Com população estimada em 55 mil habitantes, Itupiranga, município distante 55 km de Marabá, tem hoje em torno de 25 mil desempregados. Os poucos postos de trabalho existentes se limitam à prefeitura, Agência do INSS, órgãos estaduais e ao fraco comércio local. Mesmo assim, empreendimentos que deveriam ser bem-vindos à cidade, onde gerariam emprego e renda, encontram entraves para sua instalação. É o caso do Loteamento Cidade Jardim, onde o empreendedor Júlio César Pereira Franco já investiu R$ 6 milhões, mas não pode vender um único lote.
O motivo é uma querela que já se arrasta há mais de dois anos, por conta de intransigência no Cartório de Registro de Imóveis da cidade. Naquele estabelecimento, o escrevente substituto Wilder Lima de Souza está cobrando R$ 450 mil pelo Registro Imobiliário (RI) do Cidade Jardim, onde nem sequer foi vendido um dos 1.170 lotes.
O empresário Júlio César Franco argumenta que esse valor é exorbitante, pois o cartório calculou o valor do documento pelo preço do metro quadrado, estabelecido pelo próprio cartorário, em R$ 370,00. Ou seja, muito acima do valor do metro quadrado constante na tabela de valores venais da Prefeitura de Itupiranga, que é de R$ 42,60.
Wilder Lima, por seu turno, afirma que estabeleceu esse valor baseado na tabela de emolumentos da Justiça Estadual e na suposição de que cada lote será comercializado por preço que varia entre R$ 30 mil e R$ 35 mil. Avaliação causa estranheza ao empresário, que ainda está urbanizando a área e, por enquanto, não definiu o valor dos lotes.
“Nós ainda não estamos vendendo o empreendimento nem estamos escriturando. Estamos tentando fazendo o registro para, posteriormente sim, iniciar o processo de vendas. E, assim que as vendas começarem, nós vamos registrar as escrituras dos lotes no cartório. Aí sim, ele [o cartorário] vai poder cobrar o documento pelo valor de mercado”, explica Júlio César.
Em Marabá, o valor do RI ficaria quase três vezes menor
Segundo o empresário, que afirma ter experiência no mercado imobiliário, tanto como consultor quanto como empreendedor, além de ser bacharel em Direito, a avaliação de lotes como os do Cidade Jardim, cujas vendas ainda não começaram, deve ser feita, para efeito de valor de registro, com base no preço da tabela da prefeitura ou pelo cronograma físico e financeiro do empreendimento.
Tabeliões consultados em Marabá pela Reportagem do Blog do Zé Dudu, mas que pediram sigilo de seus nomes, “por questão de ética profissional”, confirmaram essa informação e, informados sobre as características do empreendimento, calcularam que o preço do RI do Loteamento Cidade Jardim seria, no máximo, em torno de R$ 175 mil.
Muito abaixo, portanto, dos R$ 450 mil cobrados pelo cartório de Itupiranga. Confirmaram ainda os profissionais, que, como os lotes ainda não foram postos à venda, o metro quadrado não pode ser avaliado pelo preço de comercialização. “Além disso, não é papel, não é função do cartorário avaliar preço de imóvel”, observou um deles.
Em 2018, em nova ação, o empresário impetrou, na Vara Única da Justiça Estadual, em Itupiranga, Mandado de Segurança solicitando que o Cartório de Registro de Imóveis de Itupiranga fosse autorizado a emitir o RI.
“O impetrado vem agindo com abusividade e omissão, ao não receber os documentos constitutivos do impetrante para regularização do RI do seu empreendimento, uma vez que os vícios considerados no processo administrativo, ou seja, omissão e arbitrariedade em não receber a documentação proba para Registro do Empreendimento (Loteamento Cidade Jardim), por sua total responsabilidade, são evidentes, em desacordo com os princípios da impessoalidade, legalidade dentre outros, que ferem, de chofre o direito do Impetrante”, diz a petição, em resumo.
O Ministério Público do Estado, em princípio, manifestou-se pela concessão, em decisão liminar, do RI. Porém, mais adiante, orientou que o valor dos emolumentos fosse calculado “segundo o valor previsto em planilha de venda dos imóveis a serem comercializados”, incorrendo, portanto, no mesmo equívoco do cartorário.
Como ainda não há valor de venda, uma vez que os lotes estão sendo preparados e o documento de registro nem ao menos existe, em razão dessa pendenga, segundo Júlio César Franco, não há como apresentar planilha de preços.
Baseado na recomendação do MPE, o juiz Danilo Alves Fernandes sentenciou, no último dia 20 de maio, extinguindo a ação. Ouvido pelo Blog sobre o assunto, o magistrado foi sucinto: disse que a decisão já estava tomada e publicada no Diário da Justiça e não mais se pronunciaria a respeito do caso.
Prefeito tenta contornar a situação e encaminhar acordo, mas não é atendido
Procurado, o prefeito de Itupiranga, José Milesi (MDB), se dispôs, na sexta-feira (7), pela manhã, em acompanhar o empresário Júlio César ao cartório afim de tentar uma conciliação que pudesse destravar o empreendimento. A reportagem do Blog esteve presente à reunião.
No cartório, José Milesi explicou a Wilder de Souza que o Loteamento Cidade Jardim é um empreendimento de grande porte, que, quando comercializado vai gerar tributos aos cofres municipais assim como renda ao cartório. Argumentou que o município, mais do que nunca, diante da crise financeira presente, necessita de recursos e que essa seria uma oportunidade de gerar uma boa arrecadação. O cartorário disse que, já que o caso estava na Justiça, não tinha mais diálogo e encerrou a reunião.
