Esta segunda-feira, 30 de julho, foi marcada por uma polêmica discussão no auditório da Superintendência do Incra em Marabá. Em jogo, a aquisição de quatro fazendas da Família Miranda: Renascença, São José, São Pedro e Monte Belo. Elas ficam no chamado “quintal” de Marabá, a cerca de 60 km de Parauapebas.
O blog do Zé Dudu foi o primeiro veículo de comunicação a alertar sobre a polêmica que se criaria em torno desta compra. E quem primeiro chamou a atenção para essa demanda foi o Ministério Público Estadual em Marabá, por meio da 8ª Promotoria de Justiça, que cuida de questões ligadas ao meio ambiente.
O grande dilema é que o complexo de fazendas da família Miranda possui imensa cobertura florestal e alta relevância ecológica, por permitir a conexão com o Rio Itacaiunas e à Reserva Biológica (Rebio) Tapirapé-Aquiri, além de ser, provavelmente, um dos maiores remanescentes florestais em áreas privadas que ainda estão conservados no município de Marabá.
A pretensão do Incra é transformar o complexo dos Miranda em um assentamento para 166 famílias, mas há o temor que ocorra o que, em geral, acontece em outras áreas: a madeira é vendida por preço irrisório para empresas madeireiras, depois os assentados vendem a propriedade e vão embora, deixando para trás um passivo ambiental preocupante.
A oferta dos imóveis foi feita pelos proprietários em outubro de 2016; os laudos de avaliação foram concluídos em 7 fevereiro de 2017; a mesa técnica foi realizada em 10 do mesmo mês e ano; e o Termo de Concordância dos proprietários em 5 de dezembro do ano passado.
O Incra pretende pagar pelas quatro fazendas o valor de R$ 47.123.215,80, sendo R$ 3.714.620,77 por benfeitorias e R$ 43.408.595,03 pela terra nua. Mas a promotora achou muito alto o valor a ser pago, principalmente levando-se em consideração que o valor por hectare chega a R$ 6.002,10, enquanto a média regional é de R$ 4.000,00. Com isso, o custo por família a ser assentada é de R$ 283.874.79. Cada uma delas ficaria assentada numa área de 12 hectares.
NA AUDIÊNCIA
A maior parte das cadeiras do auditório foi preenchida por trabalhadores rurais, arregimentados pela FNL (Frente Nacional de Luta), mas também houve representantes do IBAMA, ICMBio, Conselho Municipal do Meio Ambiente, Unifesspa, um dos proprietários das fazendas que tentam negociar com o Incra e ambientalistas.
A FNL defende a aquisição da área para fins de reforma agrária e listou, em um documento, uma série de fatores que contribuiriam para a sustentabilidade das 166 famílias que seriam (ou serão) assentadas ali nos âmbitos social, econômico e ambiental. E até mesmo chegou a sugerir dois nomes para o possível projeto de Assentamento: Corrente ou Renascença.
Segundo a nota da FNL, as áreas de reserva não serão loteadas, sendo protegidas de ação predatória de caçadores, pescadores, madeireiros e queimadas. “O futuro projeto Corrente ou Renascença será implantado sob bases sólidas, gerenciado através de cooperativa, espelhado naqueles que estão dando certo, e com todo cuidado para não cometer erros comuns, que têm levado comunidades inteiras ao colapso”, diz a nota.
Sinara Albuquerque, engenheira agrônoma do ICMBio, também fez um discurso firme a respeito da grande preocupação que os técnicos do órgão têm em relação à criação de um projeto de assentamento tão perto da Rebio Tapirapé-Aquiri, mostrando que o laudo realizado pelo Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade apontam que as fazendas em questão estão localizadas na chamada área de amortecimento da Reserva Biológica do Tapirapé.
NÃO, NÃO E NÃO
Mas, a bela proposta da FNL foi maculada por representantes de órgãos ambientais, que traçam prognósticos preocupantes e alertaram o Incra sobre sua responsabilidade ao colocar famílias tão perto da Reserva Biológica Tapirapé-Aquiri. Foi o caso de Roberto José Scarpari, um dos maiores especialistas em madeira da região – principalmente castanheira. Ele alertou os presentes sobre a pressão que será exercida sobre a Rebio Tapirapé em caso de confirmação da aquisição e posterior assentamento das famílias.
Jorge Bichara, presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente, foi contundente e mostrou às famílias que foram à audiência pública como elas poderão ser afetadas com a medida do Incra, que acaba não dando a assistência que promete. “O Incra já desapropriou milhares de hectares de terras nas regiões sul e sudeste do Pará, estabeleceu um grande número de assentamentos e até hoje não nos destacamos na produção de alimentos”, lamenta ele.
Mas o maior temor dele é com a possibilidade de desmatamento da área preservada das fazendas, que medem 7.850 hectares e os 30% que poderiam ser derrubados já passaram por esse processo. “Atingimos o limite de desmatamento no município de Marabá. Não há necessidade de abertura de novas áreas para pecuária e agricultura. Basta que o Incra retome as áreas abandonadas e revendidas para fazendeiros e redistribua para os agricultores, oferecendo as linhas de financiamento para que eles possam trabalhar dignamente”, sugeriu.
Ele lembra que Marabá está na lista negra de desmatamento e atribui ao Incra grande parte da responsabilidade por isso. “Solicitamos a lista dos agricultores interessados em receber uma terra, principalmente os que estão aqui presentes nesta audiência pública”, encerrou.
NÃO HÁ RISCO
Também presente à audiência, Márcio Miranda, um dos proprietários das fazendas que estão sendo oferecidas ao Incra, negou que elas façam fronteira direto com a Flona Tapirapé-Aquiri e que sirvam de zona de amortecimento para a mesma. Alegou que a família tem mais de 50 mil hectares naquela região e que está colocando à venda pouco mais de 7 mil hectares e que sempre tiveram boa relação com os trabalhadores rurais.
HÁ RISCO
Professor de Biologia da Unifesspa, Danilo Oliveira também mostrou-se preocupado com a transformação da área em questão em projeto de assentamento, alertando que o risco é muito grande de se iniciar um processo de desmatamento que pode prejudicar a fauna e a flora daquela região, a última grande área preservada que ainda existe no município de Marabá.
Os representantes do Incra receberam abriram espaço para perguntas e apresentação de argumentos da comunidade presente, mas seus técnicos não souberam responder a boa parte dos questionamentos e disseram que “em breve” as dúvidas serão dissipadas, mas não deram data para isso.
Após a audiência, o próximo passo do órgão fundiário será reunir o Conselho de Decisão Regional (CDR), que por sua vez fará avaliação de aprovação ou não de compra das quatro fazendas da família Miranda e consequente assentamento das famílias interessadas.