reunião com o ministro Fernando Haddad e a equipe do Ministério da Fazenda. O relator deixou o encontro demonstrando resistência a possíveis mudanças no mérito do projeto, mas considerou serem necessárias mudanças para evitar o que chamou de “ruídos”, em referência à permissão de R$ 82 bilhões em gastos extras pelo governo e prejuízo ao Fundeb. Ambas as suposições foram desmentidas pelo deputado.
Resta, agora, Cláudio Cajado discutir na reunião de líderes da Câmara dos Deputados desta terça a inclusão ou exclusão de emendas à matéria. Ele diz já ter analisado todas e indica que algumas já foram retiradas, mas não aponta quais.
O encontro acontece na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), no momento em que esse texto está sendo redigido. A depender da recepção, o marco fiscal poderá ser votado na mesma data ou no dia seguinte.
O relator, deputado experiente, defende alterações apenas de caráter redacional e se mostra resistente a promover mudanças no mérito da matéria. A consideração do relator é, devido à aprovação com folga do regime de urgência, haver um consenso com o relatório da maneira como está. Para consolidar apoios, o deputado considera ser necessário, apenas, esclarecer os pontos ainda sob dúvida.
Enquanto isso, algumas bancadas demonstram insatisfação com o atual relatório do projeto. Lideranças do Centrão criticam o dispositivo para determinar crescimento real de 2,5% no limite de despesas já para 2024. Cláudio Cajado e Fernando Haddad deixaram a reunião sem esclarecer se esse ponto está consolidado, e o relator, apesar de defendê-lo, pode promover alterações para garantir votos.
Haddad, por sua vez, se encontrou na manhã da segunda-feira com Arthur Lira. Eles discutiram a matéria e o titular da pasta, uma das quatro que formam a área econômica do governo Lula, mostrou entusiasmo com a aprovação do novo marco fiscal.
Após a apresentação do relatório no dia 16 de maio, Cajado se mostrou resistente a aceitar mudanças, mas havia admitido a possibilidade de acatar alterações consensuais de forma a melhorar os dispositivos já abarcados pelo documento atual do novo marco fiscal. A necessidade de discutir o tema intensamente acontece, principalmente, porque o governo não dispõe de uma base sólida na Câmara dos Deputados.
“Eu tenho dito que não me furto a fazer nenhuma modificação se tiver consenso de todos, porque o relatório não vai espelhar o que penso. Pelo contrário, muitas coisas que penso e desejo não estão no relatório, porque não houve consenso. Então, o relatório espelha a maioria, nós fazemos parte de um parlamento plural, são 513 parlamentares, nós temos que atender a todos”, disse Cajado ao sair da reunião com Haddad.
Diálogo
Cajado assumiu oficialmente a relatoria do PLP 93/2023, que versa sobre o novo marco fiscal, no dia 20 de abril. Desde então, adotou postura de negociação constante com lideranças partidárias para construir um texto consensual, de forma a não o deixar rígido demais para desagradar a base governista nem tão permissivo com o controle dos gastos, a fim de não desagradar a oposição ao governo Lula.
Na última semana, o regime de urgência foi aprovado no plenário e permitiu a votação do marco fiscal sem necessidade de discussão em comissões. A aprovação foi celebrada pela base governista, carente de vitórias após semanas de revezes com a autorização para a CPI Mista do 8 de janeiro, o recuo do PL das Fake News e a aprovação de um PDL para derrubar parte do decreto do presidente Lula destinado a regular o Marco do Saneamento.
O quê propõe o governo?
A matéria (entenda aqui ponto a ponto) é ancorada em duas ideias:
1) – promover resultados primários crescentes e compatíveis com a sustentabilidade da dívida pública. Dessa forma, nos primeiros anos de vigência da regra, caberá à Lei de Diretrizes Orçamentárias a previsão de déficit zero em 2024, superávit de 0,5% do em 2025 e crescimento de 1% em 2026; e
2) – fixar limites, por Poder e Órgão, para as despesas primárias. Neste novo teto, além da inflação pelo IPCA, o limite da despesa pode crescer na proporção de 70% da variação real da receita, desde que o crescimento real das despesas seja de, no mínimo, 0,6% e, no máximo, 2,5%. Essa regra depende do cumprimento ou não do resultado primário do exercício anterior, citado acima. Caso não seja alcançado o resultado, a proporção de 70% será reduzida para 50%.
A proposta do novo marco fiscal surge para substituir o teto de gastos, implementado no governo do presidente Michel Temer (MDB), em 2016. A mudança era uma exigência prevista já na PEC da Transição. A matéria permitiu ao governo Lula utilizar R$ 145 bilhões no Orçamento de 2023 fora do teto de gastos, para bancar despesas, como o Bolsa Família, o Auxílio Gás, a Farmácia Popular e outros.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.