De acordo com a advogada do Loteamento Cidade Jardim, Letícia Collinetti Fiorin, a primeira Ação Reclamatória foi distribuída no ano de 2016, objetivando sanar o conflito e, agora, após quase “três longos anos de investimentos e da duração do referido processo, este fora extinto sem resolução do mérito, sob a fundamentação de ilegitimidade jurídica do mencionado cartório para figurar no polo passivo, haja vista que esta deveria ter sido em face do tabelião”.
“Quanto ao Mandado de Segurança impetrado com pedido liminar, em dezembro de 2018, visto que, se até o presente momento não houve o registro do empreendimento, o mesmo não existe, portanto não há que se falar em valor de venda. O Mandado de Segurança obteve parecer favorável do Ministério Público, mas, sob a ótica do magistrado, foi extinto sem resolução do mérito”, explica a advogada que vai recorrer, no Pleno do TJE-PA, da decisão do juiz de Itupiranga.
Impasse já fez vítimas: 60 funcionários demitidos
Em vista desse impasse, Júlio César foi forçado a dispensar 60 pessoas que trabalhavam na urbanização do loteamento, onde, dos 1.170 lotes, 400 já foram urbanizados com asfalto e drenagem, mas não podem ser comercializados por falta de documentação.
“Quando as pessoas compram um imóvel querem o registro, o documento, querem segurança jurídica”, salienta o empresário. “São dois anos de sofrimento, com investimento muito alto que nós fizemos aqui em Itupiranga. Estamos tendo prejuízos, o custo financeiro é de R$ 180 mil, por mês. Fora pagamento de funcionários e manutenção. Já tentamos de tudo, mas não tem conversa, não tem diálogo, já conversamos na presença do juiz, mas não adiantou”, lamenta Júlio, indagando: “Você já imaginou se os 400 lotes que já estão urbanizados fossem todos vendidos, quantas obras gerariam empregos na construção civil e movimentariam o comércio?”
Autoridades manifestam preocupação e apoio ao empreendedor
Para Frederico Nogueira, um dos procuradores da Prefeitura de Itupiranga, o município tem total interesse no empreendimento: “Até porque existem aqui vários loteamentos irregulares e esse é o primeiro que veio, procurou a prefeitura, procurou os meios legais, é uma coisa organizada, tem a infraestrutura básica necessária e está procurando também se regularizar documentalmente”.
“Eu percebo aí que está tendo realmente essa divergência. Acredito que o Júlio tem razão. O município, diante disso, vai tomar conhecimento, apurar a situação, porque a gente não quer perder o empreendedor, que é capaz de desistir do empreendimento amanhã, ir embora e fica ruim para a gente”, opinou ele.
O vereador Kairo Rodrigo Vieira Paiano (DEM) – Kairon -, da Câmara Municipal de Itupiranga, diz que isso é muito ruim para o município: “A gente sabe que foi um investimento grande, ele já investiu muito dinheiro, então vamos ver uma forma amigável, uma forma decente para resolver essa situação. Isso é ruim para a empresa, para o município e para o cartório também. Tem de haver uma solução logo, estamos aí para somar. É com harmonia que a gente chega longe”.
Outro vereador, Paulo Sérgio Barros (PTB), presidente da Câmara, afirma que está do lado do empreendimento e promete se reunir, logo no início da semana, com os demais vereadores e com a Procuradoria do Legislativo, para tratar do assunto. O objetivo é tentar resolver a grave questão e destravar o empreendimento, que vai resultar em emprego e renda para o município.
Em pronunciamento na tribuna da CMI, na última semana, o vereador Jordão Martins Cunha (PRB) disse, indignado, que cartórios hoje não são mais hereditários – referindo-se ao fato de Wilder de Souza ter substituído o pai, o tabelião Elias Coelho de Souza à frente do negócio – e, “se está atrapalhando, isso deve ser mudado”.
“Acabou essa época de farra dos donos de cartórios, que batiam o pé e tinha de ser o que eles queriam. O que não pode é passar mais um ano para destravar uma obra que vai gerar muito emprego e renda. Uma obra com sistema de saneamento todo pronto. Pronta para comercializar. Diversas pessoas de Rondon do Pará, Canaã dos Carajás e Parauapebas já até procuraram o empreendimento. Não estou puxando para nenhum dos lados, mas é preciso procurar meios para facilitar a vida do cidadão, que vai gerar emprego e renda”, discursou.
Por Eleutério Gomes – de Marabá
1 comentário em “Cartório de Itupiranga inviabiliza empreendimento milionário no município”
Ser incorporador de loteamentos no Brasil é um grande desafio, desde de a falta de apoio governamental parece atividade que visa com somente promover o desenvolvimento urbano de forma ordenada e ofertar para o mercado produtos acessíveis e com pagamento facilitado. Aprovar um Loteamento em grande parte dos municípios brasileiros é uma via crucis, desde o excesso de burocracia, dificuldades geradas pelas concessionárias de água e energia, até a subjetividade dos tabelionatos de registro de imóveis. Primeiro querendo exorbitar fazendo exigências acima da competência. Segundo impor valores sobre os emolumentos que distam totalmente da realidade. O cálculo surreal,a nesse caso fático, se sustenta pelo simples fato que o tabelião está impondo o valor de metro quadrado baseado numa previsibilidade de valor comercial, enquanto o correto era aplicar o preço de metro quadrado da área bruta, ou seja, status quo do empreendimento. O empreendimento só chega ao ápice do valor comercial quando está 100% implantado, desenvolvido e consolidado. O fato demonstra o extravagante enriquecimento Sem causa!