Câmara aprova urgência para votação do projeto de desoneração da folha de pagamentos

O relator será designado nesta terça-feira (10). Prazo para votação expira na quarta (11)
Sessão deliberativa de segunda-feira (9) foi presidida pelo deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB)

Continua depois da publicidade

Numa corrida contra o tempo, deputados federais aprovaram, na sessão deliberativa desta segunda-feira (9), o requerimento de urgência para votar o Projeto de Lei nº 1.847/2024, que trata da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de municípios de até 156 mil habitantes. Foram 293 votos favoráveis, 118 contrários e 4 abstenções.

Na mesma sessão, também foi aprovada a urgência para a deliberação do Projeto de Lei Complementar nº 121/2024, do Senado, que institui o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), destinado a promover a revisão dos termos das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União, já aprovado no Senado.

O tempo corre contra a aprovação do PL da desoneração, uma vez que a matéria não tem sequer relator designado. Esse tipo de atropelo regimental tem sido o principal motivo de reclamação dos deputados à gestão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Os relatórios são apresentados em cima da hora, lidos quase de improviso no Plenário, não havendo tempo hábil para a análise de matéria pelos deputados.

Questionada sobre o problema, a Mesa Diretora se limitou a dizer que Lira convocou uma reunião do Colégio de Líderes para a manhã desta terça (10), quando será escolhido o nome do relator.

A questão se torna preocupante porque a matéria tem que ser votada até a quarta-feira (11). Esse foi o prazo dado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), e referendado pelo plenário da Corte, para que governo e Congresso chegassem a um consenso em como compensar a renúncia fiscal.

Tumulto na tramitação

A matéria teve uma tramitação tumultuada porque foi judicializada pelo governo, que apelou ao STF, alegando que a aprovação da matéria violava princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que determina que seja apontada a origem de recursos para compensar o gasto do governo em nova despesa criada por projeto aprovado no Congresso Nacional.

Em 20 de agosto, o Senado venceu mais uma vez a queda de braço travada contra o governo: em segunda votação, os senadores prorrogaram o benefício fiscal sem a elevação da alíquota dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%, como queria o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Conforme o texto aprovado, a reoneração gradual da folha terá início em 2025 e irá perdurar até o final de 2027. Para compensação do benefício, prevaleceu o “cardápio” de oito medidas propostas pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG):

  • “refis” das multas com agências reguladoras;
  • repatriação de recursos;
  • regularização de ativos;
  • atualização de valores de ativos;
  • receita das apostas esportivas;
  • receita da taxação de importados até US$ 50;
  • dinheiro esquecido no sistema financeiro;
  • depósitos judiciais sem titularidade.

Disputa

No Senado, o líder do Governo, Jaques Wagner (PT-BA), tentou emplacar o aumento do JCP como um “dispositivo de garantia” das medidas de compensação, mas esbarrou na resistência da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que rejeitou a elevação de carga tributária.

Na semana anterior à aprovação da matéria, o senador petista retirou o “gatilho” da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), depois das críticas lideradas por Pacheco, que chegou a dizer que “parecia até vontade do governo em aumentar impostos”, em uma alusão à “campanha” contra a taxação de Haddad.

Sem sucesso, Wagner aventou a hipótese do JCP, um mecanismo que Haddad cogitou extinguir para impedir supostas manobras contábeis utilizadas por empresas para não pagar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

A desoneração é criação do próprio governo petista

Foi no governo da ex-presidente Dilma Rousseff que foi criada a desoneração da folha de pagamentos, a título de estímulo à geração de empregos, medida sucessivamente prorrogada desde então.

Desonerar um setor significa que ele terá redução ou isenção de tributos. Na prática, deixa a contratação e manutenção de funcionários em empresas mais baratas. Defensores do mecanismo dizem que esse tipo de prática aquece a economia e promove a criação de empregos.

Pelo que já havia sido aprovado pelo Legislativo, os 17 setores afetados permaneceriam com a alíquota reduzida até 2027, permitindo que os setores beneficiados pagassem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários.

O acordo do Congresso com a Fazenda estabeleceu que o sistema seguirá inalterado até 31 de dezembro de 2024. De 2025 até 2028, haverá uma gradual reoneração e o pagamento das empresas será em percentuais do total da folha de salários.

