Por Herbert Viana ( * )
Segundo Chiaverini em seu livro “Tecnologia Mecânica II”, Resiliência é a capacidade de um metal absorver energia quando deformado elasticamente e devolvê-la, quando descarregado do esforço que provocou a deformação, e Tenacidade, é a capacidade do material deformar-se plasticamente e absorver energia antes da ruptura.
Traduzindo, na região de resiliência, um material recebe tensão e deforma apenas elasticamente, ou seja, não há deformações dimensionais permanentes no corpo, quando a tensão cessar, ele volta ao normal, como se nada tivesse ocorrido.
Já a região da tenacidade o material deforma plasticamente, ou seja, de forma permanente, assim, quando a tensão cessar ele não volta ao seu dimensional anterior, assimilando algum tipo de deformação permanentemente.
Transportando estes conceitos para o mundo corporativo pode-se dizer que um profissional resiliente é aquele que recebe tensão (pressão), mas não deforma plasticamente, mantendo sua forma original quando cessada a pressão, ou seja, não ultrapassa o “limite de escoamento”, o ponto “E” indicado em vermelho na figura que ilustra este texto.
O limite de escoamento é a fronteira entre a resiliência e a tenacidade, entre a deformação provisória (elástica) e a deformação permanente (plástica), da mesma forma que os materiais possuem cada um o seu, os profissionais também, cada um deve saber seu limite de escoamento, e avançar ou recuar de acordo com este conhecimento.
Os profissionais tenazes são muito atrativos para o mercado, eles suportam muita pressão e, avançam , avançam e avançam! Muitas vezes, bem além do seu ponto “E”, com isso, deformam plasticamente, isto significa mudanças permanentes na sua estrutura, traduzidas em divórcios, dificuldades de relacionamento com os filhos, uso de drogas, etc.
Mas há coisa pior? Sim, há. Notem na figura ilustrativa, que ao termino da região de tenacidade não há nada, apenas um espaço em branco, isto corre devido a tensão e deformação cessarem repentinamente, daí o gráfico acaba, ou seja, a tensão e deformação foram tão acima da tenacidade do material, que ele atingiu a sua “ruptura”, a analogia com a vida humana é direta, ruptura = morte.
Uns tem limites de escoamento elevados, outros baixos, da mesma forma ocorre com os limites de ruptura, o importante é que cada profissional saiba quais são os seus e, principalmente, saibam utilizá-los durante sua trajetória na vida corporativa, de forma a respeitar uma vida saudável e estruturada, pois um profissional sempre pode recomeçar, mas deformações permanentes e rupturas não têm volta.
Como aumentar a sua Resiliência?
Quem não desejaria ser imune às pressões do trabalho? Este deve ser o desejo de 10 em cada 10 líderes no mundo corporativo, esta “imunidade” seria análoga a um material mecânico possuir um ponto de escoamento, ponto “E”, tendendo ao infinito. Seria o sonho dos projetistas mecânicos, dispor de um material que absorvesse toda a energia carregada sobre ele, sem um milímetro de deformação plástica (permanente), a raça poderia explorar as profundezas dos oceanos, viajar ao centro da terra, circundar de pertinho a nossa estrela mãe, enfim, ganhar o universo como prêmio.
Já os líderes com o ponto “E” tendendo ao infinito seriam verdadeiras máquinas de absorver pressão sem perder o prazer da vida, superar desafios no trabalho sem a sombra da perda de tempo e da qualidade no convívio com a família e amigos. A tomada de decisão seria isenta de emoções negativas, tudo seria bacana, por sinal, a pressão iria até diminuir, uma vez que a condução dos negócios por pessoas emocionalmente positivas tende ao sucesso, invariavelmente.
E como posso ter um limite de escoamento, meu ponto “E” tendendo ao infinito? A resposta desta pergunta não é fácil, pois não existe uma receita mecanicista para tanto, na ciência dos materiais, pode-se com a composição de cristais de dois ou mais elementos químicos, conseguir ligas com maior resiliência, mas no comportamento humano, a receita é altamente customizada, cada homem e mulher deve buscar seu caminho de equilíbrio entre a dicotomia “Tensão – Deformação”, ou “Pressão – Resiliência”, utilizando a nomenclatura mais usual no mundo corporativo.
