Ela atua nos cinco continentes. É a segunda maior empresa nacional, e também a segunda maior mineradora do mundo. Porém, em sua forma de atuação, incorpora os maus hábitos da maioria das grandes corporações globais. A Vale tem sido agente de inúmeros casos de destruição ambiental e de exploração massiva do trabalhador. Apesar desse currículo, boa parte de sua expansão se deve ao dinheiro público que recebeu do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“Eles pagam baixos salários, muitas vezes abaixo do mercado. Têm uma grande massa de trabalhadores com padrão de sobrevivência muito baixo, dão pouca atenção à saúde e à segurança do trabalhador, e têm pouco respeito às comunidades atingidas”, afirma Guilherme Zagallo, advogado da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Apenas no último ano, a empresa lucrou 13,2 bilhões de dólares, quatro vezes o valor pelo qual ela foi “comprada” nos anos 1990, com dinheiro e participação do BNDES. Banco e empresa estão entranhados em laços complexos. O BNDESpar (holding do banco criada para administrar suas participações em diversas empresas) tem uma participação de 4,2% das ações da Vale, e 12% da Valepar, empresa criada exclusivamente para ser acionista da Vale e que detém um terço do capital financeiro da companhia privatizada.
Empréstimos “ocultos”
Padre Dario Bossi, do Justiça nos Trilhos, esclarece como os benefícios são concedidos. “Os empréstimos para a construção de sistemas de transporte ferroviário são localizados em rubricas de infra-estrutura, para não deixar claro a quem a operação favorece”, diz. Padre Dario conta, também, que, no primeiro semestre de 2008, o BNDES aprovou uma linha de crédito de 7,3 bilhões de dólares para a Vale. Em seguida, o chefe de gabinete do presidente do banco, Demian Fiocca, transferiu-se para a alta direção da mineradora.
“O desenvolvimento que o BNDES sustenta é baseado em grandes projetos, com fortes impactos e poucos benefícios [à população]”, interpreta. Três exemplos comprovariam a teoria. Um deles é a imensa duplicação dos trilhos no Maranhão, obra financiada pelo banco, que também duplica os impactos sócio-ambientais no trajeto.
Enquanto a população local continua paupérrima, R$ 50 milhões em minérios passam diariamente pelos trilhos que atravessam as comunidades. Um segundo exemplo é a construção de uma nova siderúrgica em Marabá. Com investimento de R$ 6,6 bilhões, o projeto gerará, temporariamente, quantidade razoável de empregos. Entretanto, também é certa a devastação ambiental, a imigração masculina em massa, a favelização, e o aumento dos níveis de prostituição e violência.
Conflitos emblemáticos
O terceiro exemplo é o mais emblemático: o investimento em “reflorestamento”, que representa, na realidade, barreiras ao livre desenvolvimento da agricultura familiar. O BNDES prioriza o financiamento ao vasto plantio de eucalipto geneticamente modificado, escanteando o estímulo a pequenos produtores rurais.
Ao longo da estrada de ferro Carajás, o investimento da Vale, financiada pelo banco, vai fortalecer a monocultura do eucalipto. “Para além do sonho da preservação da Amazônia, ou do assentamento de pequenas comunidades rurais, afirmou-se mais uma vez a lei do mais forte e o modelo do agronegócio”, resume padre Dario.
Há ainda conflitos que ganharam contornos emblemáticos, embora raramente cheguem à imprensa (vale lembrar que a Vale tem uma ampla estratégia de propaganda na mídia). A instalação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), com participação da Vale, na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, é acusada de provocar enorme devastação ambiental, subemprego, exploração de mão-de-obra chinesa precária, e até vínculo com milícia. A empresa já foi embargada duas vezes. O BNDES destinou R$ 1,48 bilhão ao empreendimento.
Em abril, outro conflito. Em Barcarena, no Pará, a Alunorte, empresa de propriedade majoritária da Vale, foi multada em R$ 5 milhões por vazamento de lama vermelha e bauxita com soda cáustica. Também foi multada por barrar a fiscalização. A empresa recebeu 92 milhões de dólares do BNDES, ainda no governo FHC (1995-2002). No Canadá, onde a mineradora Inco foi comprada pela Vale em 2006, instalou-se uma greve inédita: 3,3 mil trabalhadores de um país central resistindo a uma empresa brasileira. A Vale é acusada de eliminar uma série de direitos trabalhistas, mesmo lucrando nos últimos dois anos mais do que a Inco em dez anos – 4,2 bilhões de dólares.
Fonte: Leandro Uchoas – Brasil de Fato