Por Mara Barcellos – ALEPA
Você sabia que no dia 28 de agosto comemora-se o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento? A data instituída em 14 de janeiro de 2010, tem por objetivo conscientizar as pessoas sobre o problema e alertar o poder público a disponibilizar assistência médica e psicológica gratuita às vítimas. Por ser muito comum no Norte do Brasil, os acidentes envolvendo escalpelamentos passaram a ser conhecidos, inclusive, como uma verdadeira “tragédia amazônica”.
Para garantir mais segurança às pessoas que utilizam as pequenas embarcações no Pará e evitar os acidentes de escalpelamento, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa), aprovou em 21 de dezembro de 2006, o Projeto de Lei 6.935 – posteriormente transformado em Lei Estadual – obrigando barqueiros ribeirinhos de todo território paraense a usarem a carenagem, uma espécie de equipamento de proteção para o volante e eixo do motor. O Projeto de Lei é de autoria do deputado Martinho Carmona.
REALIDADE – Se o pequeno barco em que estava Balbina Barbosa Figueiredo, de 29 anos, natural de Anajás, tivesse carenagem para proteger o eixo do motor, ela não estaria na lista das centenas de vítimas de escalpelamento no Pará. O acidente aconteceu durante uma viagem que tinha tudo para ser tranquila, mas acabou em tragédia. “Saímos do interior de Anajás para a cidade, onde os meus avós iriam receber o pagamento do benefício da aposentadoria. E eu, sem saber do perigo, deitei próximo ao motor que, com velocidade, conseguiu atrair uma mecha do meu cabelo e arrancou parte do meu couro cabeludo. Eu tinha apenas onze anos e, dali em diante, minha vida mudou. Foram meses de dores e dez cirurgias reparadoras até recuperar minha autoestima”, relatou.
Acidentes como esses em que ocorre a perda do cabelo total ou parcial e, em alguns casos, a mutilação de membros do corpo, ainda são comuns no Pará e na Amazônia. Mas segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), esse tipo de incidente está diminuindo. Este ano, quatro acidentes de escalpelamento ocorreram em todo o estado. Esse número é menor do que o registrado em 2015, quando foram identificadas onze ocorrências.
Ainda segundo a Sespa, de 1997 a 2012, 85% das pessoas acidentadas eram do sexo feminino. Deste total, 65% eram crianças.
A ROTINA DO MEDO – Os acidentes acontecem em pequenos barcos artesanais e sem registros naval, comumente usados pela população ribeirinha do estado do Pará e região Amazônica. Pela exposição do eixo do motor, a hélice fica sem proteção. Com uma velocidade de 2.500 rotações por minuto, os cabelos compridos das meninas e mulheres se enroscam no eixo, provocando o acidente e com isso o couro cabeludo é arrancado. Com a força que isso acontece, alguns membros do corpo podem sofrem mutilações.
Desde 2009, quando foi criado o Plano de Enfrentamento ao Escalpelamento pela Marinha do Brasil, a Capitania dos Portos passou a oferecer gratuitamente aos barqueiros, o equipamento de proteção para cobrir o eixo do motor.
No total, 21 municípios paraenses estão entre os que registram maior número de acidentes: Abaetetuba, Afuá, Anajás, Bagre, Barcarena, Breves, Cametá, Chaves, Curralinho, Igarapé-Miri, Juruti, Limoeiro do Ajuru, Melgaço, Moju, Muaná, Oeiras do Pará, Oriximiná, Gurupá, Portel, Prainha e São Sebastião da Boa Vista.
RECOMEÇOS – O processo de recuperação das vítimas é longo e doloroso. São necessários várias cirurgias de reconstrução do couro cabeludo. A falta de cabelo ainda afeta a aparência e, consequentemente a baixa estimafeminina, sendo portanto, fundamental o acompanhamento psicológico.
Foi pensando em resgatar a autoestima dessas mulheres, que a assistente social Maria Cristina de Jesus dos Santos, resolveu criar a Orvan, ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor. Mais do que uma ação social, ela resgata sonhos.
Criada há cinco anos, a Orvan é uma referência na confecção de perucas. Toda a produção é destinada a atender às vítimas de escalpelamento e às mulheres, crianças e jovens com queda de cabelo por tratamento de quimioterapia contra o câncer. A instituição vive de doações e com apoio de voluntários para desenvolver suas atividades. Para produzir uma peruca, por exemplo, são necessários dez metros de cabelo. Mas, atualmente, as atividades estão sendo prejudicadas por falta de recursos financeiros. Sem dinheiro, as contas de energia, segurança e internet estão atrasadas e os dias de trabalho foram reduzidos para apenas três vezes por semana, por contenção de despesas.