Fiz uma varredura em casos de grandes executivos ou grandes líderes políticos que poderiam me apoiar na exemplificação de como lidar com pressões mantendo um campo da resiliência com maior amplitude que a tenacidade, ou seja, exemplos que possam nos ensinar maneiras de elevar o ponto “E”.
Encontrei vários casos entre personalidades do conhecimento do grande público, mas me cativou a história de um homem simples chamado Raimundo, pois gosto muito de conversar com as pessoas sinto-me mais vivo e mais humano em meios aos debates e histórias reais, o mundo mecanicista que vivemos nos impõe cada vez mais a frieza nas relações e terminamos esquecendo que trabalho, estudos, consumo, tudo isto é meio para vivermos, e não a essência da vida, a vida em sua plenitude repousa nos sentimentos que o mundo nos desperta.
Achei interessante utilizar um exemplo de uma pessoa comum para falar de resiliência, com o claro objetivo de mostrar que todos podem lidar com pressões e se fazer vencedores, e isto acontece todos os dias, através da vida de milhões de anônimos espalhados pelo mundo, um destes anônimos, Raimundo, me ensinou uma lição de resiliência que agora compartilho.
Certo dia, ofereci carona a um trabalhador na portaria de N5 em Carajás no sudeste do Pará, logo começamos a conversar, seu nome era Raimundo, nascera em Matões no Maranhão, disse-me ele que vivia
com os pais até os cinco anos, juntamente com duas irmãs mais velhas de sete e nove anos, sua família era pobre mas não lhe faltava o básico, até seu pai os abandonar por outra mulher, sua mãe não suportou muito tempo o fardo da criação de três filhos e meses depois fugiu para se dedicar a uma nova relação amorosa, deixando para trás a casa em Matões e três filhos.
Fiquei espantado quando ele me disse que viveu quase um ano sozinho com suas irmãs em total abandono, não frequentavam escola e viviam o dia em busca de comida para saciar sua fome, contou-me que diversas vezes sua irmã mais velha ajudava uma senhora a alimentar seus porcos e como pagamento podia recolher os milhos grossos que sobravam da refeição dos suínos, com estes grãos ela fazia uma espécie de massa que saciava a fome dos três irmãos.
Depois de quase um ano de completo abandono, a notícia sobre a condição dos irmãos chegou a sua avó materna que morava em Grajaú também no Maranhão, ela demorou um pouco para viajar até Matões para resgatar as crianças, pois não tinha dinheiro de imediato para as passagens, ao conseguir tal quantia foi até Matões trazendo os irmãos para Grajaú.
A avó materna conseguiu localizar a mãe de Raimundo, sua filha, trazendo-a à razão, fazendo-a acolher novamente os filhos, mas não durou muito o convívio, o novo marido não aceitava as crianças e fez com que sua mãe novamente as expulsassem da casa. Raimundo disse na sua simplicidade que neste momento já era mais rapazinho e conseguiu se “virar”, ele tinha oito anos, imaginem só, uma criança de
oito anos em pleno abandono pelo mundo, e na sua inocência ou melhor na sua visão de mundo, já era um rapaz.
Pois bem, este rapaz conseguiu um emprego de “faz tudo” para um dono de garagem em Marabá, no começo sua principal função era lavar os ônibus que este senhor alugava, segundo Raimundo seu patrão o colocou na escola municipal e quando completou 18 anos o ajudou a conseguir a carteira de motorista categoria “D”, o que se constituiu a grande oportunidade de Raimundo, conseguiu emprego em empreiteiras em obras e terminou ingressando na Vale S. A. como operador de maquinas de mina nos anos 2000, o que segundo ele lhe deu estabilidade financeira, sendo que hoje se encontra casado com dois filhos.
