Câmara aprova MP dos Ministérios após acordo de Lira e Lula

Centrão esticou a corda, pressionado, governo liberou valor recorde de emendas num único dia
Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília

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Brasília – Na sessão mais longa e tensa do ano, e somente após um acordo avalizado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) que deu um voto de confiança à promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de melhorar a relação entre os dois poderes, os deputados aprovaram por 337 votos a favor, 125 contrários e uma abstenção, na madrugada desta quinta-feira (1º) — na virada da folhinha —, a Medida Provisória (MP nº 1.154/2023) que reestrutura a organização administrativa do governo federal, aumentando de 23 para 37 o número de ministérios do governo.

Primeira medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando tomou posse para exercer o seu terceiro governo, com a aprovação da matéria, a MP foi transformada em Projeto de Lei de Conversão (MPV nº 1.154/2023), designação a qual será votada nesta manhã no Senado para entrar em vigor como lei.

O Senado Federal precisa aprová-la até a meia-noite desta quinta, caso contrário a medida perde a validade e volta a valer a estrutura anterior, do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A conta para a aprovação da medida foi apresentada por Arthur Lira na tarde quarta-feira (31) diretamente ao presidente Lula. Especula-se que no diálogo, Lula ouviu de Lira que o governo estava com fama de caloteiro porque não tinha empenhado sequer as emendas negociadas para a aprovação da PEC da Transição, muito menos nomeado as indicações dos deputados supostamente aliados do Planalto. “Seus ministros engavetaram os pedidos”, teria dito o presidente da Câmara ao presidente do Brasil.

Após a conversa telefônica, caiu a ficha e o presidente Lula convocou uma reunião de emergência com o núcleo duro do governo e os líderes ligados à base política na Câmara, conforme o Blog publicou.

Nessas alturas, a sessão de votação já estava aberta desde as 9h da manhã. Houve deputado que discursou 10 vezes ao longo do dia esperando a abertura do painel que parecia que nunca aconteceria.

Encurralado, Lula teve de pressionar seus ministros para que fosse reservado R$ 1,7 bilhão de emendas ao Orçamento — um recorde para um único dia — para beneficiar obras indicadas por congressistas, incluindo as listadas para a aprovação da PEC da Transição — apelidada de PEC da Gastança — quando o governo não tinha sequer tomado posse.

O fato ajuda a explicar a desconexão do presidente Lula com a política doméstica. Ao contrário do que seria óbvio; arrumarcasa primeiro para depois conversar com os vizinhos.

“Lula colocou a carroça na frente dos bois e decidiu que a prioridade é passear pelo mundo e envergonhar o país com suas declarações deploráveis sobre os mais diversos assuntos da política internacional, culminando em trazer um sanguinário ditador [Nicolás Maduro, presidente da Venezuela], cujos seguranças deram porrada até em jornalista em solo brasileiro”, criticou o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), num dos discursos proferidos ao longo do dia, enquanto os congressistas esperavam o desfecho das negociações para a votação da matéria.

É dando que se recebe

Com o enquadramento dos ministros por um Lula furioso, o tranco no fusquinha 62 em que a articulação política do governo se transformou funcionou, azeitando a máquina da fisiologia que há décadas funciona como principal motor para um presidente que precisa de apoio no Legislativo.

Lula sabe que o presidente da Câmara, Arthur Lira, comanda cerca de 300 deputados de maneira muito firme. Após receber a ligação de Lula e conversarem, Lira disse aos seus aliados que daria um último “voto de confiança” ao Palácio do Planalto porque ouviu do presidente uma promessa de melhora na coordenação política do governo.

Sem citar nomes, mas até a estátua do ex-presidente JK em cima de seu mausóleo, acenando ao horizonte para quem quiser ver, sabe que Arthur Lira não suporta o ministro-chefe das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que cuida da articulação política do Planalto com o Congresso.

Confira como a Bancada do Pará votou a matéria:

Fotografia de como a Bancada do Pará votou a Medida Provisória nº 1.154/2023, que reestrutura a organização administrativa do governo federal, aumentando de 23 para 37 o número de ministérios do governo

Na sessão para apreciar e votar a medida provisória, a bancada paraense compareceu da seguinte forma. Enquanto os três votos do PL: Delegado Caveira, Delegado Éder Mauro e Joaquim Passarinho, votaram contra o governo; os governistas votaram em peso, somando 12 votos para a aprovação da matéria. São eles:

Airton Faleiro (PT-PA)

Andreia Siqueira (MDB-PA)

Antônio Doido (MDB-PA)

Celso Sabino (União-PA)

Dilvandra Faro (PT-PA)

Dra. Alessandra Haber (MDB-PA)

Elcione Barbalho (MDB-PA)

Henderson Pinto (MDB-PA)

José Priante (MDB-PA)

Keniston Braga (MDB-PA)

Raimundo Santos (PSD-PA) e

Renilce Nicodemos (MDB-PA).

