Audiência de renovação da concessão da EFC ocorre a mais de 500 km de Marabá

Evento foi realizado em Belém e superintendente da ANTT foi criticado por posicionamento favorável à Vale

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A primeira audiência pública promovida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em Belém, para ouvir os paraenses sobre a renovação antecipada da concessão da Estrada de Ferro de Carajás, lotou o auditório de um hotel no centro da cidade nesta segunda-feira (27), para contestar o projeto de destinar os R$4 bilhões a serem pagos pela Companhia Vale à construção de uma ferrovia no Mato Grosso.

O dinheiro é proveniente da renovação antecipada por mais de 30 anos em favor da Vale, das Ferrovias de Carajás e Vitória-Minas. Os paraenses querem que esse recurso seja usado no apoio à construção da Ferrovia Paraense (Fepasa), ligando o sul do Estado ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena. O curioso é que o evento foi realizado a mais de 500 km de Marabá, onde passa a Estrada de Ferro Carajás, na região onde ocorrem os maiores impactos socioambientais.

O projeto da Ferrovia Paraense está pronto, em adiantado processo de legalização e já conta inclusive com clientela definida para o transporte de cargas. Mineradoras do sudeste do estado do Pará e produtores de grãos do Mato Grosso assinaram manifestos de interesse em favor da Fepasa. Com esses recursos será possível implantar todo o primeiro trecho da Ferrovia Paraense.

O auditório onde aconteceu a audiência, que tem capacidade para 230 pessoas, lotou rapidamente. Outras 50 cadeiras foram providenciadas e o auditório foi fechado. Do lado de fora, cerca de 100 pessoas forçaram a entrada e as portas do auditório tiveram de ser abertas. A Companhia Vale não enviou representantes oficiais ao encontro.

O superintendente de Transporte Ferroviário da ANTT, Alexandre Porto, abriu a audiência apresentando os resultados dos primeiros trinta anos de exploração pela Vale da Ferrovia Carajás. Segundo ele, ao longo desse tempo, os números mostram que a companhia “administrou, fez toda a manutenção e realizou benfeitorias que tornaram a Ferrovia Carajás um bom exemplo, inclusive em nível mundial”.

Alexandre Porto disse que “os técnicos da ANTT sempre fizeram, ao longo desse tempo, um acompanhamento constante do contrato e os relatórios sempre foram positivos”.

Cinquenta e cinco pessoas estavam inscritas para pronunciamentos na audiência e praticamente todas contestaram as palavras de Alexandre Porto. O ex-secretário de Transportes de São Paulo e consultor na área de ferrovias, Frederico Bussinger, apresentou números que vão de encontro aos apresentados pelos técnicos da Agência. Segundo ele, “é inadmissível que, após 30 anos de concessão, com números tão positivos, a União ainda tenha que repassar recursos ao concessionário (Vale) sob a alegação que a ferrovia não dá lucro”.

O ex-secretário de Desenvolvimento, Mineração e Energia do Governo do Estado, Adnan Demachki, um dos autores do projeto da Ferrovia Paraense, mostrou que “há 30 anos, era perfeitamente possível e viável economicamente que a Vale escoasse sua produção mineral pelo porto de Vila do Conde, em Barcarena, no Pará e não pelo Porto de Itaqui, no Maranhão”. Segundo Demachki, “a distância seria de 150 Km a menos em favor do Pará e os custos de dragagem do canal que liga o Oceano Atlântico a Vila do Conde, R$ 500 mil a menos”.

O deputado estadual do Mato Grosso, Wilson Santos, foi um dos poucos a defender a construção da ferrovia em seu estado. Para ele, “a FICO é uma ferrovia que vai ajudar a desenvolver o Brasil”.

O procurador-geral do Estado do Pará, Ophir Cavalcante Junior, disse na audiência pública que o Estado não descarta a possibilidade de entrar com uma ação judicial contra a renovação da concessão à Vale. “Já entramos com outras ações junto ao Supremo Tribunal Federal contra atos que prejudicavam o governo do Pará, e obtivemos sucesso”, disse. “Esse é mais um ato que prejudica o Pará e sua população; prejudica a geração de emprego e renda e o bem-estar coletivo e por isso podemos, sim, entrar com uma ação judicial que impeça essa agressão”, afirmou.

O calendário da ANTT prevê outras duas audiências públicas: dia 29 de agosto, em São Luís (MA), e 17 de setembro, em Brasília (DF). A Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) também já tem o calendário de audiências públicas divulgado no site da ANTT. Estão marcadas quatro sessões: em Belo Horizonte (MG), no dia 10 de setembro; em Ipatinga (MG), no dia 12 de setembro; em Vitória (ES), no dia 14 de setembro e Brasília (DF), no dia 18 de setembro.

Ferrovia Paraense

O Pará é o estado que recebe o maior impacto social e ambiental da Ferrovia Carajás. Atualmente, o Estado contribui, somente com essa carga, com mais de R$ 10,5 bilhões para o equilíbrio da balança comercial brasileira. O Pará detém o quarto maior saldo da balança comercial no Brasil.

Estudiosos do mercado ferroviário dizem que a Vale deveria pagar algo em torno de R$ 20 bilhões para renovar as concessões das duas ferrovias, mas a ANTT fixou o preço somente em R$ 4 bilhões e determinou que esses recursos sejam utilizados na construção de uma ferrovia no Centro-Oeste do Brasil chamada FICO, preterindo o Estado do Pará e seu maior projeto logístico, que é a Ferrovia Paraense.

O projeto da malha paraense vem sendo estudado desde 2015 e mais fortemente de 2017 para cá após a conclusão e aprovação do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA), com licenciamento ambiental sob análise da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas).

A malha ferroviária paraense contemplará todo o leste do Estado, começando em Barcarena até Santana do Araguaia, passando por 23 municípios com 1.312 km de extensão. Há a possibilidade de interconexão com a Ferrovia Norte-Sul (FNS), projeto ferroviário do governo federal, de tal forma que a Paraense contribua para a ampliação da malha ferroviária nacional.

Do mesmo modo há possibilidade de integração intramodal com a Estrada de Ferro Carajás (EFC) em Marabá, no sudeste paraense. O projeto diminuirá o custo logístico e tornará cada vez mais atrativo a implementação de indústrias primárias e de verticalização do território, gerando emprego e renda para a população paraense.

Ele é estruturado no Modelo de Concessão Comum. Nesse modelo, a concessionária que vencer a licitação receberá do Governo do Pará a outorga para construção e operação da ferrovia e será ressarcida pelos investimentos feitos através de cobranças de tarifas dos embarcadores (cargas) e dos usuários ao longo do período de concessão, previsto para 50 anos, ao fim desse prazo o controle operacional da Ferrovia retornará para o Estado.

A transferência da gerência da Ferrovia Paraense não isenta o Governo do Pará do acompanhamento integral e da fiscalização para garantir os direitos dos usuários, desde a execução do projeto até o final da concessão, com prestação de serviços e tarifas adequados.