Ao falar sobre suas conquistas, Raimundo citou a compra da sua casa própria, seu carro, e a construção da casa da sua mãe, neste ponto, surpreso, o interpelei, “Você construiu uma casa para sua mãe? A mesma que lhe abandonou?”, ele com grande simplicidade me disse que Sim, daí retomei a perguntar, “e você a perdoou?”, sua reposta me emocionou e vi mais uma vez o quanto o homem pode ser grande e virtuoso, ele me respondeu sem mágoa nenhuma, “Perdoar? Perdoar de que? Eu nunca a condenei, sempre a amei, ela é minha mãe.”
Talvez a inocência de uma criança diante do caos, possa ajudar a aumentar sua resiliência, realmente o ponto “E” é alto em uma pessoa que ver a vida de forma mais simples, passou por aí o antídoto que livrou Raimundo do ponto de ruptura durante sua infância e adolescência, mas há muitos méritos neste homem, um deles, incontestável a meu ver, consiste em não ter guardado uma gota de
rancor, sua história reforça o entendimento que resiliência e rancor não combinam, pessoas rancorosas estressam muito mais. Posso afirmar sem sombra de dúvida que o perdão aumenta a resiliência.
Aos pragmáticos de plantão, confesso de imediato: Não tenho dados científicos para provar, apoio esta afirmação na minha intuição e no meu conhecimento tácito e, principalmente, em exemplos como do Raimundo.
Perdoar faz bem, na vida pessoal, e na profissional, transportando para o universo produtivo, o perdão equivale à análise de uma falha bem feita e com um claro direcionamento de correções futuras, uma organização saudável procura erros de processos prioritariamente ao de pessoas, claro que o erro humano intencional não pode ser tratado com um perdão descompromissado, as pessoas devem ser responsáveis pelo seu desempenho e terem promoções ou demissões de acordo com ele, o que falo é que o processo deve ser suave e maduro, isento de rancores, as empresas não podem se configurar em calvários, caso se chegue a conclusão sobre a ruptura (demissão) de um profissional com a empresa, que o caminho para tanto tenha sido em bases maduras e assertivas, isento de desgastes desnecessários, como exposições gratuitas de erros, assédios morais, etc.
Para aquele que perdoa, o exercício é salutar, resolver problemas olhando para frente, trata-se do melhor método, há de ser duro com os problemas e não com as pessoas, uma questão técnica em aberto raramente é carregada para o seio da casa de um profissional, já uma questão de relacionamento mal resolvida faz muitas pessoas perderem o sono, trazendo “deformações plásticas” para sua estrutura íntima.
( * ) – É Graduado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também possui especialização em Tecnologia Mineral pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Gestão Empresarial pela PUC de Campinas – SP (PUCCAMP).
6 comentários em “Artigo: Você é resiliente ou tenaz?”
Excelente reflexão. Nos dias de hoje a capacidade de se adaptar diante das dificuldades é uma dos principais diferenciais dos profissionais de grandes empresas. Precisamos ser resilientes para buscar maior tolerância às frustrações do que tenazes em busca de felicidade muitas vezes efêmera.
Que venham mais artigos como este para o blog. Parabéns.
Muito bacana o texto, mostra de forma clara e simples o que muitos trabalhadores estão passando no seu dia à dia em seus locais de trabalhos e não sabem como resolver ou identificar o que estão lhe impactando de forma negativa. Parabéns ao autor e ao Blog por permitir que textos cheio de motivação como este chegue até nosso conhecimento.
Parabéns!
Uma excelente palavra de motivação. Devemos encarar cada desafio na vida como uma oportunidade de crescimento.
caros.
Parabéns a este Blog ,por conseguir um capital intelectual deste nível, o que vai aumentar a massa critica de nossa região.
Não há como complementar um texto tão vivo, mas posso contribuir informando que outros Gênios pensam semelhantes. Gandhi em uma famosa frase disse ” raiva é um veneno que tomamos e esperamos que o outro morra “.
Ao contrario do AÇO, aprendemos como nossa resiliência e nos tornamos mais forte para os próximos desafios.
Confesso, que não era um leitor assíduo deste Blog, mas agora serei e espero mais artigo deste nível.
Parabéns Herbert.
Atenciosamente.
Marcos Medeiros.
caros.