Por acreditar na continuidade do projeto, a presidente da Orvan pede apoio. “Meu sonho é ver os projetos saírem do papel e que a sociedade e os governantes possam valorizar mais esse trabalho. A causa não é só minha, é dessas mulheres vítimas do escalpelamento e do preconceito social ”, argumentou.
Foi por meio da ONG que Regina Formigosa, 42 anos, conseguiu ter de volta a autoestima. Ela sofreu um acidente de barco quando tinha 22 anos. O cabelo ficou preso no eixo do motor e arrancou de forma brutal seu couro cabeludo. Além das cicatrizes das inúmeras cirurgias, o acidente deixou marcas na alma. “Eu era de um jeito e, de repente, recebo a notícia de que nunca mais teria cabelo. Isso me levou a depressão. Tudo mudou quando conheci a Orvan. Hoje uso peruca e me sinto bonita. Meu sentimento é que esse tipo de acidente acabe e que o trabalho da ONG continue para ajudar outras mulheres”, declarou.
As pessoas interessadas em fazer doações à Orvam, devem procurar a sede da ONG ou entrar em contato pelo telefone (91) 9117 0490. A ONG fica na Avenida João Paulo II, Lote 134, Bairro Castanheira.
PROGRAMAÇÃO – Para comemorar o Dia Nacional de Enfrentamento ao Escalpelamento, celebrado no dia 28/08, uma equipe de profissionais da Sespa realizou – de 22 a 26 deste mês – em Belém e em dez municípios paraenses com maior número de acidentes, uma programação específica para tratar o assunto. A II Semana de Enfretamento aos Acidentes de Motor com Escalpelamento contou com diversas ações, desde distribuição de material educativo no Ver-o-Peso e no Porto do Açaí para orientar os barqueiros; palestras e rodas de conversas em escolas ribeirinhas; exibição de vídeos e apresentação de trabalhos acadêmicos sobre o tema.
Um dos destaques da programação foi o curso de Capacitação em Tecnologias de Saúde no uso de curativos industrializados no atendimento de urgência e emergência de lesões das vítimas de Acidente de Motor com Escalpelamento, realizado pela equipe de Programa de Atendimento Integral às Vítimas de Escalpelamento, (Paives) da Fundação Santa Casa do Pará, referência nesse tipo de tratamento. É um curso intensivo com aulas sobre atendimento de primeiros socorros, direcionado aos profissionais de saúde, Corpo de Bombeiros e também aos agentes comunitários de saúde de 46 municípios que trabalham na região do Marajó, Tocantina e Grande Belém. O Paives foi criado em 2008 e já atendeu 252 pessoas. Entre as vítimas, mais da metade são crianças.
Com o Programa de Atendimento Integral, as vítimas de escalpelamento recebem assistência com uma equipe multidisciplinar formada por cirurgiões plásticos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais e pedagogos.
De acordo com a Coordenadora de Mobilização Social da Sespa, Socorro Silva, o evento busca capacitar os profissionais para realizarem os primeiros procedimentos com eficiência e responsabilidade. “Esses conhecimentos são fundamentais para garantir uma boa recuperação da vítima, por isso investimos nesses cursos. A capacitação é constante. Este é o segundo curso ministrado em 2016”, explicou.
Socorro lembrou que uma das maiores dificuldades para um atendimento médico às vítimas é a alta rotatividade de profissionais de saúde que trabalham em locais distantes do centro. “Os profissionais que recebem o treinamento não permanecem muito tempo nessas cidades. Muitos são contratados e, ao serem demitidos, retornam para suas cidades ou estado de origem. E isso prejudica a qualidade do atendimento de primeiros socorros”, desabafou.
SERVIÇO:
Como evitar o acidente?
– Manter os cabelos totalmente presos, de preferência em forma de “coque”, com uso de boné;
– Resgatar os objetos caídos no barco somente quando a embarcação estiver parada e com o motor completamente desligado;
– Exigir ao barqueiro a cobertura de proteção do eixo;
– Ficar longe do eixo da embarcação;
– Evitar usar colares, cordões, lenços, porque podem se prender ao motor;
– Cobre também ao poder público local mais fiscalização no uso de proteção do motor;
– Nunca arme rede próximo ao motor.
Em caso de acidente, como agir?
– Jamais use remédio ou qualquer outra coisa no ferimento;
– O ideal é usar pano limpo para cobrir a área com lesão;
– Levar a vítima ao hospital mais próximo.