Do Valor Econômico
Entre o ano 2000 e 2010, 240 mil km2 de floresta amazônica sumiram do mapa. É o equivalente ao desaparecimento do território do Reino Unido em diversidade social e ambiental, rios e florestas, culturas e tradições, que deram lugar a pastagens e exploração de madeira, hidrelétricas, indústrias, mineradoras, extração de petróleo e gás e estradas na Amazônia inteira, não só na parte brasileira. Se continuar assim, metade da floresta como a conhecemos hoje pode desaparecer em breve.
A previsão está no “Atlas Amazônia sob pressão”, uma publicação inédita que está sendo lançada hoje por uma rede de 11 organizações de oito países amazônicos, que fez um diagnóstico da pressão atual e das ameaças futuras que a região pode enfrentar.
O atlas observa com lupa uma região de 7,8 milhões de km2, quase 1.500 municípios e mais de 30 milhões de pessoas. O foco era analisar o que ocorre nas áreas protegidas e nos territórios indígenas dos países amazônicos. “A Amazônia está vivendo uma fase de supressão”, diz o antropólogo Beto Ricardo, coordenador-geral da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), a rede de organizações responsável pelo trabalho. “A Amazônia é flora, água doce e diversidade cultural. Esse triunvirato está desaparecendo.”
O “Amazônia sob pressão” alerta para os problemas que a região pode sofrer examinando seis grandes áreas e os planos e estratégias que os governos têm para seus países. São planos que envolvem estradas, exploração de petróleo e gás, mineração e hidrelétricas, além dos focos de calor e do desmatamento. O estudo examina iniciativas potenciais dos governos para a região, como a viabilidade de se construir hidrelétricas em alguns pontos, e ações planejadas, que seriam as ameaças. Obras em construção ou já em funcionamento constituem as pressões que a região sofre hoje e que colocam em risco sua integridade ambiental e os direitos de seus habitantes, tradicionais ou não.
Toda a região sofre, por exemplo, pressão dos planos de interligar o Atlântico ao Pacífico por rodovias. É no Equador onde fica a maior densidade de estradas na Amazônia, construídas para abrir caminhos para a exploração de petróleo.
Há 24 empresas de petróleo explorando nos países amazônicos. Nove delas controlam 78% dos lotes – hoje há 81 lotes em exploração e outros 246 com potencial. No Peru, 66,3% das terras indígenas estão sobre lotes destinados à exploração de petróleo.
Alunorte, a maior refinaria de alumínio do mundo, no Pará: se a “invasão” da região continuar, metade da floresta amazônica pode desaparecer no futuro
Perto de 21% do território amazônico tem áreas em que o setor de mineração tem interesse, mas a maioria ainda está em estudos de concessão. Essas zonas podem interferir em 15% das áreas protegidas e 19% dos territórios indígenas da Amazônia. Na Guiana, o desmatamento causado pelo garimpo de ouro triplicou na comparação entre 2001-2002 e 2007-2008.
A mineração é uma ameaça às terras indígenas no Brasil – de todas as áreas solicitadas pela atividade em territórios indígenas da Amazônia inteira, 79% estão no Brasil. Às vezes, as ameaças têm outro tipo de raiz: o atlas alerta que as formas tradicionais de manejo do fogo como prática agrícola de povos indígenas tem de se adaptar à mudança do clima. Em 2010, o número de focos de calor do Parque Indígena do Xingu foi de 884 pontos, quase quatro vezes mais do que o registrado em 2007, ano que até então tinha o recorde da década.
O atlas faz também uma espécie de radiografia do processo de mudança dos últimos dez anos na região, onde vivem 385 povos indígenas, alguns em situação de isolamento. As áreas protegidas e os territórios indígenas ocupam 45% da região, dividindo o espaço com proprietários rurais de todos os tamanhos, indústrias e empresas de vários ramos, institutos de pesquisa, organizações de fomento, grupos religiosos e organizações da sociedade civil.
“Se todos os interesses econômicos que se sobrepõem se concretizarem nos próximos anos, a Amazônia vai se tornar uma savana com ilhas de floresta”, diz Beto Ricardo, do Instituto Socioambiental (ISA).
O atlas, de 68 páginas, tem destaques contundentes. Em toda a Amazônia existem 171 hidrelétricas em operação ou em construção, e 246 planejadas ou em fase de estudo. Há pontos em comum: o desmatamento da floresta acontece nas bordas. Brasil, Bolívia, Colômbia e Equador são os países que registraram maior desmatamento. “É importante que as pessoas entendam a extensão, diversidade e complexidade da Amazônia”, diz Ricardo. “Talvez o grande mérito desse trabalho seja criar uma rede de compartilhamento de informações para produzir uma visão geral da Amazônia. E, do lado brasileiro, romper com essa tendência de falarmos da Amazônia como se fosse a Amazônia toda. Não é.”
Ricardo diz que o atlas permite ter uma visão geral da região e do que está acontecendo ali. Por exemplo, ao chamado arco do desmatamento, expressão consagrada entre os especialistas brasileiros, “está se somando um arco de hidrelétricas, de exploração de petróleo e de mineração”, destaca ele. “Essa pressão configura um futuro onde a paisagem da Amazônia será substituída por outro tipo de cenário.”
A Raisg foi fundada em 1996. O instituto brasileiro ISA começou a procurar instituições em outros países amazônicos que tivessem a mesma experiência com populações locais e indígenas e trabalhassem com informações georreferenciadas.
A rede de 11 instituições da sociedade civil (com exceção da representação da Guiana Francesa que é um órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente) começou a deslanchar em 2007. Tem três institutos brasileiros e outros da Guiana, Guiana Francesa e Suriname, Venezuela, Equador, Bolívia, Colômbia e Peru. A intenção é que este seja o início de um esforço continuado de entender a região.