Câmara, Senado e 10 partidos: todos contra a suspensão das emendas ao Orçamento

A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal mais uma vez acirra clima de confronto entre o Judiciário e o Legislativo
Lira, Barroso e Pacheco

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Como era previsto, veio a galope a reação do Congresso Nacional à decisão monocrática do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que na quarta-feira (14), atendeu pedido do PSOL e barrou “emendas Pix” e aquelas formuladas de maneira individual – emendas impositivas – indicadas por deputados e senadores ao Orçamento da União. As cúpulas da Câmara dos Deputados e do Senado pediram que o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, derrube a decisão do ministro Flávio Dino.

O cabo de guerra apenas começou. A disputa se desenrola em terreno inimigo (Plenário do STF), na primeira trincheira aberta pela maioria dos congressistas.

Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e os partidos PL, União Brasil, PP, MDB, PSD, PSB, Republicanos, PSDB, Solidariedade e PDT questionam a legalidade e a constitucionalidade dos atos de Dino.

“As decisões monocráticas, proferidas fora de qualquer contexto de urgência que justificasse uma análise isolada, e não colegiada, transcenderam em muito o debate em torno de alegada falta de transparência das denominadas ‘emendas PIX’, e alcançaram de forma exorbitante também as chamadas ‘Emendas de Comissão – RP8’”, questionam os parlamentares.

As advocacias da Câmara dos Deputados e do Senado argumentam na petição que as decisões causam “danos irreparáveis” à economia pública, à saúde, à segurança e à ordem jurídica, além de “violar patentemente” a separação de poderes.

“Numa única decisão monocrática, o Supremo Tribunal Federal desconstituiu quatro Emendas Constitucionais, em vigor há quase 10 anos, e aprovadas por tês legislaturas distintas (Presidências de Henrique Eduardo Alves, Rodrigo Maia e Arthur Lira, na Câmara dos Deputados, e de Renan Calheiros, Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, no Senado Federal)”, afirmam os autores do recurso em nota.

A segunda trincheira da guerra declarada entre Congresso – STF também já começou, só que no próprio terreno ocupado pelos congressistas.

Também na quarta-feira (14), a Comissão Mista de Orçamento (CMO) rejeitou a Medida Provisória nº 1.238/2024 enviado pelo contendor oculto, o Executivo Federal, que abre crédito orçamentário de R$ 1,3 bilhão para o Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público.

A decisão obriga a retirada do biombo em que estava o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que jura que não tem nada a ver com a decisão de seu fiel escudeiro até pouco tempo atrás, ex-ministro da Justiça e por sua indicação, agora ministro da mais Alta Corte do país, Flávio Dino.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), do mesmo partido comunista ao qual Flávio Dino era filiado até pouco meses, votou contra o parecer do relator, deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), por acreditar que a rejeição da medida seria apenas uma “resposta” do colegiado à decisão do ministro do STF Flávio Dino de suspender a execução de emendas parlamentares ao Orçamento.

“A resposta baseada em uma reação intempestiva não ajuda. Nós deveríamos ter uma resposta, se necessário for baseada na razão. Se erro foi cometido pelo Supremo, vem outro do Parlamento. Somar dois erros não dá um acerto”, registrou sua contrariedade o deputado comunista de São Paulo.

Ao editar a MP, o Executivo disse que o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que o limite de gastos do Judiciário entre 2017 e 2019 foi calculado a menor porque não considerou créditos extraordinários para pagamento de auxílio-moradia – uma das mordomias caras pagas pelo contribuinte ao alto comando do Poder Judiciário. A regra do teto de gastos previa a correção anual das despesas pela inflação. Para o TCU, embora o pagamento tenha sido aberto por crédito extraordinário, ele se referia a uma despesa regular.

Segundo o governo, os limites de despesas atuais já estão ajustados; mas teriam que ser pagas agora as diferenças dos anos anteriores. O TCU também decidiu que o pagamento não deve afetar a meta de resultado fiscal de 2024 porque se refere a um acerto de contas da regra antiga.

Mas, para o deputado Cabo Gilberto Silva, os créditos extraordinários devem servir apenas para despesas imprevisíveis e urgentes como o atendimento dos afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Ele negou a ideia de retaliação ao Poder Judiciário. “Não trata de nenhuma afronta, trata sim da independência do Poder Legislativo como determina a nossa Constituição”, encerrando a querela.

TCU equivocado

O deputado Claudio Cajado (PP-BA) disse que o Executivo obedeceu a uma determinação equivocada do TCU. Segundo ele, a medida está errada. “Fazer uma medida provisória para aumentar salário? Extrateto? Tirando do teto de gastos? Pelo amor de Deus!”.

