Ao longo da minha carreira pública na saúde, tenho lidado com diversos questionamentos sobre o papel da gestão nas políticas públicas de saúde. O que tenho observado é que, por diversas vezes, o corpo técnico é penalizado pelos erros políticos da gestão. Nós permanecemos ali, dia a dia com os problemas causados por decisões anteriores e, o que é pior, somos responsabilizados pelo caos ocasionado.
O velho discurso de mudança é ledo engano para as soluções. A temida “caça às bruxas” é fato, porém, quem sempre “paga o pato” é o corpo técnico, que, por conta da necessidade de fazer o diferente, desconstrói alicerces e bases já estruturadas. No serviço público a descontinuidade é a tônica de cada nova gestão, é irrefutável afirmar que se começa tudo de novo e com a convicção de que “agora vai”. Entre a academia e a prática, o percurso é longo e tortuoso. E, por vezes, surge a dúvida se o serviço público está à disposição do cidadão ou aos interesses dos políticos? A população já vê com naturalidade as manobras de mudanças, com os feudos políticos sendo montados à base de negociações que passam longe do interesse de propiciar um bem comum.
A carreira técnica no serviço público é motivo de piada entre os servidores, pois, a ascensão é tão abrupta quanto a queda. O poder é efêmero e não objetiva a formação ou desenvolvimento profissionais, apenas o afagar de egos.
A bem da verdade é quase utópico querer que o serviço público dê certo, pois, não são propiciadas as condições na prática para tal. Só existe o fomento de garantia da estabilidade que acaba sendo o desconforto de um gestor. As características formação, qualificação e progressão funcional são negligenciadas e isso faz com que cada um só trabalhe pelo salário, sem compromissos com a melhoria dos serviços ou com o fortalecimento das políticas públicas. Assim, se reduz o serviço público ao atendimento prioritário ou favorecido por esse ou aquele político, sem considerar o que tem de essência o serviço, que é o público.
E essa priorização da agenda político-partidária, em detrimento do planejamento técnico na atuação do servidor público, tem raízes na progressão de carreira como prêmio à fidelidade política deste. Estamos caminhando para a falência dos serviços públicos por causa da gestão, pois, ao colocar o corpo técnico como responsável pelas mazelas da gestão política, expõe-se o servidor como aquele que não faz o serviço dar certo e, assim, a privatização torna-se a solução infalível.
Mas, sabemos que não, as empresas privadas de saúde estão aí para confirmar o que digo, com demoras e péssimo serviço. Sofremos do mesmo mal: a gestão.
Nesse aspecto entra em debate o projeto de lei que retira a estabilidade do servidor público, que, no meu ponto de vista, não retira, e sim qualifica os bons servidores, desde que eles sejam avaliados por pares qualificados e concursados para tal, mas que, provavelmente, será usado para excluir dos quadros aqueles que se opuserem ao modelo de gestão político-partidária.
Então, cabe a nós usuários e, por vezes servidor, atentar a esses mecanismos e nos posicionar sobre o que queremos. A garantia de direitos é condição mínima de uma sociedade e cabe a ela sua apropriação e luta de conquistas.
* Allan Werbertt de Miranda, 57, Psicólogo, servidor público, especialista em gestão, professor universitário.