Brasília – Primeiro item da pauta de votação da sessão de quarta-feira (13) da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n° 3.626/2023, que trancava a pauta após a aprovação do regime de urgência constitucional – quando o projeto vai direto ao Plenário, sem precisar ser examinado em comissões –, foi aprovado e será enviado ainda nesta quinta (15) ao Senado Federal.
O texto que passou foi um substitutivo apresentado pelo relator, deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), para o PL do Poder Executivo. Em vez de 10% da arrecadação ir para a seguridade social, como previa a MP, o setor ficará com 2%. Outros destinatários dos recursos serão a educação (1,82%), o esporte (6,63%) e o turismo (5%).
A matéria teve tramitação intrincada. O texto aprovado incorpora a Medida Provisória n° 1.182/2023, que regulamenta a aposta esportiva por meio de quota fixa (como as “bets”), prevendo nova distribuição da arrecadação, pagamento de outorga, exigências e restrições. Além de estabelecer a alíquota para as casas de apostas, o PL 3.626 fixa, para o apostador, a incidência de 30% de Imposto de Renda sobre o que exceder R$ 2.112, que é a atual faixa de isenção do IR.
Também estão previstas algumas proibições, como a restrição das apostas a maiores de 18 anos e a proibição de jogos por atletas, treinadores e demais pessoas ligadas aos objetos das apostas ou aqueles que atuam na fiscalização do setor. Funcionários de casas de apostas ou pessoas que sejam casadas, companheiras ou parentes de até segundo grau dos trabalhadores também estão proibidas.
Entre os opositores ao texto, um dos argumentos aborda os “malefícios” dos jogos de azar. “O jogo não é o caminho de prosperidade de uma nação, o jogo é uma porta de abertura para muitos males relacionados à família, a gastos que comprometem um cidadão no futuro. O jogo não é o caminho futuro de um cidadão,” afirmou o relator da matéria, que falou ainda em “patologias” relacionadas aos jogos.
Parlamentares calculam que o potencial arrecadatório da medida possa variar de R$ 12 bilhões a R$ 18 bilhões em um mercado totalmente regulado. A equipe econômica ainda está refazendo as contas e não fechou estimativas.
Os recursos, após a taxação das ‘’Bets’’, migram da área social e tem como novos destinatários a educação (1,82%), o esporte (6,63%) e o turismo (5%).
A Lei 13.756/18, que criou essa modalidade de loteria, previa que as empresas ficariam com 95% do faturamento bruto (após prêmios e imposto de renda), enquanto o projeto permite 82%.
Para remunerar clubes e atletas pelo uso de seus nomes, marcas e outros símbolos, as empresas de apostas deverão pagar-lhes contrapartida dentro dos 6,63%. Assim, desse total, 1,13 ponto percentual será distribuído a eles na forma de um regulamento.
Com a aprovação em Plenário de emenda do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), 0,5% do valor será direcionado a secretarias estaduais de Esporte, que terão de distribuir metade às secretarias municipais de Esporte proporcionalmente à população da cidade.
Dentro do montante da educação, 0,82% ficará com as escolas de educação infantil ou ensinos fundamental e médio que tiverem alcançado metas para resultados de avaliações nacionais. O restante (1%) ficará com as escolas técnicas públicas de nível médio.
No turismo, 1% irá para a Embratur e 4% ficarão com o Ministério do Turismo. “O jogo on-line ocorre em todo o território nacional atualmente, e o projeto regulamenta a atividade para que ela possa ser tributada”, lembrou o relator.
Potencial arrecadatório
A taxação de 18% vai incidir sobre o chamado GGR (gross gaming revenue, na sigla em inglês) recolhido pelas empresas, ou seja: sobre a receita obtida com os jogos, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores.
Para 2024, considerando apenas as apostas esportivas, a cifra prevista no Orçamento é modesta: R$ 728 milhões, já que será o primeiro ano da regulamentação. Mas a expectativa é de que esse montante cresça exponencialmente.
De olho nesses valores bilionários, os líderes fecharam questão para manter a tributação sobre as empresas em 18% — exatamente o patamar proposto pelo Ministério da Fazenda, no texto original.
A decisão foi na contramão de sinalizações dadas pelo relator da proposta, deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), de reduzir a taxação sobre as empresas de apostas, chamadas de “Bets”. O argumento inicial do parlamentar era de que a alíquota de 18% era elevada e poderia desincentivar a formalização de sites de apostas estrangeiros.
