A partir desta semana, o deputado Raimundo Santos (Patriota) vai usar a tribuna em todas as sessões ordinárias para falar sobre o novo Regimento Interno da Assembleia Legislativa, cujo projeto está pronto para ser debatido e votado. E não foi nada fácil para o parlamentar construir o que ele diz ser a “bíblia” que todos os 41 deputados precisam seguir, religiosamente, para evitar que as regras e normas da Casa sejam descumpridas, o que tem acontecido corriqueiramente.
Até quebra de decoro parlamentar acontece na Alepa, sem que nada seja feito. Raimundo Santos concedeu entrevista exclusiva à repórter Hanny Amoras, do Blog do Zé Dudu, sobre as mudanças que promove no Regimento Interno, após sete anos batalhando por isso. Diplomático, o deputado mais antigo do Legislativo estadual, formado em Direito e que participou da elaboração da Constituição do Pará, aponta as falhas existentes no parlamento estadual, mas com cuidado para não provocar polêmicas ou se indispor com os colegas. Até porque alguns deputados não veem com simpatia um novo Regimento.
São principalmente esses parlamentares que Raimundo Santos, indo à tribuna, quer convencer sobre a importância de modernizar as normas do processo legislativo, garantindo maior participação popular na construção do Legislativo estadual. Acompanhe a entrevista:
Blog: O que levou o sr. a propor um novo Regimento Interno certamente é a defasagem das normas da Casa. Caso esse novo Regimento não seja aprovado, quais serão as consequências?
Raimundo Santos: Já está sofrendo porque o Regimento, ultrapassado, não permite um debate qualificado das matérias. Nós temos aí matérias que são sujeitas a dois turnos, quando poderiam ser votadas em um só turno; nós temos projetos que não deveriam estar ocupando a pauta – título honorífico, utilidade pública, entrega de comendas, medalhas – e que permitem às vezes que se leve uma sessão inteira debatendo sobre esses projetos, que podem perfeitamente ser concluídos (votados) em nível de comissão. Se algum deputado se sentir contrariado e quiser sujeitar o assunto ao plenário que ele colha um terço das assinaturas dos deputados e consiga que o projeto vá ao plenário. Mas a gente passa anos aqui e não tem oposição a esse tipo de projeto.
Blog: Inclusive, esses projetos dominam a pauta da Alepa…
Raimundo Santos: De repente, quando se enxugar essa pauta aí os deputados vão ter tempo, com suas respectivas assessorias, para ter um debate mais qualificado. Hoje, por exemplo, o que prevalece na pauta são matérias em regime de urgência. E essas matérias, em razão de não termos uma pauta com tempo menor de discussão, podem ter uma discussão que leva 20 minutos (para cada deputado) e nós estamos reduzindo para 15 minutos. Uma discussão pode levar dias e nós estamos abrindo espaço democrático para que por requerimento do Colégio de Líderes ou até de líderes o parlamento encerre a discussão. Então, pelo novo Regimento, a pauta vai ficar mais otimizada para um debate mais qualificado.
Blog: Mas aí os debates não ficarão comprometidos?
Raimundo Santos: Pelo contrário. Onde nós estamos sugerindo que haja os grandes debates? Nas comissões. Quanto tempo faz que nós não aprovamos um projeto de iniciativa do próprio parlamentar no qual tenha existido uma audiência pública, a participação da sociedade civil, de entidades científicas, de entidades culturais? Então nós estamos propondo que o projeto, em vez de tramitar por várias comissões, siga para uma comissão especial a ser criada pelo presidente, via Colégio de Líderes, e essa comissão vai destinar o tempo que seria de três comissões em um debate mais qualificado, mais integral, dando espaço para a sociedade. Com isso, você tem a democracia sendo realizada pelo debate porque às vezes chega uma opinião da sociedade que nós não estávamos enxergando e passa a ser incluída essa opinião. E aí fica a democracia participativa e nós cumprimos o nosso papel representativo porque há tempos a sociedade não aceita mais o poder representativo como está sem que ela esteja no meio do debate, sem que esteja acompanhando o que está acontecendo. Por isso que o Regimento hoje é ultrapassado. E tem mais um detalhe. O que trata o novo Regimento? Do processo legislativo, da fiscalização – que é nosso papel essencial -, mas trata também dessa representatividade do debate de grandes temas da sociedade.
Blog: Pelo que entendi, com o novo Regimento o sr. está propondo que tenhamos um Legislativo mais cidadão. É isso?
