Como num filme de suspense, minutos antes do relógio badalar meia-noite, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei nº 1.847/2024, do Senado, com 253 votos favoráveis, 67 contrários e 4 abstenções, mantendo a desoneração da folha de pagamento de empresas que mais empregam no País, e pequenos e médios municípios em 2024, prevendo a reoneração gradual a partir de 2025. A matéria será sancionada ainda nesta quinta-feira (12), pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O texto-base tinha sido aprovado ontem (11), a três minutos do fim do prazo estipulado (meia-noite) pelo Supremo Tribunal Federal. A sessão foi interrompida às 2h24 e retomada nesta quinta-feira (12) para a análise da redação final, aprovada de forma simbólica.
O texto, alinhavado na noite de quarta-feira (11) pela equipe econômica e pelas lideranças da Casa, traz uma nova redação em relação à versão aprovada no Senado — a mudança, no entanto, está sendo considerada como um ajuste de redação e, por isso, o projeto não terá de passar por nova análise dos senadores.
O projeto, de autoria do senador Efraim Filho (União-PB), surgiu depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar inconstitucional a Lei nº 14.784/2023, que prorrogou a desoneração até 2027, por falta de indicação dos recursos para suportar a diminuição de arrecadação.
Após duas derrotas, nas votações em Plenário, e em Sessão Conjunta no Congresso Nacional no final de 2023, o governo apresentou após o recesso de fim de ano, neste ano, um projeto de lei que foi devolvido ao Executivo criando um impasse institucional entre os dois Poderes. Diante da crise, o governo ingressou com uma representação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF), e no sorteio da relatoria, o julgamento do processo coube ao ministro Cristiano Zanin, ex-advogado pessoal do presidente Lula.
A pressa em aprovar a matéria até a meia-noite se deve ao fato de o prazo dado pelo ministro Edson Fachin, do STF, para que Legislativo e Executivo buscassem uma solução de consenso para o tema vencer nesta quarta-feira. Dessa forma, caso a Câmara não aprovasse o projeto até o final do dia, voltaria a valer a decisão tomada pelo ministro do Supremo Cristiano Zanin, em abril, que determinou a reoneração da folha.
“O governo deixou para a última hora e agora os setores (que contam com a desoneração) estão com a faca no pescoço”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). O tema mobilizou Executivo, Legislativo e Judiciário ao longo dos últimos meses, bem como o empresariado, que reclama de insegurança jurídica em meio ao longo impasse tributário.
“Ajustes que foram feitos são redacionais e vai para sanção, o que mostra o compromisso do governo. Seria muito fácil não votar e deixar voltar como era antes”, rebateu o líder do governo, José Guimarães.
Um acordo posterior foi fechado no sentido de manter as alíquotas para 2024 e buscar fontes de financiamento para os anos seguintes.
Assim, o texto contém várias medidas que buscam recursos para amparar as isenções durante o período de sua vigência, como atualização do valor de imóveis com imposto menor de ganho de capital, uso de depósitos judiciais e repatriação de valores levados ao exterior sem declaração.
A medida prevê que valores esquecidos em instituições financeiras sejam considerados para cumprimento da meta, na contramão do BC, responsável por verificar resultado das contas públicas
Além do uso de valores esquecidos em contas, o projeto também prevê como medidas compensatórias o uso de depósitos judiciais, atualização de bens no Imposto de Renda, repatriação de ativos mantidos no exterior e renegociação de multas aplicadas por agências reguladoras.
A equipe econômica alega, porém, que esses valores podem não ser suficientes para compensar a medida em 2025. Por esse motivo, o governo enviou ao Congresso um novo projeto de lei que prevê aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e uma mudança no Imposto de Renda dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma espécie de remuneração paga a acionistas. Os dois temas, no entanto, enfrentam grande resistência no Congresso.
O relógio marcava 0h36, quando a deputado Bia Kicis (PL-DF), informou ao Plenário: “Eu acabo de receber aqui a informação de que a AGU — Advocacia-Geral da União – solicitou ao Ministro Zanin a dilação do prazo por mais três dias para que se pudesse votar, porque eles estão vendo o seguinte: passou da meia-noite, descumpriu ordem do Ministro. Então, pode ser que seja anulado tudo isso que estamos fazendo. Acabaram de solicitar mais 3 dias.”, o que acabou não se confirmando.
“Quero dizer o seguinte: o que eles estão fazendo colocando esse trambolho numa lei que é de desoneração fiscal? Espere aí. Desonerar a folha e aí enfiar um monte de multa? Não faz sentido. O intuito da lei era desonerar. Aí pegam e colocam um monte de multa prevista na mesma lei?”, protestou a deputada.
Foi nesse clima de confrontação que a relatora da matéria, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), explicou que havia incluído esse novo trecho na proposta, nos momentos anteriores à votação. A mudança atendeu a acordo das lideranças com o Ministério da Fazenda para contemplar alertas do BC, mas foi além dos pontos levantados pela autoridade monetária, criando essa exceção no regramento fiscal.
A deputada gaúcha, porém, abriu mão da relatoria, que passou para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “Guimarães, que o senhor assine essa chantagem que estamos vendo aqui hoje. Não tenho como assinar esse relatório da forma como foi feito, no limite do prazo”, disse Ortiz.
“Nós conseguimos um acordo feito com a faca no pescoço, como com um sequestrador. Nós estamos aqui como reféns, temos uma hora para aprovar esse projeto para que amanhã os setores não tenham uma conta impagável no colo. Vamos garantir a desoneração, mas é lamentável o que o STF está fazendo com o apoio do Executivo, passando por cima da maioria do Congresso”, afirmou a relatora, destacando que, apesar de desistir da relatoria, iria votar de forma favorável ao texto.