Os deputados Júnior Ferrari (PSD-PA) e Olival Marques (MDB-PA), desapareceram do Plenário na hora da votação.

 José Guimarães, líder do governo na Câmara

O esforço do líder do governo

Após a aprovação da Medida Provisória 1154/23, na madrugada desta quinta-feira (1º), o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), reconheceu que foi uma vitória “doída” e “gratificante” diante de tantas reclamações sobre a articulação do Palácio do Planalto com a Câmara dos Deputados.

“Foi doído, foi doloroso, mas é uma vitória, fundamentalmente, do Parlamento. Alguns parlamentares tiveram grandeza e renunciaram às suas posições e compreenderam a gravidade do momento”, disse Guimarães.

Ele agradeceu aos líderes partidários e principalmente ao presidente da Câmara, Arthur Lira. “O governo haverá de reconhecer o seu papel e os gestos que teve na condução desse processo para não permitir que esta matéria caducasse”, disse Guimarães para Lira.

José Guimarães reconheceu que o governo tem problemas de articulação que precisam ser resolvidos. “Os líderes suaram no diálogo e deram crédito ao governo mesmo com as extremas dificuldades que vivenciamos — das demandas não resolvidas, dos ‘chás de cadeira’ dos ministros, daquilo que não foi encaminhado”, disse.

Ele destacou que a aprovação da medida provisória garante a implementação de políticas públicas fundamentais para o governo. “É fundamental dar ao País a nova estrutura administrativa do governo que saiu vitorioso das urnas e precisa dessa estrutura para desenvolver as políticas públicas do programa de reconstrução do governo Lula”, declarou.

Articulação

Os problemas na negociação entre governo e Câmara dos Deputados foram o principal ponto da discussão da proposta durante a sessão do Plenário. O líder do União Brasil, deputado Elmar Nascimento (União-BA), chegou a revelar que os líderes fizeram uma reunião de “lavagem de roupa suja” antes da votação e cobrou lealdade e credibilidade nas negociações.

“Depois que ficamos até a meia-noite de ontem [terça-feira] fazendo lavagem de roupa suja, devo dizer que a insatisfação é geral, todos os líderes reconhecem”, afirmou. Elmar Nascimento não poupou críticas ao Planalto. “Tudo isso é fruto da forma contraditória, desgovernada, da falta de uma base estabilizada”, criticou.

Elmar apontou que os recados da Câmara sobre a insatisfação foram ignorados pelo governo, que resolveu focar a sua atuação no Senado. “Na votação do decreto do saneamento, o governo não procurou entender o que estava acontecendo na Câmara dos Deputados e preferiu ir até o Senado e obstaculizar a votação. O marco temporal também foi um recado e todos os recados estão sendo dados sucessivamente”, disse.

O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) reconheceu que há problemas na articulação política do governo. “Sabemos que crise entre governo e Poder Legislativo é mais do que comum nas democracias modernas”, disse. “Temos problemas que serão superados, mas esta Casa vai votar com os interesses da população.”

A relação entre governo e Congresso também foi comentada por deputados de oposição. “Estamos vivendo um momento de turbulência política no País que não pode ser atribuído a nós que defendemos o governo anterior”, disse o deputado Eli Borges (PL-TO), coordenador da Frente Parlamentar Evangélica.

O líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ), afirmou que o presidente Lula conta com uma “maioria pífia”. “Estamos aqui desde as 9 horas da manhã e ainda não votamos essa medida provisória porque o governo não tem voto, a base do governo não existe”, disse ele, antes da votação da MP.

Joaquim Passarinho, presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo: “É até um desrespeito com as pessoas. O Brasil passa por necessidades, com problemas financeiros, com déficit orçamentário e nós aumentarmos 17 ministérios”, disse

Ex-vice-líder do Governo na Câmara dos Deputados no governo anterior, o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), disse ao Blog do Zé Dudu porque votou contra a matéria. “É até um desrespeito com as pessoas. O Brasil passa por necessidades, com problemas financeiros, com déficit orçamentário e nós aumentarmos 17 ministérios”.

“É uma despesa pública desnecessária para abrigar apadrinhados de partidos políticos. Para lotear e enquadrar todos os aliados dentro do governo e depois chamá-los de ministros. Cada partido, cada bloco, quer ter um ministro para chamar de seu e isso não é administração pública. Nós precisamos de racionalidade na despesa pública”, declarou Passarinho, que assumiu na terça-feira (30), a presidência da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.