Raimundo Santos: Mais célere, mais qualificado nos seus debates e, sobretudo, mais participativo, o que quer dizer mais cidadão, em última instância mais democrático. Hoje, nós temos o tempo das sessões dividido em duas Ordens do Dia. São 30 minutos só para apresentação de projetos, votação de requerimentos, votação de licença de deputados. A proposta é suprimir esses 30 minutos. Teremos uma única Ordem do Dia realmente para debater os projetos que estão em tramitação na Casa.
Blog: O sr. falou que os projetos em regime de urgência estão predominando a pauta. Inclusive chegou na Alepa o projeto de emenda constitucional, que promove a Reforma da Previdência no Pará, em caráter de urgência quando o presidente da República deu prazo até julho do ano que vem para os Estados fazerem a sua própria reforma previdenciária. Mesmo com esse prazo, o governador está pedindo urgência. Há necessidade disso?
Raimundo Santos: Evidentemente, de um lado, o governo está se antecipando nesse debate, que é necessário. Todos sabemos que é necessária a reforma. Agora, por outro lado, como proposta de emenda constitucional – é o meu entendimento – não pode ser encaminhada em regime de urgência, tecnicamente falando. Isso não quer dizer que o assunto, sendo relevante, não deva da parte da Assembleia Legislativa ter um agir de acordo com a premência do assunto. Mas essa premência tem que ser conduzida pela Mesa, pelas lideranças, pelas comissões de tal forma que o debate seja o mais amplo possível. E assim, quando tivermos que exercer a democracia em nome do povo – não há outra linguagem senão a da maioria –, possamos fazê-lo com a consciência tranquila de que houve espaço. Eu até sugeri isso ao governador, que houvesse audiência pública para que se auscultasse aí as diversas correntes da opinião pública. Além da audiência, houvesse a reunião do Colégio de Líderes para debater os amiúdes sobre as nuances daquilo que vamos receber em termos de alteração da previdência. Acabamos de assistir a Reforma da Previdência no Congresso Nacional, que deu esse espaço para a sociedade. O texto final pode não ter agradado algumas autoridades do governo, mas foi um texto em que a sociedade foi envolvida.
Blog: O sr. falou em Colégio de Líderes e na Alepa, durante as sessões plenárias, alguns deputados têm cobrado reunião desse colégio, para resolver questões que têm incomodado esses deputados, como a baixa presença nas sessões e a falta de inclusão, na pauta, de projetos de iniciativa do próprio parlamentar. O que falta para esse colégio se reunir?
Raimundo Santos: O Colégio de Líderes foi incluído agora no novo Regimento como novo órgão da Casa e será formado pelos líderes dos partidos, dos blocos parlamentares. Terá algumas funções importantes que vão ajudar o próprio parlamento, a própria Mesa e o próprio presidente. Por exemplo, será ouvido na elaboração de projetos de regulamento interno tanto das comissões quanto também será ouvido nos casos de nomeação de comissão especial daquelas matérias que congreguem mais de uma comissão de mérito. Então, ele foi criado para otimizar o tempo e ampliar o debate democrático nessa composição que o presidente fará. O colégio será ouvido também num aspecto importante: na organização mensal da pauta das matérias que virão compor a Ordem do Dia. Não que essa relação de proposta seja terminativa. Pode ser alterada de acordo com projeto que chegue em regime de urgência e também com outras matérias a critério do presidente da Assembleia. O Colégio de Líderes também será ouvido pelas comissões permanentes em assuntos que possam melhorar o trabalho da Casa. Creio que será muito importante até porque terá algumas competências, além dele ser ouvido, como propor convocação de período de sessões extraordinárias, requerer a prorrogação automática da Ordem do Dia, solicitar a preferência de apreciação de matéria, reunir por solicitação do presidente ou dos líderes para tratar de assuntos de importância para atuação parlamentar e outras atribuições.
Blog: Isso não vai invadir as prerrogativas do chefe do Legislativo?
Raimundo Santos: Nunca. Pelo contrário. Vai fortalecer até legitimando mais as posições do presidente da Casa. À primeira vista alguém pode entender isso, mas é um pensamento equivocado porque hoje determinadas ações do presidente estão sendo tomadas – porque a Casa tem comando – mas sem estar claramente previstas no Regimento. No instante em que o colégio se reúne com o presidente para sugerir uma agenda mensal estará facilitando politicamente o papel do presidente de deliberar em última análise sobre a pauta. Não estará amordaçando o presidente, pelo contrário. Está politicamente dizendo: ó, presidente, tem essas matérias aqui que nós estamos julgando, são importantes. E hoje o presidente só recebe aquilo que está à Mesa como sugestão da assessoria técnica da Mesa. Ele continuará tendo assessoria técnica e também assessoria política, que vem das lideranças, do povo. Então, é uma forma de atender mais democraticamente a população e dar mais força à decisão política do próprio presidente. Em nada está tirando os poderes do presidente.