Viana diz que foi voto vencido entre os líderes da Câmara. Afinal, uma redução da alíquota significaria um bolo menor a ser repartido entre os ministérios.
Nos últimos dias, uma extensa lista de pedidos por recursos chegou às mãos do relator. Até o PT defendeu mover recursos da Seguridade para elevar para 12% os repasses para a área da educação, controlada pelo petista Camilo Santana (PT-CE).
Segundo um dos parlamentares que participaram da negociação, cogitou-se até zerar o repasse para a Seguridade para atender a todas as demandas que chegaram aos políticos da Casa, mas a ideia não prosperou.
O grande vencedor na disputa pela nova arrecadação é o Centrão. O Ministério do Turismo, comandado pelo deputado Celso Sabino (União-PA), aliado de Lira, saiu turbinado. A pasta não tinha destinação prevista no texto original, e agora ficará com 4% da verba das apostas.
O Ministério do Esporte, liderado pelo deputado André Fufuca (PP-MA), do mesmo partido de Lira, também saiu ganhando: engordou a sua fatia em um ponto porcentual, de 3% para 4%.
Além disso, outras entidades ligadas à pasta também serão atendidas com uma fatia da arrecadação. A Câmara reservou 1,63% para remunerar clubes e atletas pelo uso de suas imagens e marcas na divulgação das apostas. E mais 1% para os comitês Olímpico e Paralímpico, as confederações brasileiras de esportes escolares e universitários e para o Comitê Brasileiro de clubes.
Com essa divisão, os dois ministros do Centrão terão influência direta sobre 10,63% do total arrecadado com os sites de apostas e os cassinos online.
Outra área vinculada ao Turismo, mas não ao Centrão, a Embratur terá acesso a 1% da arrecadação. A previsão entrou no relatório de Adolfo Viana a pedido do presidente da entidade, o ex-deputado Marcelo Freixo (PT-RJ), que alegou penúria da instituição em razão do corte do financiamento público desde que a Embratur foi convertida em agência, em 2020.
A pasta da Educação também ganhou um ponto percentual, enquanto o Fundo Nacional da Segurança Pública manteve a sua destinação de 2,55%).
Disputa em curso
A aprovação do texto na Câmara dos Deputados não encerra a disputa em torno das apostas esportivas. Há uma pendência importante a ser resolvida: com quem ficará o comando da secretaria criada para gerir esse setor.
O texto da Câmara não trata do tema porque, segundo Adolfo Viana, o Legislativo não pode interferir nas atribuições do Executivo e uma mudança deveria ser objeto de decreto presidencial.
A secretaria, que hoje é controlada pela Fazenda, entrou na negociação do governo Lula com o Centrão com a chegada do PP ao Ministério do Esporte. O líder na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse na terça-feira (12/9), contudo, que uma eventual mudança para o Esporte ainda será tratada pelos ministros e não há garantia de que vá para o guarda-chuva de Fufuca.
Rateio da arrecadação
- 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública;
- 4% ao Ministério do Turismo;
- 1% à Embratur;
- 4% ao Ministério do Esporte;
- 1% a comitês esportivos;
- 1,63% aos clubes e atletas, como contrapartida à cessão do nome;
- 2% à seguridade social;
- 1,82% ao Ministério da Educação.
Outorga
As empresas que quiserem operar precisam de uma outorga, que será onerosa, com o pagamento máximo de R$ 30 milhões pela autorização, a ser concedida para os que preencherem os requisitos. O valor permite o uso de um canal eletrônico (um aplicativo [app] de apostas) por ato de autorização e deverá ser pago em 30 dias a partir do ato autorizador.
Essa autorização poderá, a critério do Ministério da Fazenda, ser por até três anos, terá caráter personalíssimo, inegociável e intransferível. Caso a pessoa jurídica autorizada passar por fusão ou modificação de controle acionário, a autorização poderá ser revista por meio de processo administrativo específico, assegurado o contraditório e a ampla defesa.
Evento virtual
Outra novidade em relação à MP modificada pelo substitutivo ao PL é a possibilidade de exploração de eventos virtuais de jogo on-line, quando o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório.
No entanto, o texto deixa explícito que não podem ser objeto de apostas as atividades ou prestação de serviços dos chamados fantasy sports, quando as disputas em ambiente virtual ocorrem a partir de avatares de pessoas reais.
É o caso de jogos interativos com premiações que não dependam da quantidade de participantes ou do volume arrecadado com a cobrança das taxas de inscrição.
