Por Vitor Hugo Pelles, advogado e Conselheiro Seccional da OAB/GO.
A crise crônica em que se encontra o Sistema Penitenciário Brasileiro, e como não poderia deixar de ser, também o paraense, nos faz refletir, e, mais uma vez concluirmos pela atualidade das palavras de Nelson Mandela, “Ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim, pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos”.
A Lei de Execução Penal, em seu artigo primeiro, contempla duas ordens de finalidade: a correta efetivação dos mandamentos existentes nas sentenças ou decisões criminais, destinados a reprimir e a prevenir os delitos, e a oferta de meios pelos quais os apenados venham a ter participação construtiva na comunhão social.
Sem se questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se a lei, na esteira das concepções menos sujeita à polêmica doutrinária, ou seja, ao princípio de que as penas devem objetivar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do condenado à comunidade.
A aplicação dos princípios e regras do Direito Processual Penal constitui corolário lógico da interação existente entre o direito de execução das penas e os demais ramos do ordenamento jurídico, principalmente os que regulam em caráter fundamental ou complementar os problemas postos pela execução penal.
Se todo o sistema jurídico o qual o Estado é executor, é dominado em corpo e em espírito pelo princípio da legalidade, exige-se do mesmo Estado, o impedimento de que os excessos ou desvios na execução penal afrontem, dentre outros, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Porém, definitivamente o Estado Brasileiro não se preocupa com as condições dos habitantes do Sistema Penitenciário.
Chega a ser assustador, mesmo para quem há tanto tempo milita na execução penal, o panorama desolador e degradante desses estabelecimentos penais superlotados. Seja nas cadeias públicas ou nas penitenciárias; nas unidades de homens ou de mulheres; nas unidades do regime fechado ou semiaberto; ou até nos albergues, o que se vê é miséria, abandono e indignidade. Resultado não apenas da superlotação carcerária, mas que se potencializa pelas previsíveis consequências advindas dessa cultura que tem a prisão como mero depósito de pessoas, amontoadas de qualquer maneira, mesmo que não haja espaços sequer para o repouso noturno.
Pessoas com doenças graves ou infectocontagiosas alojadas em ambientes superlotados e insalubres, em contato direto com outros presos; homens que carecem de intervenções cirúrgicas ou acompanhamento pós-operatório, outros de atendimento odontológico de urgência; portadores de distúrbios psiquiátricos sem acesso à medicação de controle. Essa é a realidade dos estabelecimentos penais brasileiros, perceptível em visita a qualquer de suas unidades.
Torna-se necessário lembrar que os “hóspedes” do Sistema Penitenciário, são cidadãos que em um determinado momento de suas vidas agiram em confronto com a lei, e por isso, espera-se tenham sido submetidos ao devido processo legal e ao final condenados a uma pena imposta pelo Estado. O Estado como gestor e a sociedade como um todo, não podem esquecer que estes “hóspedes”, em um determinado momento retornarão ao convívio social e o tratamento recebido no cárcere, será de fundamental importância para determinar, de fato, a reinserção na sociedade daquele que hoje se encontra recluso.
O que hoje se constata nos presídios brasileiros, quanto à superlotação e às deficiências no atendimento à saúde da população carcerária, é de tal gravidade a ponto de configurar crime de tortura, tipificado pela Lei nº 9.455/97, que prescreve: Art. 1º Constitui crime de tortura constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental.
Aquele que pratica conduta prevista no artigo acima mencionado se sujeitará à aplicação de uma pena de reclusão de dois a oito anos. O parágrafo primeiro e segundo desta norma adverte que: Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
Ainda no parágrafo quarto do mesmo artigo, temos que: se o crime é cometido por agente público, aumenta-se a pena de um sexto até um terço.
Assim, se o executor não executa adequadamente e com essa inadequação confronta com texto expresso da lei, nada mais justo que ocupe o lugar destinado àqueles que assim agem, ou seja, o banco dos réus, submetendo-se ao devido processo legal e ao final, sujeitando-se a uma decisão judicial, quer seja absolutória ou condenatória.