Blog: As prerrogativas continuam as mesmas.
Raimundo Santos: Continuam as mesmas e até um pouco ampliadas porque algumas atribuições que não estão hoje no Regimento atual para a presidência agora ficam de forma expressa atribuídas ao presidente da Casa.
Blog: Sobre o pedido de licença dos deputados, temos observado um excesso na Casa tanto que temos ouvido, em plenário, reclamação dos próprios deputados sobre esse excesso. Não é necessário que os deputados sejam mais presentes nas sessões?
Raimundo Santos: Eu realmente tenho visto muitas licenças, então por isso que é interessante passar essa decisão para a Mesa porque já tivemos oportunidade da Mesa aqui, em outros tempos, disciplinar que as licenças seriam concedidas em dias que não houvesse na Casa a sessão ordinária. Ou então, se já tinham ali duas ou três licenças, o presidente conversaria, a Mesa conversaria: ‘não, já temos aqui licenças com o número acordado e você tem que marcar a sua viagem de atividade para outro dia’. Creio que é mais do que razão para a Mesa controlar a licença e nós então termos esse tempo para o debate legítimo dos projetos.
Blog: O sr. diz que os deputados precisam se curvar ao Regimento Interno, que é a “bíblia” da Casa. Mas quem acompanha as sessões plenárias observa que o Regimento é constantemente descumprido.
Raimundo Santos: O Regimento, até da Câmara (dos Deputados), é complexo porque já trata de uma matéria árida, escassa em manuais, em publicações. Por exemplo, fui deputado federal por 12 anos e lá (na Câmara) havia aquele grupo de técnicos que a todo instante socorriam a Mesa para interpretar o Regimento. Então, qualquer Regimento sofre com a falta de clareza dos próprios preceitos e da falta de manuais. Hoje, no Brasil, o mundo acadêmico se despertou pelo interesse quanto ao processo legislativo. Já temos até em muitas faculdades, de Direito, de Ciência Política, uma disciplina chamada processo legislativo porque realmente é matéria complexa. Então, eu como responsável por elaborar o novo Regimento, após sete anos de debate, o que fiz? Procurei fazer um verdadeiro livro. Não um livro citando doutrinas, jurisprudências, mas conceituando cada coisa do processo legislativo, numa ordem lógica. Conceituei cada ato. Até o que é pauta, coisa simples. Fiz um Regimento porque a sociedade também quer acompanhar. Uma pessoa de 15 anos quer olhar lá e vê se os deputados estão cumprindo. Tem que ter uma linguagem em que todos entendam. O que é avulso? O que é interstício? O que é precedência? O que é prioridade? O que é discussão? Como é a votação? Então, dentro de cada fase nós fomos disciplinando os atos processuais. Isso vai levar maior clareza para o deputado, para os assessores da Assembleia Legislativa e para a sociedade porque esse Regimento será publicado (no site) e qualquer um poderá acompanhar. Outrora, o Regimento era feito como uma ferramenta, às vezes, para situação; outras vezes, para a oposição, mas o Regimento não deve ser encarado assim. Deve ser feito como ferramenta para a democracia…
Blog: Mas ele não tem que ser cumprido, deputado? Eu vou insistir nesta tecla porque já vi projeto aqui ser aprovado sem quórum. Essa aprovação não tem valor nenhum, não é?
Raimundo Santos: Eu respondi a primeira parte da sua pergunta por que o Regimento às vezes não é cumprido. Exatamente pela falta de clareza até do que eles estão fazendo. Segundo, é (descumprido) realmente pela inobservância. Por exemplo, convencionou-se aqui na Casa de se votar muitas matérias numa mesma sessão, quebrando o interstício de dois turnos. Vai o deputado e diz: ‘peço esgotamento de pauta’. Mas isso não está no Regimento..
Blog: Então, não poderia.