Dívida dos estados

Sem prazo de votação, mas não menos importante, o PLP nº 121/2024, do Senado, que institui o Propag, destinado a promover a revisão dos termos das dívidas dos estados e do Distrito Federal com a União, deve ser votado no esforço concentrado desta semana.

Entre os pontos favoráveis do projeto, a deputada Adriana Ventura (NOVO-SP) destacou o aumento de recursos para os estados. “O dinheiro tem que ficar no município, no estado, completamente descentralizado,” defendeu. No entanto, ela alertou para o risco da proposta também produzir efeitos indesejados: “Pode criar um incentivo perverso para que estados menos disciplinados aumentem seus gastos.”

O líder do governo, deputado José Guimarães (PL-CE), observou que estados governados por deputados da oposição também seriam beneficiados. “São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais são os grandes devedores que estão tendo agora uma solução de renegociação de suas dívidas com a União,” afirmou. “Eles vão ter 30 anos para amortizar e pagar essas dívidas e muitos dos ativos deles podem ser federalizados”.

O deputado Jorge Solla (PT-BA) avisou que, caso o projeto não seja aprovado a tempo, os municípios menores podem ficar sem capacidade de arrecadação.

Fibromialgia

Após duas horas e meia de sessão, os deputados aprovaram o último item da pauta: o PL nº 3.010/2019, do deputado Dr. Leonardo (Republicanos-MT), que estipula diretrizes para o Sistema Único de Saúde (SUS) realizar o atendimento e o tratamento de pessoas com Síndrome de Fibromialgia, Fadiga Crônica ou Síndrome Complexa de Dor Regional. A matéria será enviada ao Senado.

O texto aprovado é de autoria do relator, deputado Josenildo (PDT-AP). Ele observou que a doença atinge principalmente as mulheres entre 35 e 55 anos. “A condição ainda enfrenta preconceito devido à falta de exames específicos para diagnóstico. O desafio atual é oferecer um cuidado integral e de qualidade,” apontou.

“A fibromialgia ainda não é considerada uma deficiência, causando dificuldades na obtenção de benefícios. Não há cura, mas o tratamento é crucial para controlar os sintomas, melhorando a qualidade de vida,” completou. O texto prevê a necessidade de avaliação biopsicossocial para que a pessoa com essas doenças seja equiparada à pessoa com deficiência.

Essa avaliação deve ser feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar, e considerar os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Para o atendimento, acesso a exames complementares, assistência farmacêutica e acesso a modalidades terapêuticas (fisioterapia e atividade física, p. ex.). O projeto fixa diretrizes como participação da comunidade em sua implantação e estímulo à inserção da pessoa com alguma dessas doenças no mercado de trabalho.

Deverá haver ainda incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa e a seus familiares, e estímulo à pesquisa científica, por meio de estudos epidemiológicos, para dimensionar a magnitude e as características dessas doenças no Brasil.

Para efetivar essas diretrizes, o poder público poderá assinar contrato convênio com pessoas jurídicas de direito privado, de preferência com aquelas sem fins lucrativos.

O Poder Executivo poderá ainda realizar estudos para elaborar um cadastro único das pessoas com essas doenças, com informações sobre suas condições de saúde e necessidades assistenciais; acompanhamentos clínico, assistencial e laboral; e mecanismos de proteção social.

Obstrução

A oposição esteve em obstrução durante a votação da proposta para se manifestar a favor do impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes por suposto crime de responsabilidade. O pedido de impeachment, assinado por 153 deputados federais, foi entregue na segunda ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Leia os detalhes aqui.

“É muito importante cuidar das pessoas com fibromialgia, mas o momento agora é de cuidar da nossa liberdade,” ponderou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). A líder da Minoria, deputada Bia Kicis (PL-DF), acusou o ministro de impor uma ditadura no Brasil. “A censura dói, no corpo, na alma e até no bolso das pessoas,” lamentou.

O deputado Bohn Gass (PT-RS) defendeu a aprovação da proposta e criticou a obstrução. “Precisamos de uma política para ampliar a atenção com pessoas que estão sofrendo, com dor”, afirmou. “A proposta incentiva a capacitação de profissionais e cria uma carteira de identificação dos pacientes e cadastro único de pessoas acometidas”.

Por Val-André Mutran – de Brasília