Requisitos
Ao contrário do que propunha o governo na MP 1.182/2023, somente poderão pedir autorização as empresas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, ficando de fora as estrangeiras.
O regulamento definirá condições como:
- valor mínimo do capital social;
- ao menos um integrante com conhecimento comprovado e experiência em jogos, apostas ou loterias;
- estrutura e funcionamento de serviço de atendimento aos apostadores;
requisitos técnicos e de segurança cibernética, facultada a exigência de certificação reconhecida nacional ou internacionalmente; e - integração ou associação do agente operador a organismos nacionais ou internacionais de monitoramento da integridade esportiva.
Crime organizado
Os interessados deverão também adotar políticas, procedimentos e controles internos para prevenir a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destruição em massa, devendo enviar dados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Esses mecanismos deverão procurar ainda garantir o jogo responsável e a prevenção da ludopatia, além da integridade de apostas e prevenção da manipulação de resultados e outras fraudes.
Participação proibida
O agente operador da quota fixa ou suas controladas e controladoras não poderão comprar, licenciar ou financiar a compra de direitos de transmissão de eventos desportivos realizados no Brasil, por qualquer meio ou processo.
Eles não poderão também conceder ou adiantar valores ou bonificações para a realização de aposta ou ainda realizar qualquer tipo de arranjo para viabilizar ou facilitar o acesso a crédito pelo apostador, mesmo que representantes autônomos se instalem em seu estabelecimento.
Nesse tópico, emenda aprovada em Plenário, do deputado Weliton Prado (Solidariedade-MG), permitiu a contratação de agentes lotéricos.
Propaganda
Em relação à propaganda comercial, serão proibidas aquelas de empresas sem autorização para explorar a loteria; que veiculem afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou sobre possíveis ganhos que os apostadores podem esperar; ou que apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações de personalidades conhecidas e de celebridades que sugiram haver contribuição do jogo para o êxito pessoal ou social.
Essas peças publicitárias não poderão ainda sugerir ou dar margem para o entendimento de que a aposta pode ser uma alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro. Além disso, seu conteúdo não pode contribuir para ofender crenças culturais ou tradições brasileiras, especialmente aquelas contrárias à aposta.
Nessas situações, as empresas de comunicação ou os provedores de internet e sites deverão retirar a propaganda de circulação após notificação do Ministério da Fazenda.
A regulamentação poderá prever restrição de horários, programas, canais e eventos para a veiculação de publicidade e propaganda das apostas, de modo a evitar que sejam divulgadas a menores de idade.
Apostadores
O texto garante aos apostadores todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) e também o acesso a informações e orientações claras sobre como funcionam as apostas, às condições e requisitos para acerto do prognóstico e à retirada do prêmio.
Para viabilizar isso, o agente operador deverá dispor de serviço de atendimento por canal eletrônico ou telefônico de acesso e uso gratuitos.
Integridade das apostas
Outra obrigação do agente operador será a de adotar mecanismos de segurança e integridade na realização das apostas de quota fixa. Já os eventos sobre os quais serão feitas apostas deverão contar com ações para evitar a manipulação de resultados e a corrupção.
Para isso, o agente operador terá de integrar organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva.
As apostas comprovadamente realizadas com manipulação de resultados e corrupção nos eventos serão nulas de pleno direito.
Pagamentos
A fim de evitar a burla da regulamentação, o texto transfere às instituições autorizadas a operar arranjos de pagamento a proibição de dar curso a transações relativas a apostas feitas com empresas não autorizadas.
Para o pagamento das apostas e dos prêmios, somente as instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central poderão ofertar contas virtuais ou serviços financeiros de qualquer natureza.
Os recursos de apostadores mantidos nas contas de transação junto aos sites de apostas serão considerados patrimônio separado, não se confundindo com o patrimônio do agente operador. Assim, os valores não poderão ser objeto de arresto, sequestro ou ordem judicial devido a dívidas das empresas de apostas, por exemplo.
Já o resgate dos recursos dessas contas de transação somente poderá ocorrer com transferência, crédito ou remessa para contas bancárias mantidas pelo apostador nas instituições financeiras com sede e administração no Brasil e autorizadas a funcionar pelo Banco Central.
Prêmio não resgatado
Em relação aos prêmios não resgatados dentro de 90 dias, que pelo texto original seriam destinados totalmente ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), uma emenda aprovada pelo Plenário, do deputado Gilson Daniel (Podemos-ES), direciona 50% dos prêmios não resgatados ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, deixando com o Fies a outra metade.
Por Val-André Mutran – de Brasília