Diante de 197 países e mais de 200 líderes internacionais para discutir e desenvolver soluções concretas para mitigar os efeitos do aquecimento global, o Brasil chega na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2023 (COP 28), que começa oficialmente nesta quinta-feira (30) e prossegue até 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes, com dubiedade e uma certeza.
A dubiedade tem marcado as últimas declarações, um tanto hesitantes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sobre a extração de petróleo na Margem Equatorial e tem dividido o seu governo internamente. A área ambiental resiste em conceder licenças para que a Petrobras pesquise petróleo na região. Já a pasta de Minas e Energia defende que que seja feita o estudo com o propósito de extrair o recurso. Em falas recentes, o presidente tem minimizado a questão.
Em agosto, durante a Cúpula da Amazônia – IV Reunião de Presidentes dos Estados Parte no Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), evento internacional que ocorreu na capital paraense entre os dias 8 e 9 de agosto, reunindo chefes de Estado para debater a cooperação entre os países amazônicos e países parceiros no desenvolvimento sustentável da região, Lula foi questionado sobre impasse entre Ibama e Petrobras, o presidente respondeu de forma ríspida: ‘’Acha que vim para discutir isso?’’, se esquivando de enfrentar o impasse.
Um mês depois, em setembro, o presidente do Brasil disse: “Se encontrar a riqueza que se pressupõe que exista lá, aí é uma decisão de Estado se vai explorar ou não. Mas veja, é uma exploração a 575 quilômetros à margem do (Rio) Amazonas. Não é uma coisa que está vizinha do Amazonas”.
Meses antes, em maio, o Ibama negou licença para perfurar um poço na bacia da Foz do Amazonas para a Petrobras. O órgão argumentou, entre outros pontos, que era necessária Avaliação Ambiental de Área Sedimentar. O Ministério de Minas e Energia discordou da avaliação e pediu parecer técnico da Advocacia-Geral da União (AGU). Esse parecer está previsto para o início de 2024.
O fato é que também há desgastes com parceiros importantes. Voltando à Cupúla da Amazônia, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, alfinetou Lula. Na ocasião, Petro defendeu que os países membros da OTCA assumissem o compromisso de não explorar petróleo na região e classificou como “negacionismo” a expansão das frentes de combustível fóssil.
Não se trata de uma exploração diretamente na floresta. A foz do Amazonas faz parte da Margem Equatorial, que se estende por uma área de mais de 2,2 quilômetros quilômetros de litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte. Nessa região, há grande potencial de descoberta de petróleo, perto da Guiana, que também espera lucrar com a exploração de petróleo na região.
Para ambientalistas de ONGs com grife, como Marcelo Laterman, do Greenpeace Brasil, um projeto desse porte fragilizaria a posição de exemplo climático almejada pelo Brasil. “(O projeto na Foz do Amazonas) ignifica grave ameaça à biodiversidade e aos povos da região e, possivelmente, perda de credibilidade, de margem de negociação, e de uma oportunidade única de protagonismo internacional”, diz.
A gestão Lula tem adotado a estratégia de minimizar o impacto do tema em discussões globais. O argumento é de que há outras nações com situação mais preocupante, como a Grã-Bretanha, que vai abrir novos poços de petróleo. A visão é de que o Brasil seria “peixe pequeno” no futuro de uso do carbono.
“A decisão sobre combustível fóssil não é uma decisão só nacional, de cada um dos países. Temos de ter um acordo global sobre isso. Qual é o acordo? Cadê as propostas?” declarou recentemente a secretária Nacional do Clima, Ana Toni.
Estudo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), de novembro, mostra o mundo na contramão dos alertas de cientistas. A análise revela que os países planejam produção em 2030 de combustíveis fósseis 110% acima do limite necessário para cumprir o Acordo de Paris.
“Em 2020, o mundo consumia 99 milhões de barris de petróleo por dia. Hoje consome 103 milhões de barris por dia, apesar da entrada de muitos renováveis, como eólica, solar, biocombustiveis. Mas não conseguimos compensar o aumento da demanda”, diz Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. “O mundo precisa encontrar alternativas competitivas, ou uma maneira de reduzir a demanda de energia.”
A certeza
Foi justamente na reunião na França, onde foi celebrado o Acordo de Paris, que os países mais ricos do mundo se comprometaram a pagar aos países em desenvolvimento US$ 100 bilhões em investimentos para políticas de combate imediato ao desmatamento, queimadas e caminhos que levem à transição energética sustentável e antipoluente. Lula cobrou o dinheiro em vários encontros internacionais dos quais participou e o dinheiro ‘’tomou doril’’.