Ladeada na Tribuna por várias colegas deputadas e pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), que preside a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), igualmente irritado com a maneira como a tramitação se deu, chegando em cima da hora para a votação dos deputados. Passarinho disse:
“Eu queria deixar bem clara a nossa posição. O que nós estamos vendo aqui é algo muito triste. Eu não estou acostumado com um Parlamento como este. A situação em que se coloca o Parlamento hoje, com esta discussão ali na frente, como V.Exa. [se referindo ao presidente da Mesa] está vendo, num torniquete colocado pelo Supremo dando prazo para nós, e numa situação em que, se não votarmos hoje, pode cair tudo. No final, quem está legislando não somos nós. Estamos legislando aqui por obrigação, uma obrigação imposta a nós, sem prazo. Se quisermos votar um destaque, será difícil, porque tem que voltar para o Senado. Como nós ficamos?”, indagou.
“É uma situação difícil em que deixaram a deputada Any Ortiz, e quero deixar bem claro que a deputada Any Ortiz fez um parecer muito digno sobre a desoneração da folha, algo que foi, Presidente, votado, foi vetado, o veto foi derrubado, todos os processos legislativos foram feitos sobre a desoneração da folha. Infelizmente, o Governo não se conteve, não respeitou, não aceitou, e foi procurar no Judiciário o seu refúgio para tentar fazer com que a desoneração, que foi votada por ampla maioria nesta Casa e no Senado Federal, não fosse respeitada”, protestou Passarinho.
“É uma situação difícil que nós estamos passando. O PL não aceita estar encurralado na parede. Nós queremos votar obstrução neste momento, nesta votação. Vamos conversando com a deputada Any Ortiz, por quem tenho muito respeito, mas é vergonhoso a Casa ficar dependendo desse tipo de negociação, desse tipo de acerto, de acordo para que possamos manter algo que foi votado duas vezes nesta Casa, duas vezes no Senado, e nós conseguimos fazer essa maioria. É a maioria do Congresso Nacional, é a maioria do povo brasileiro, é a maioria dos setores que mais empregam neste País e que estão sendo desrespeitados neste momento, sem que possamos ter, pelo menos, tempo de conversa e negociação”, lamentou o deputado paraense, encaminhando em nome do PL e do Bloco da Minoria.
“Eu fico muito triste por estar passando por este momento, por estar enfrentando este momento. O PL fica em obstrução vendo se podemos ter algum tipo de saída, o que eu acho muito difícil. Sei da disposição de V.Exa., pois tem que presidir a sessão. Respeito muito V.Exa. Tem a minha consideração a nossa Relatora, a Deputada Any Ortiz, mas, infelizmente, é impossível se construir praticamente alguma saída alternativa neste momento. Ficamos entre a cruz e a espada. No momento, o PL faz obstrução”, indicou Passarinho.
Ao assumir a relatoria, Guimarães afirmou: “Tenho maior orgulho de relatar essa matéria. Ela é boa, ajuda os pequenos municípios e os 17 setores”.
“Ajustes que foram feitos são redacionais e vai para sanção, o que mostra o compromisso do governo. Seria muito fácil não votar e deixar voltar como era antes”, rebateu o líder do governo, José Guimarães.
Além do uso de valores esquecidos em contas, o projeto também prevê como medidas compensatórias o uso de depósitos judiciais, atualização de bens no Imposto de Renda, repatriação de ativos mantidos no exterior e renegociação de multas aplicadas por agências reguladoras.
A equipe econômica alega, porém, que esses valores podem não ser suficientes para compensar a medida em 2025. Por esse motivo, o governo enviou ao Congresso um novo projeto de lei que prevê aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e uma mudança no Imposto de Renda dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma espécie de remuneração paga a acionistas. Os dois temas, no entanto, enfrentam grande resistência no Congresso.
Como será a reoneração gradual da folha?
O texto da desoneração da folha de pagamentos prevê uma reoneração gradual entre 2025 e 2027. A partir do ano que vem, os empresários passarão por uma cobrança híbrida, que misturará uma parte da contribuição sobre a folha de salários com a taxação sobre a receita bruta, da seguinte maneira:
Como contrapartida para o benefício, as empresas serão obrigadas a manter ao menos 75% dos empregados. Isso significa que uma redução de até 25% do quadro de funcionários não resultará na perda do direito à desoneração por parte dessas companhias.
No caso dos municípios, o texto também estabelece uma “escada”. Neste ano, está mantida a alíquota previdenciária de 8% aprovada no ano passado pelo Congresso. Em 2025, esse imposto será de 12%. Em 2026, de 16%. Em 2027, por fim, voltará a ser de 20%.
Como votou a Bancada do Pará?
• Airton Faleiro (PT-PA) -votou Sim
• Antônio Doido (MDB-PA) -votou Sim
• Dilvanda Faro (PT-PA) – votou Sim
• Elcione Barbalho (MDB-PA) – votou Sim
• Hélio Leite (União-PA) – votou Sim
• Henderson Pinto (MDB-PA) – votou Sim
• Júnior Ferrari (PSD-PA) – votou Sim
• Keniston Braga (MDB-PA) -votou Sim
• Olival Marques (MDB-PA) – votou Sim
• Delegado Caveira (PL-PA) – votou Não
• Joaquim Passarinho (PL-PA) -votou Não
• Raimundo Santos (PSD-PA) – votou Não
• Andreia Siqueira (MDB-PA) – Não votou
• Del. Éder Mauro (PL-PA) – Não votou
• Dra. Alessandra H. (MDB-PA) – Não votou
• José Priante (MDB-PA) – Não votou
• Renilce Nicodemos (MDB-PA) – Não votou.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.