Audiência pública na Câmara promoveu debate sobre políticas de atenção para ex-detentos

Alguns estados já implementam cooperativas sociais de pessoas presas, egressas do sistema prisional e em situação de vulnerabilidade
Deputado Federal Airton Faleiro (E) e representante do Isacadee, Marciolina Menezes (D)

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Com previsão para apenas após as eleições, a Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados promoveu, na última quinta-feira (12), audiência pública sobre a Política Nacional de Atenção à Pessoa Egressa do Sistema Prisional (PNAPE), regulamentada pelo Decreto nº 11.843/2023. O debate atendeu a pedido do deputado federal Airton Faleiro (PT-PA), autor do projeto.

Para ele, o decreto representa um avanço do ponto de vista institucional. “É preciso, no entanto, discutir sua implementação, com especial enfoque na situação das mulheres egressas do sistema prisional, que enfrentam desafios e estigmas adicionais e cujo destino, reintegração e reinserção social interessam a toda a sociedade,” afirmou.

Na avaliação do parlamentar, para além das questões relacionadas à inserção no mercado de trabalho, o tema se entrelaça com questões de gênero e de direitos humanos.

“Como se sabe, as mulheres enfrentam desafios adicionais ao retornarem à sociedade, incluindo estigmas e dificuldades específicas relacionadas à sua condição de gênero. O acesso ao trabalho digno e livre de discriminação é essencial para promover sua autonomia econômica e sua reinserção efetiva na comunidade,” concluiu o congressista paraense.

Alguns estados já implementam cooperativas sociais de pessoas presas, egressas do sistema prisional e em situação de vulnerabilidade

A representante do Instituto Socioambiental, Artístico, Cultural, de Direito, Educação e Economia (Isacadee), Marciolina Mendes de Almeida, cumprimentou a todos, especialmente ao deputado Airton Faleiro pela coragem de abraçar uma pauta tão negligenciada quanto a das mulheres egressas ao sistema penal.

“Vou falar um pouco sobre o nosso instituto, que, desde 2020, vem, através da educação do direito dentro do cárcere exclusivamente para mulheres, buscando amenizar o abandono e a violência do Estado à população carcerária feminina,” disse.

Ela mesma egressa do sistema prisional, iniciou sua fala explicando: “Armados de arte e cultura, lutamos pelo direito de ter direito, tanto social quanto ambiental. Buscamos encontrar, por meio de todos esses eixos que abrangemos – o social, o cultural, o artístico, o direito, a educação – uma economia possível para absorver a mão de obra feminina, principalmente no sistema penal brasileiro, especialmente também no momento da porta de saída”.

“Falo aqui enquanto egressa do sistema penal. Em 2019, passei pela experiência do cárcere. Para mim, acho injusto, porque sou usuária de cannabis, tive a ousadia de plantar e acabei sendo presa. Passei nove meses presa. Tenho este lugar de fala para dizer que o cárcere só destrói as pessoas, ele não constrói nada. Não importa…”, detalhou.

“Estou falando especificamente do Pará, da experiência que eu vivi lá, mas acho que acontece no Brasil inteiro. As mulheres são torturadas, não têm acesso à alimentação adequada. É uma forma de extermínio legal. E a porta de saída é o momento mais difícil, porque você vai sair com estigma de ex-presidiária, vai sair doente, e a sociedade não a vai absorver em emprego, em nada. Então, o que fazer? Não sobra alternativa nenhuma. Ou vai ser moradora de rua, ou vai voltar para o crime. Não há uma oportunidade,” explicou.

“Encontramos, na lei, esse provável abrigo. A nossa luta aqui é esta, que as mulheres consigam, por 2 meses, podendo até ser prorrogado por 4 meses, um lugar onde elas possam se recuperar, possam ter a chance de buscar alguma coisa tranquilamente,” expos, Mendes de Almeida.

“Tenho várias histórias da porta de saída que são a realidade do que acontece. As mulheres saem sem nada, sem nem uma passagem de ônibus”, apontou.

Ela narrou um caso específico para ilustrar a situação geral: “Lembro que a minha amiga, a Berna Reale, também tem um projeto muito bonito com as mulheres pós-cárcere, as mulheres egressas. Ela contou que: “Uma mulher saiu do presídio, e a assistente social deu uma passagem de ônibus, um papel dizendo que ela poderia pegar um ônibus. Quando ela foi, o motorista disse para ela: ‘Não, você não tem direito aqui, mas eu posso levá-la para a garagem, para o final da linha’, ou seja, ele já foi sugerindo a prostituição. E é isso, gente, não há oportunidade. A porta de saída é muito dramática.”

“O que me fez perceber isso, além da minha vivência, é claro, foi o Fundo Brasil, no edital de 2020, que lançou um edital especificamente para que pudéssemos chegar aqui e lutar por essas leis que já existem. Então, o Instituto vem sendo apoiado tanto pelo Fundo Brasil, quanto pelo Fundo Elas”, ilustrou.

Cooperativa em Penitenciária Feminina no Maranhão

Pollyanna Bezerra Lima Alves, do Programa Fazendo Justiça e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elencou “as ações que o Conselho vem pensando quanto a esta pauta de atenção às pessoas egressas, especialmente com o olhar do recorte de gênero e raça, que não é menor quando pensamos a unidade de privação de liberdade”.

“Acho que, desde a ADPF 347, em que se compreendeu o estado de coisas inconstitucional, o Conselho vem fomentando e envidando todos os esforços para conseguirmos pensar a privação de liberdade como um locus de garantia de direitos. E quando eu trago esse locus de garantia de direitos, é reforçando todos os normativos nacionais e internacionais que o país é signatário,” declarou.

Lima Alves destacou “os esforços que estamos fazendo dentro desse Conselho, do programa Fazendo Justiça, que é uma parceria das Nações Unidas com o Conselho Nacional de Justiça, para conseguirmos pensar nessa pauta, que é tão cara para se pensar em saúde coletiva, em segurança”.

“Mas é óbvio que nós precisamos ainda trilhar um caminho muito longo. A política acabou de ser lançada, o decreto saiu no ano passado. Nós estávamos, desde 2019, fazendo a política também no âmbito do Poder Judiciário, mas há muito ainda que caminhar. Por isso, é tão importante estarmos aqui com essas colegas, com essas representações. Há muito ainda que se fazer,” conclamou.

A representante do CNJ reforçou que já trabalha com essa pauta há duas décadas, tendo passado por diferentes locais e, inclusive, unidades prisionais. Aproveitou a oportunidade para apontar duas iniciativas das quais a entidade está à frente, com parcerias com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e o Ministério Público do Trabalho, por exemplo: “Para pensarmos em ações de inserção laboral para as pessoas egressas e privadas de liberdade, garantindo a implementação da PNAT [Política Nacional de Trabalho], pensando na inserção de mulheres e pessoas privadas de liberdade e egressas nas cotas públicas”.

“Temos ainda uma parceria com a Senappen, que eu aqui destaco, que é o Pena Justa. Esse programa vai olhar para a ADPF 347 e tentar garantir direitos, e aqui eu vou reforçar a garantia de direitos dentro das unidades de privação de liberdade. Então, não queremos nem viemos pensar em inovações, e, sim, no que deve ser observado”.

Por Val-André Mutran – de Brasília