Uma ação de reintegração de posse da empresa Pimentel Tavares Ltda, em Canaã dos Carajás, teve um novo capítulo com direito a reviravolta nos últimos dias a partir de uma decisão do juiz Lauro Fontes Júnior, da Comarca daquele município.
Um grupo de sem teto, sob a liderança de uma mulher conhecida pelo prenome de Antônia, invadiu uma área de 79 mil metros quadrados no denominado LOTE 14-A, da Quadra 48, no Bairro Estância Feliz, em Canaã, invadida no dia 18 de março de 2016.
A empresa alega ser a legitima proprietária e possuidora do imóvel invadido e que se encontra devidamente registrado no Cartório de Imóvel local desde dezembro de 2011.
Afirmou, ainda, que o terreno invadido é remanescente da área caracterizada pelo Loteamento Alvorada, também de sua propriedade e que o imóvel esbulhado é objeto do parcelamento urbano para fins de loteamento, no denominado Loteamento Alvorada II, cujo projeto aguarda aprovação no IDURB (Instituto de Desenvolvimento Urbano) de Canaã dos Carajás.
Em sua decisão, o juiz Lauro Fontes avaliou que a tramitação se tornou nula desde a citação, observando que o juízo atuante no feito lá no início não foi diligente em aplicar as inovações processuais. “Como se trata de reintegração de posse que atinge dezenas de famílias, não poderia ter deixado de providenciar a citação por edital de todos aqueles que não foram pessoalmente identificados na área. Além do mais, permeada de pessoas qualificadas como hipossuficientes econômicos, também não poderia ser preterida a participação da Defensoria Pública”.
Mas durante o processo, mais recentemente, a empresa Pimentel Tavares pediu a extinção do feito, o que chamou a atenção do magistrado: “Observo que o autor formulou pedido de extinção do feito, porquanto acredita que teria ocorrido a perda do seu objeto. Nada mais equivocado. A realidade fática sub judice só foi alterada em razão da força de uma decisão judicial, e isso não coincide ou pode ser confundido com o fenômeno processual da perda de objeto. Não tenho dúvidas de que deixa de se comportar segundo a boa-fé processual, já que seu ensaio de movimentação acabaria privando os réus de participarem de uma discussão que tem potencial de identificar quem seria o real titular do direito material judicializado”, argumentou o juiz Lauro Fontes.
Ainda em sua avaliação, o magistrado ressalta que, em princípio, não compreendeu os motivos de o autor postular em juízo a proteção de terras supostamente públicas. “Por oportuno, transcrevo, ipsis litteris, sua fala: que o loteamento ainda está em processo de registro (sic); que não sabe precisar quantos terrenos já foram vendidos. Deste pequeno extrato somos levados a crer que estamos diante de loteamento não autorizado, de forma definitiva, pelo município. Em tese, essa situação explicaria os motivos de se ter vindo a juízo postular direito supostamente alheio, já que na prática ainda pertenceria ao patrimônio do postulante. A se comprovar essa hipótese, não se negue que a conduta do autor acabaria se aproximando das figuras criminais descritas nos artigos 50 e ss. da Lei 6766/79 (crime contra a administração pública)”.
Em sua decisão recente, o juiz Lauro Fontes disse perceber que o sócio administrador da empresa, Noel Tavares Pimentel, também se posiciona como sócio administrador de, no mínimo, outro grande fornecedor de bens e serviços “a este pequeno município paraense, com apenas 36 mil habitantes”.
O magistrado citou dois contratos prospectados no Portal da Transparência de Canaã dos Carajás. O primeiro deles no valor de R$ 2.156.145,98 (Contrato n. 20172906) e o segundo perfazendo o valor de R$ 1.712.329,90 (Contrato n. 20160.462). A princípio, esses diversos contratos com a Administração Pública local não significariam muita coisa. Mas se observamos com atentos, eles têm a aptidão de trazer para o contexto os motivos de se ter pago tão pouco por vasta dimensão de área pública. “Nesse ângulo, não se pode deixar de sublinhar a observação realizada pela Defensoria Pública do Estado do Pará, ou seja, a de que a transferência desse patrimônio ao autor não seria outra coisa senão a tradução de uma simulação jurídica, uma vez que o autor teria pago ao município de Canaã dos Carajás o simbólico valor de R$ 72.482,82 por 79.068,502 metros quadrados de área, algo em torno de R$ 1,09 o metro quadrado”.
Segundo o magistrado, deveria ter ocorrido licitação para repassar a referida área a particulares. Para ele, há indícios de que ocorreu oligopólio na distribuição de terras locais. “Uma falha do mercado, patrocinada, em tese, por práticas fisiologistas, que no caso concreto acabou retornando na roupagem da favelização. De todo modo, como o autor nunca exerceu a posse direta da área pleiteada, tendo estribado seu pedido numa cadeia dominial supostamente insólita, a causa de pedir em tela, dadas particularidades pontuadas no curso desta fundamentação, autoriza que se convide o INCRA, em Brasília, a participar no feito como amicus curie”.
Firme, o juiz Lauro Fontes anulou os atos processuais realizados desde a primeira citação na ação, determinando nova citação, que deve ocorrer por edital, dando prazo de 15 dias para os ocupantes da área apresentarem defesa. “Até melhor cognição dos fatos, sem perder de vista a necessidade de operar a estabilização e pacificação social, ratifico a tutela liminar exarada anteriormente”.
Ele também mandou chamar o presidente da IDURB para que apresente cópia integral do processo administrativo referente à outorga da área em questão. “Considerando que a Lei 11.952/09, que vedou a concessão de mais de uma área por pessoa, deverá o referido presidente informar, como demonstrar nos autos, quantas áreas federais, primeiramente transferidas ao município, e depois repassadas aos particulares, tiveram como beneficiário o autor, ou quaisquer um de seus sócios, ou de empresas ligadas a estes. A participação destes devem ser compreendidas como qualquer forma de interveniência na cadeia dominial e cujo roteiro foi reconstruído perante a autarquia municipal. No mesmo prazo deverá o presidente da entidade informar se os requisitos da Lei 11.952/09, pelo menos até o advento da Lei 13.465/2017, estavam sendo cumprimentos, em especial os que foram citados por este juízo; como limite máximo de área por pessoa; se houve licitação no caso concreto; e, como se chegou ao valor de R$ 1,09 por metro quadrado.