Excelente, muito bom mesmo. parabéns ao Blog do Zedudu, por conseguir tamanho capital intelectual que aumenta a capacidade critica de nossa região. parabéns ao Herbert.
A vida tem nos mostrado que ser resiliente, nos torna mais preparados para os próximos desafios, ao contrario do aço, aumentamos nossas resiliências e melhoramos como pessoas.
Não posso completar um texto que não necessita de complementação posso dizer, que os grandes gênios da humanidade como Gandhi, pensava semelhantes, em sua famosa frase ” vingança, é um veneno que bebemos e esperamos que os outros morram”.
espero mais artigos, confesso que não era um leitor assíduo deste Blog, porem, agora serei. Parabéns mesmo. O povo agradece.
atenciosamente.
Marcos Medeiros.
Excelente texto para reflexão Dr. Herbert. Permita-me fazer uma breve contextualização dos termos considerando as mudanças pelas quais passamos como seres históricos.
Se olharmos pela ótica do comportamento humano, o tema nos remete da ruptura da ciência medieval – da contemplação à experiência (Galileu – séc. XVI), à chegada da ciência moderna com os fundamentos teóricos newtonianos (séc. XVII) – o mecanicismo que, em tese, os métodos e regras científicas utilizadas para estudar os fenômenos do mundo físico poderiam ser aplicadas para explicar os fenômenos do mundo social, ou seja, o universo seria explicado por meio de leis matemáticas…
Assim perdurou algum tempo, a exemplo de COMTE com sua teoria sociológica positivista, pela qual as “leis gerais” permitiriam o ser humano prever fenômenos naturais, podendo agir sobre a realidade. Para este teórico só haveria transformações na sociedade pela reorganização intelectual, depois moral, e por fim, a política, daí o “Ordem e Progresso” (será que tem a ver com nossa Bandeira?). Nem é preciso dizer que Comte era capitalista e defendia a divisão de classes sociais, defendendo para os trabalhadores as atividades práticas e mecânicas…
A sociedade pós-moderna exige muito mais, nem tanto ao perfil positivista que poderíamos dizer mecanicista e/ou tecnicista, nem tanto à liberdade de Sartre. A sociedade, e mais particularmente as empresas, exigem conhecimentos novos pela crescente exigência do consumismo, ávida por novos produtos e serviços e, principalmente, em função do lucro. Este desafio é próprio da sociedade multifacetada que leva as empresas cada vez mais exigirem comportamentos técnicos fundamentado em uma educação corporativa, quase sempre, em detrimento de uma formação mais humanística.
Já havia lido alguma coisa em 2008 num curso de planejamento estratégico sobre a capacidade de sermos resilientes. Os fundamentos são os que você explica, creio que teríamos poucos avanços se não compreendermos este contexto social diverso em todos os sentidos e com mudanças paradigmáticas substanciais. Na família, na empresa e na sociedade como um todo, nos defrontamos com isso: conviver com o diferente, conviver com as desigualdades, conviver com as violências, conviver com as relações de poder que ora nos discriminam e ora nos silenciam… Como você mesmo confere aprendemos, muitas vezes, no silêncio da vida, que o diga o Sr. Raimundo.
Quanto a tenacidade, a noção que me vinha à mente é que se tratava de algo rígido, em se tratando de pessoa seria mais ou menos rigoroso que não se afasta de seus princípios. Sua explicação me clarificou mais, o termo dá a noção de ser proativo, visionário, ao que se quer com determinação, que se resiste com a persistência de que vai conseguir, etc. tem a ver com o alcance das metas, da realização dos objetivos pessoais e coletivos.
Por outro lado, a título de reflexão, pesquisas recentes têm demonstrado que o equilíbrio do comportamento pessoal, digamos, entre resiliente e tenaz, nas suas relações sociais, familiares e empresariais tem revelado um melhor rendimento profissional. Diante deste cenário, a formação de profissionais com elevado conhecimento técnico, deve ter, também, uma formação humana na sua forma ampla.
Obrigado pela oportunidade de refletir. Traga sempre bons temas para este debate.