A Prefeitura de Belém está se movimentando para faturar mais recursos do cobiçadíssimo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E isso pode afetar todos os 144 municípios paraenses, já que qualquer rearranjo na configuração da cota-parte do imposto impacta o valor a receber das prefeituras como um todo, para mais ou para menos.
A capital paraense está descontente com os valores recebidos nos últimos anos. O Blog do Zé Dudu constatou que a prefeitura de lá recebeu R$ 433,57 milhões em ICMS em 2017; R$ 435,6 milhões em 2018; e prevê arrecadar R$ 458,83 milhões ao longo deste ano. Mas a insatisfação, no fundo, é com o índice da cota-parte, que está em franco declínio e estaria levando a uma perda de receitas da ordem de R$ 140 milhões por ano.
Belém iniciou esta década mordendo 20,52% do bolão do ICMS a ser repartido entre as prefeituras. No auge da participação, a capital alcançou 20,57%, em 2011. Desde então, sua presença na fatia do bolo está em queda livre, de maneira que o índice de cota-parte previsto para o exercício de 2019 é de 15,28%. Se facilitar, Belém será engolida pela Prefeitura de Parauapebas, cuja cota para este ano é de 14% — e vale lembrar que Parauapebas já experimentou a delícia e a dor do desmanche do ICMS, mas voltou a crescer em participação nos últimos dois anos.
Para não ficar para trás, a Prefeitura de Belém organizou uma reunião na tarde de ontem (24), no Palácio Antônio Lemos, lá mesmo na capital, e arregimentou 15 lideranças municipais para discutir a metodologia e os critérios de partilha do ICMS entre os municípios. O prefeito Zenaldo Coutinho move uma ação judicial contra a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) em cuja mesma contesta a aferição do Valor Adicionado (VA), estabelecido no percentual de 75% para composição do índice de participação dos municípios no recebimento do imposto estadual.
Como é feito o cálculo
O ICMS é, segundo a Sefa, um imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, bem como sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. A Constituição Federal estabelece que 25% do produto da arrecadação do ICMS pertencem aos municípios, devendo ser creditadas assim: três quartos, no mínimo, na proporção do Valor Adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; e até um quarto, de acordo com que dispuser lei estadual ou, no caso dos territórios, lei federal.
O VA a que se refere a Constituição corresponde, para cada município, ao valor das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, no seu território, deduzido o valor das mercadorias entradas, em cada ano civil. No Pará, um decreto estadual discrimina os documentos necessários para apurar o Valor Adicionado dos municípios paraenses para fins de cálculo das cotas que garantem a arrecadação pelas prefeituras.
Assim, fazem parte dos documentos a Declaração de Informações Econômico Fiscais (Dief), a Nota Fiscal Avulsa (NFA), o Conhecimento Avulso de Transporte Rodoviário e Aquaviário de Cargas, o Auto de Infração e Notificação Fiscal (Ainf) e o documento utilizado para declaração espontânea de débito. Por outro lado, são imunes ao imposto a exportação para o exterior de mercadorias (inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados) ou serviços; a remessa, para outra Unidade da Federação, de petróleo e derivados, bem como energia elétrica; e a circulação de livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua impressão.
Apesar de andarem juntos, não se deve confundir o VA com o ICMS recolhido pela empresa. São elementos distintos, pois pode haver Valor Adicionado independentemente do valor de imposto recolhido.
O que Belém questiona
Em meio ao calhamaço técnico-contábil que deixa em polvorosa as prefeituras, as quais só desejam o produto financeiro disso, Belém contesta a apuração do VA de outros lugares, o que estaria levando ao rebaixamento de sua cota-parte de ICMS. Grosso modo, o Valor Adicionado seria uma espécie de lucro entre o que as empresas vendem e as despesas gastas na produção de determinada mercadoria. E aí está o problema, segundo Zenaldo Coutinho.
Ele, que entrou com uma ação na Justiça Fazendária questionando a baixa do ICMS da capital, acredita que as atividades das indústrias extrativas instaladas no estado estão prejudicando Belém e cerca de cem outros municípios paraenses porque o VA produzido dentro dos municípios mineradores estaria inflado e, com isso, causando distorção na metodologia de cálculo aplicada pela Sefa para definir as cotas.
Em entrevista a O Liberal, Zenaldo acusou a mineradora multinacional Vale de não precificar suas commodities exploradas no subsolo paraense e, também, por apontar apenas as despesas operacionais. Em razão disso, diz ele, a Vale entrega seu Relatório Anual de Lavra (RAL) à Agência Nacional de Mineração (ANM) assinalando VA (ou lucro) de 84% em suas atividades no Pará, o que, para Zenaldo, “não existe” e não tem efeito contábil.
Por causa do superlucro da Vale, como criticado por Zenaldo, o VA estaria subindo e municípios como Parauapebas, maior produtor de minério de ferro do país, teriam a cota-parte do ICMS superdimensionada. No meio do fogo cruzado de informações fiscais, o município de Belém estaria sendo prejudicado por não possuir indústria mineral em seu território e, assim, valer-se dos mesmos métodos que, segundo ele, beneficiam Parauapebas. Disposto a brecar a metodologia, Zenaldo avisa que já pediu perícia judicial em documentos movimentados pela Vale
Parauapebas penalizado
Em entrevista ao Blog do Zé Dudu, o prefeito Darci Lermen mostrou-se preocupado com a questão e fez um alerta: se os índices forem mexidos para beneficiar Belém e outros municípios, em Parauapebas haverá redução de salários dos servidores para poder aguentar o rojão. E não só. Alguns investimentos em serviços poderão ser suspensos.
Acontece que o ICMS é a maior fonte pagadora dos salários do funcionalismo municipal, considerados os mais altos do Pará entre as 144 prefeituras. Em 2018, só a folha de pagamento da Prefeitura de Parauapebas atingiu R$ 520 milhões — é muito mais que as receitas totais somadas das prefeituras de Castanhal (R$ 410 milhões) e Redenção (R$ 180 milhões) no ano passado. Com os milionários recursos dos royalties de mineração a prefeitura não pode quitar a despesa com pessoal, em razão de imposições legais.
“É uma questão muito preocupante, e vamos lutar com todas as forças. Estou, nos últimos dias, muito dedicado a isso”, afirma Darci, explicando que a Prefeitura de Parauapebas também entrou na justiça com liminar para impedir a baixa na cota-parte do ICMS. Ele acredita que a liminar deva ser julgada nos próximos 30 dias e espera que seja favorável a Parauapebas. O prefeito diz que está fazendo uma corrente com os líderes dos municípios mineradores para que, juntos, possam resolver a questão em definitivo.
O duelo fiscal dos dois titãs paraenses, Belém e Parauapebas, cujas prefeituras são as que mais arrecadam no estado, promete ir longe. O que ambos os lugares têm em comum, além do vivo interesse em garantir receitas, são administrações que, mesmo com os recursos bilionários que já arrecadam, não emplacam do ponto de vista social. Andam de mãos dadas até nos gargalos que parecem irresolutos nas áreas de educação, saúde, segurança e saneamento básico.