Para o deputado Orlando Silva, a rejeição terá poucos efeitos porque o crédito já estaria empenhado. O parecer da comissão será analisado agora pelo Plenário da Câmara e, em seguida, pelo Senado. Para contrariedade dos interessados, o governo não tem votos para impedir a rejeição do que prevê a Medida Provisória nº 1.238/2024, que deve cair caso não haja um acordo entre os contendores.

Semana iniciou com prenúncio de tempestades

Os presidentes das comissões de Desenvolvimento Econômico e de Finanças e Tributação da Câmara criticaram os questionamentos do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre a transparência das emendas parlamentares ao Orçamento do tipo transferência especial, na audiência pública do colegiado na terça-feira (13).

O deputado Danilo Forte (União-CE), presidente da Comissão de Desenvolvimento, disse que existe uma “incompreensão” sobre essas emendas [Pix]. Ele argumentou que essas emendas trazem agilidade à execução orçamentária e que existem regras de fiscalização e transparência previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“Se hoje você vai fazer uma emenda comum para aprovar um projeto de saneamento na Caixa Econômica, quando o município receber esse dinheiro, esse projeto já está defasado. A inflação já defasou esse projeto, que vai precisar de suplementação orçamentária”, apontou.

Para Danilo Forte, o Congresso ganhou mais protagonismo no Orçamento e também mais responsabilidade pela solução dos déficits orçamentários.

Já o presidente da Comissão de Finanças, Mário Negromonte Jr. (PP-BA), reclamou de “interferência” do Judiciário no Legislativo. Ele acrescentou que as emendas individuais de transferência especial são importantes para os municípios.

“Essa ‘emenda pix’ serve basicamente para ajudar os municípios a fecharem as contas. Para pagarem as prestações de serviços mínimas no final do mês. Então é realmente lamentável ver a decisão do STF”, afirmou.

As emendas de transferência especial são recursos repassados diretamente para as prefeituras sem a necessidade de convênios. Elas não podem ser usadas para pagamento de pessoal e 70% do valor deve ser aplicado em investimentos.

A palavra de Lira

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a decisão monocrática do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino de limitar a execução das chamadas “emendas Pix” não pode tirar do Congresso o poder constitucional sobre emendas parlamentares. Segundo Lira, o Parlamento tem o poder constitucional de garantir suas prerrogativas estabelecidas em cláusulas pétreas.

“Emenda Pix” é o nome pelo qual ficaram conhecidas as emendas orçamentárias individuais que repassam os recursos diretamente a estados, Distrito Federal e municípios, sem uma indicação específica de destinação.

Ao participar, na quarta-feira (14) do 32º Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Lira ressaltou a importância desses recursos para a prestação dos serviços de saúde pública no País.

Um dia antes, os presidentes das comissões de Desenvolvimento Econômico e de Finanças da Câmara também criticaram os questionamentos de Flávio Dino.

Autonomia

Arthur Lira defendeu a autonomia dos Poderes e destacou que o Congresso Nacional é quem mais conhece a realidade dos municípios brasileiros e a da saúde pública oferecida à população.

“Os 513 deputados federais e os 81 senadores vivem os problemas da prestação do serviço de Saúde, sabem que as Santas Casas e os hospitais filantrópicos sobrevivem com o apoio indispensável das emendas parlamentares”, disse Lira. “Não podem mudar isso num ato monocrático, quaisquer que sejam os argumentos e as razões, por mais que eles pareçam razoáveis”, criticou.

Transparência

No dia 1º de agosto, o ministro Flávio Dino determinou que as transferências fossem fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Por meio de liminares, Dino afirmou que faltava transparência nessas transferências.

As emendas orçamentárias individuais do tipo transferência especial — conhecidas como “emendas Pix” — somam cerca de R$ 8 bilhões. O ministro suspendeu o envio desses recursos, mas permitiu a execução dessas emendas destinadas a obras em andamento e casos de calamidade pública, como as enchentes no Rio Grande do Sul e Bahia.

Questionamento do Congresso

Na semana passada, Câmara e Senado entraram com agravo regimental contra as decisões de Dino pedindo a revogação das duas liminares. No questionamento, as duas Casas defendem que a norma só poderia ser limitada pelo STF se houvesse “inequívoca afronta à cláusula pétrea da Constituição”.

Diálogo

O presidente Arthur Lira disse que é preciso chegar a um entendimento por meio do diálogo, mas ressaltou que o orçamento não é exclusivo do Executivo.

“O diálogo é imperativo, é o caminho para chegarmos a um entendimento. Mas é sempre bom lembrar que o orçamento não é do Executivo. O orçamento é votado pelo Congresso, por isso é lei. Sem o aval do Parlamento não tem validade constitucional”, afirmou.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.