O Brasil leva na bagagem em sua participação na COP 28 notícias de melhora no combate ao desmatamento, mas incerteza sobre exploração de combustível fóssil na Margem Equatorial do Amazonas o que atrapalha a sua credibilidade no pacto global de redução de emissões de CO² para a redução do aquecimento global.
O Brasil tem planos de se mostrar como uma liderança na Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP 28). O objetivo é aumentar o protagonismo do País até a conferência de 2025, em Belém. Um tema, porém, promete dar dor de cabeça ao governo federal: a hesitação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em bloquear planos de explorar petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas, o que desgastou a imagem do País na agenda ambiental.
Lula quer usar resultados de queda de desmatamento para convencer países ricos a dar mais dinheiro para a preservação da floresta, para reforçar o discurso, a sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçará a estratégia.
Por um lado, o governo quer usar os dados positivos no combate ao desmatamento da Amazônia (queda de 22% em um ano) para convencer os países ricos a dar mais dinheiro para a preservação florestal. Por outro, a possibilidade de novas frentes de combustíveis fósseis, principal fonte de emissão de gases do efeito estufa no planeta, atrai questionamentos.
“Em 2020, o mundo consumia 99 milhões de barris de petróleo por dia. Hoje consome 103 milhões de barris por dia, apesar da entrada de muitos renováveis, como eólica, solar, biocombustiveis. Mas não conseguimos compensar o aumento da demanda”, diz Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. “O mundo precisa encontrar alternativas competitivas, ou uma maneira de reduzir a demanda de energia.”
Mudança nos rios ameaça matriz limpa brasileira
Segundo dados compilados pelo Instituto Talanoa, entidade que defende a agenda climática, metade da matriz energética brasileira (50,8%) se baseia em combustíveis fósseis. O petróleo e seus derivados têm maior presença nesse total (35,7%).
O Plano Nacional de Energia 2050, finalizado em 2020, considera o avanço na exploração de petróleo como “oportunidade de desenvolvimento”. O documento fala da transição energética, um processo é “complexo e longo”, com base em biocombustíveis, a eficiência energética, a eletrificação e o gás natural.
“O Brasil chegará no fim da década como 4º maior produtor de petróleo. Exportaremos essas emissões e temos o desafio de evitar a carbonização da nossa matriz elétrica”, diz Natalie Unterstell, presidente do Talanoa. “Com a mudança do clima, as vazões (dos rios, que servem às hidrelétricas) estão mudando, e o governo tem optado por abastecer o Sistema Interligado Nacional com fontes fósseis de energia”.
Pesquisa da Agência Internacional de Energia Renovável diz que é preciso triplicar a capacidade global de produção de energias renováveis e dobrar a eficiência energética até 2030 para colocar a transição energética em um caminho capaz de manter a temperatura global até 1,5º acima da era pré-industrial.
Plano de transição energética é aposta do governo
Uma das frentes do governo para expandir a oferta de energias renováveis é o marco legal das eólicas offshore no Congresso, que foi totalmente descaracterizada em votação na Câmara dos Deputados na quarta-feira (29), conforme reportagem do Blog do Zé Dudu (leia aqui). Caso a legislação passe, porque voltará a novo exame dos senadores, há expectativa de que as primeiras usinas eólicas, que geram energia pela força dos ventos, sejam construídas em alto mar no fim da década e precisam de investimentos bilionários que o país não tem.
A transição energética é um dos eixos do Plano de Transformação ecológica conduzido pelo Ministério da Fazenda. Entre outros pontos, a proposta do ministro Fernando Haddad pretende criar linhas de crédito voltada para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e a criação de um mercado regulado de carbono. A estratégia será lançada na COP 28, nesta sexta-feira, 1º.
Para Beto Mesquita, membro da Coalizão Brasil, não há expectativa de que o mundo pare de consumir petróleo de uma hora para outra. Mas que ao menos indique um caminho rumo ao “phase out” (a eliminação gradual desse consumo).
“O que precisamos, urgente, é de um plano estratégico que aponte o phase out, estabeleça os passos e a trajetória necessários para um modelo de transição energética que priorize fontes renováveis e limpas, em modelos de produção e distribuição inclusivos e sustentáveis ao longo da cadeia”, argumenta ele, diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, organização sem fins lucrativos que defende soluções de mercado inovadoras e sustentáveis.
Para Mesquita, é um contrassenso investir bilhões na exploração de novas áreas de petróleo. “O Brasil tem enorme vantagem comparativa em relação a países desenvolvidos no que se refere a sua matriz energética. Se insistir na aposta de que só com a ampliação da exploração de fósseis terá condições de avançar na transição, perderá a vantagem que tem hoje na corrida por energias renováveis”, defende.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.