Raimundo Santos: Não poderia. Aí se quebra o interstício sem estar no Regimento. Lá na Câmara isso é possível e eu estou colocando no novo Regimento que isso pode ser feito. Então, algumas convenções, no decorrer do tempo, foram acontecendo e que se tornaram uma afronta ao Regimento, mas que estão sendo votadas. Eu, em diversas oportunidades, na legislatura passada e algumas já nesta, me pronunciei dizendo que uma coisa é se votar título honorífico, que em geral ninguém vai contestar; outra coisa é votar uma matéria que, por exemplo, tenha a ver com pacto federativo. De repente, é aprovada uma matéria que o Legislativo fortalece determinado setor da economia. E há aqueles Estados que vão perder competitividade com aprovação dessa matéria e poderão ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade e, de repente, a gente sofrer algum revés, como já sofremos no passado, pelo simples fato de não termos respeitado o interstício. O Supremo, em algumas decisões, já declarou que é inválida a lei que não cumprir interstício. Então, nesse sentido deve-se sim ter essa cautela no cumprimento do Regimento. No novo Regimento, então, estou legitimando aquilo que é feito sem estar legitimado, que é quebra de interstício mediante aprovação da maioria.
Blog: Outro descumprimento do Regimento, que já possível observar neste ano, é sobre o decoro parlamentar. É pública a situação em que há deputado que profere palavras ofensivas aos colegas, aos servidores da Alepa. E fica por isso mesmo. Não tem que ter uma medida rigorosa contra essa situação?
Raimundo Santos: Olha, o projeto novo e o Regimento atual já disciplinam que qualquer orador, não só deputado, mas qualquer orador – porque isso pode acontecer até numa sessão solene, numa sessão especial – que usar a tribuna e proferir palavras injuriosas, ofensivas, a Mesa pode tomar algumas providências. A primeira delas é alertar o orador; a segunda, mandar retirar dos Anais da Casa, do que foi gravado, as palavras injuriosas, ofensivas; terceira, determinar que seja cortado o som do orador que estiver se manifestado de forma descortês se ele insistir em continuar; a quarta, se for parlamentar, encaminhar o assunto para a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Existe um Código de Ética e Decoro Parlamentar na Assembleia Legislativa do Pará embora alguns deputados não conheçam nem saibam da sua existência.
Blog: Por fim, deputado, qual sua expectativa com a aprovação do novo Regimento?
Raimundo Santos: Sobre o funcionamento, não tenho dúvidas de que vamos multiplicar o rendimento aqui do Legislativo. Quando eu digo multiplicar, alguns podem entender que é aumentar o número de leis aprovadas. Eu penso até diferente. Eu penso que, com esse Regimento, a gente pode reduzir muito a quantidade de leis já existentes porque as pessoas as vezes contabilizam resultado, ou de um parlamentar ou de um parlamento inteiro, pelo número de leis aprovadas.
Blog: E tem lei que foi aprovada, mas é inócua..
Raimundo Santos: É. Nós temos que ver a importância de cada lei. No próprio Regimento, propomos a criação de um grupo de trabalho, a ser regulado pela Mesa, que cuide permanentemente da consolidação das leis. Nós temos às vezes 20 leis tratando de um mesmo assunto e às vezes uma se chocando com a outra. O que vai fazer o grupo de trabalho? Ele não pode alterar o mérito, mas pode consolidar essa legislação e transformar 20 leis numa única proposta de autoria da comissão e vai para o plenário, para que siga a tramitação e seja votado. Isso é uma exigência até da própria Constituição, da Lei Complementar 95/98, é uma exigência da Lei Complementar 107 de 2004 aqui da Casa e nós precisamos fazer porque nunca foi feita essa consolidação. Aliás, é uma obrigação de todos os Poderes participarem dessa comissão de trabalho. Os poderes serão convidados a participar para que possamos enxugar essa hemorragia de leis que às vezes só servem para prejudicar o setor produtivo. Então, produção não é para aumentar leis, mas para que você, em menos tempo, possa debater mais projetos e debater esse enxugamento da legislação e possa ter participação popular. Outra inovação é a Comissão de Participação legislativa, que estamos criando não com atribuição de outra comissão normal. Quem vai compor? Todos os presidentes de comissão permanente. As propostas de iniciativa popular recebidas da sociedade serão encaminhadas para essa comissão, que terá que se reunir pelo menos uma vez por mês para avaliar e ver o que existe ali que pode ser convertido ou numa lei que vai reduzir a existência de outras leis ou criação de uma nova lei. É uma maneira de reduzir o distanciamento entre o parlamento e a sociedade. E vai ajudar a qualificar o nosso trabalho aqui na Assembleia Legislativa.