Canaã avança na arrecadação, mas recua em desenvolvimento

Essa é a conclusão parcial a que chegou estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, exposto ontem a agentes públicos e representantes dos movimentos sociais

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A conclusão parcial do estudo sobre o uso das rendas geradas pela mineração, em especial a Compensação Financeira por Exportação de Recursos Minerais (CFEM), foi apresentada durante esta quinta-feira (6), em um debate realizado no auditório do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará (Sintepp) de Canaã dos Carajás.

A pesquisa é considerada inédita e pontua que o município é um grande polo de exploração mineral com destaque no cenário econômico nacional e internacional. Em Canaã existem duas minas em atividade; a Sossego, cuja operação iniciou em 2004 e de onde é extraído cobre; e a S11D, considerada a maior mina de ferro do mundo. Ambas administradas pela empresa Vale S/A.

Realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), uma organização de cidadania ativa, sem fins lucrativos, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás (STTRC), o estudo apontou, segundo Maria Amélia Enríquez, professora e pesquisadora da Faculdade de Economia de Universidade Federal do Pará, que, com a chegada da mineração no município, o orçamento se avolumou, colocando a cidade no 36º lugar em termo de renda per capita no Brasil, e atualmente, em primeiro do Estado do Pará.

No entanto, enquanto a arrecadação caminha a passos largos, o retorno em investimentos para município tem ficado para trás. Logo, para a pesquisadora, não adianta avançar por um lado e retroceder por outro. Ela destaca que Canaã dos Carajás, com o projeto S11D, ganhou essa visibilidade mundial e isso é graças à mineração que se diversificou porque aqui. A pergunta é: Até que ponto ser um município minerador contribui realmente para o desenvolvimento?

“A nossa hipótese original é de que, como Canaã avançou muito rapidamente, dessas variáveis rendas, era que o desenvolvimento também fosse maior do que a média do Estado, mas quando nós fomos mensurar, o município está abaixo da média – os relacionados a produção, ao crescimento”, explanou.

Em 11 anos, Canaã recebeu R$ 224,4 milhões de compensação de royalties da mineração. Apesar de proporcionar um significativo aumento no volume da arrecadação ainda é grande o desconhecimento do que seja a CFEM, a que se destina e como essa receita pode melhorar a vida da população em regiões mineradoras.

Em linhas gerais, a pesquisa revela um cenário de contradição no desenvolvimento social. Com relação ao crescimento econômico, à educação e à saúde houve uma melhora nos índices estabelecidos pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Por outro lado, problemas sociais relacionados à pobreza, desigualdade racial e de gênero e à violência se agravaram. Para Maria Amélia, é necessário muito mais que aplicar, é preciso haver diálogo. “A conclusão que a gente chega é de que esses indicadores que estão mais associados ao desenvolvimento, eles não evoluem apenas com crescimento econômico, o que é importante, mas se não houver diálogo, consenso e interação fica difícil e contraditório, você avança no crescimento, mas retrocede no desenvolvimento. A mensagem que nós queremos deixar é essa necessidade de diálogo para se chegar a um consenso a respeito dos rumos do desenvolvimento”, reforçou.

Na ocasião, estiveram presentes agentes públicos, representantes de movimentos sociais da região e membros do Ibase, como a coordenadora do instituto no Rio de janeiro, Nahyda Franca, que destacou que a atividade minerária no município vai terminar, em outras palavras é necessário que o município comece a pensar no futuro sem se tornar dependente da extração dos recursos minerais.

“A reflexão sobre os fatores da renda extrativa da mineração traz uma complexidade infinita para o território onde está sendo feita essa atividade minerária. Toda a discussão que é levantada tem aspectos, por exemplo, técnicos, operacionais e políticos, então existe. Quando a renda extrativa da mineração, começa a ser arrecadada no território deve-se saber como distribuir essa renda pelos diversos setores. Essa é uma atividade que tem início, meio e fim, além disso, ela oscila. O objetivo do Ibase, ao propor esse estudo, é que ele ganhe vida, saia do papel, influencie e amplie o debate público. Precisa-se  saber realmente quais são as maiores necessidades do município e aonde o mesmo pode investir pensando no seu futuro, em sua sustentabilidade, porque a renda minerária vai terminar”.

Para Charles Trocate, essa compensação financeira tem seus aspectos positivos, sendo para ele, essa a única via para que o município alcance o desenvolvimento. “A grande pergunta é “A mineração é uma dádiva ou uma maldição?”. Na minha opinião, ela fica em um meio termo em função de que na medida em que avança uma consciência crítica da sociedade sobre a indústria extrativa da mineração, ela pode impor limites a essa fome exagerada por minerais da indústria extrativa. O S11D é um projeto grandioso, no entanto a sociedade está longe de ter uma visão total do que significa esse projeto, e isso também implica em estar longe de colocar certos marcos regulatórios inclusive no uso do CFEM para que nós não tenhamos esse mineral exaurido sem que a gente tenha os benefícios necessários”, destacou.

Com a conclusão do estudo, o próximo passo será a disponibilização do documento para consulta da sociedade no site do Ibase (ibase.br), o que deve acontecer ainda este mês.